MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 14 de março de 2021

O que impede o Brasil de avançar na produção de vacinas contra a Covid

 



Até agora, o Brasil é refém de vacinas estrangeiras, apesar de ter uma consolidada produção de imunobiológicos nacionais. Muito em breve podemos necessitar de uma segunda geração de vacinas e ainda não temos uma ação sólida contra o vírus original. Artigo de Fernando Bittencourt Luciano para a Gazeta do Povo:


Nas últimas semanas, estamos vivendo um período de angústia constante em todo o país. O que parecia estar perto do fim voltou com mais força do que presenciamos nos últimos 12 meses. A maior parte do sistema de saúde brasileiro, tanto público quanto privado, está colapsado. As filas nas UTIs são gigantescas. Pacientes estão sendo intubados em enfermarias e muitos não estão sendo sequer atendidos por falta de vagas, simplesmente. Parece que a mistura entre a queda de casos do novo coronavírus com a chegada da vacina deu a falsa sensação de que o pior estava passando. As pessoas relaxaram. E isso acontece em um momento do ano no qual o número de casos de doenças respiratórias naturalmente começa a crescer com a chegada do outono. Além disso, estamos diante de variantes do Sars-CoV-2 mais contagiosas.

Se não agirmos logo, com maior eficácia, criaremos a fórmula perfeita para uma resolução ainda mais complicada. Temos um número gigantesco de casos da doença no Brasil, e a taxa de vacinação caminha a passos muito lentos. Até 10 de março, somente 4,26% da população havia recebido a primeira dose da vacina, enquanto apenas 1,5% recebeu a imunização completa. O cenário criado é de alta disseminação do vírus aliada a um percentual baixo da população efetivamente imunizada.

Com essas características, causamos uma situação conhecida como pressão seletiva. Mas o que isso quer dizer? Os vírus são mutantes e, apesar das taxas de mutação serem baixas, são espécimes que se multiplicam de maneira exponencial e que se encontram aos bilhões dentro de cada pessoa infectada. Invariavelmente, estamos criando mutantes a todo momento. Normalmente, eles não causam problemas. Mas quando a mutação gera uma vantagem competitiva, as coisas podem se tornar mais graves ou perpetuar o problema por muito mais tempo.

Foi o que aconteceu com a variante P1, que é mais contagiosa do que o vírus original. Agora, temos uma taxa pequena da população imunizada que segue entrando em contato constantemente com vírus. É muito plausível que alguma nova variante possa escapar da imunização das vacinas atuais por possuir características diferentes do vírus original. Isso significa que pessoas já vacinadas não estariam mais imunes à nova variante – e se ela também for altamente contagiosa, a doença se perpetua, fazendo com que precisemos de uma nova geração de vacinas. Isso ocorre todos os anos com o vírus influenza, e é por isso que novas vacinas são produzidas com grande frequência contra esse agente etiológico.

Como se pode notar, o problema é muito complexo. E o processo de inovação sempre parte do olhar para o entendimento do problema. Até agora, o Brasil é refém de vacinas estrangeiras, apesar de ter uma consolidada produção de imunobiológicos nacionais. Muito em breve podemos necessitar de uma segunda geração de vacinas e ainda não temos uma ação sólida contra o vírus original.

Demos a largada correta quando, ainda em abril de 2020, o Governo Federal, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou um edital de combate à Covid-19. Nesse chamamento público, muitas universidades e institutos de pesquisa responderam, e mais de uma dezena de projetos de desenvolvimento de vacinas foram contemplados com orçamentos de algumas centenas de milhares de reais.

Segundo o Ministério da Saúde, 15 iniciativas com diferentes soluções estão sendo estudadas em todo o território nacional com financiamento público. Excelente! Muitas delas apresentaram resultados promissores em pouquíssimos meses. Palmas aos excelentes pesquisadores de nosso país que, com recursos escassos, chegaram a resultados tão promissores. Como boa parte da ciência produzida no Brasil, porém, não planejamos o próximo passo da inovação.

As universidades cumpriram seu papel de geração de conhecimento, mas elas não são fábricas de vacina. Essas instituições não são especialistas em transformar o conhecimento gerado em produtos comerciais – e esse nem é o seu papel. Todas as 15 iniciativas citadas anteriormente ainda se encontram na fase de testes pré-clínicos, ou seja, foram testadas em animais e apresentaram bons resultados. Mas a fase mais crítica, que são os testes em seres humanos, está longe. Muito provavelmente boa parte dessas ideias fantásticas morrerão dentro dos muros das universidades sem terem tido a chance de serem testadas em escala piloto por falta de planejamento de nossos líderes.

Conversei com o professor Breno Castello Branco Beirão, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que faz parte de um dos grupos que desenvolveram uma nova vacina em nosso país. Breno é professor do Departamento de Patologia Básica, é especialista em imunologia animal e também é sócio da Imunova, uma startup que trabalha com análises e desenvolvimento de produtos para a saúde animal.

Ele me contou que os pesquisadores desenvolveram uma vacina bastante inovadora, utilizando uma nanopartícula formada por um polímero de carboidrato produzido por uma bactéria. Nessa nanopartícula, foram aderidas proteínas virais produzidas por outra bactéria, que em um procedimento de engenharia genética recebeu o gene viral que codifica essa proteína. No processo de produção dessa vacina, portanto, o vírus não está presente. Um pequeno pedaço dele é produzido por uma bactéria, e esse pedaço pode ser purificado e unido com a mini esfera produzida por outra bactéria.

É uma estratégia que vem da combinação de conhecimento de cientistas que trabalham em áreas diferentes e – pasmem – não atuam diretamente com saúde humana. Os livros que discorrem sobre inovação trazem muitos exemplos como esse. Muitas vezes, a mudança radical vem de um olhar fresco e pouco viciado sobre determinado tema. Essa nova vacina foi testada em camundongos e apresentou uma produção de anticorpos superior aos ensaios iniciais da própria vacina de Oxford. Apesar dos esforços dos pesquisadores e do recurso público dispendido para alcançar esses resultados, contudo, esse imunizante está fadado a permanecer nos estudos pré-clínicos.

Beirão conta que eles tentaram conversar com indústrias farmacêuticas para realizar a transferência de tecnologia e com a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entender quais seriam os próximos passos para levar essa vacina adiante. Todas as respostas foram, até agora, frustrantes, que fazem qualquer pessoa desanimar e pensar em desistir.

“Essa nova plataforma de produção de vacinas [nanopartículas] poderia também atender a outras doenças que custam muito aos cofres públicos brasileiros, como a dengue, malária, leishmaniose e zika vírus”, comenta o professor. É incerto se essa metodologia realmente terá sucesso, mas talvez ela não tenha nem a chance de ser provada.

Alguns desenvolvimentos de uma vacina nacional parecem estar encontrando caminhos, mesmo que lentos, por meio de algumas cooperações já estabelecidas e em centros que já produzem vacinas, como a Fiocruz e o Instituto Butantan. Mas as perguntas mais importantes são: qual das 15 iniciativas é a mais efetiva e promissora? Vamos dar um ou dois tiros e correr o risco de serem balas de festim enquanto poderíamos usar 15 balas? Estaríamos perdendo a chance de encontrar soluções para a Covid-19 e, quem sabe, como efeito colateral, para outras mazelas que nos afligem de maneira crônica?

São questões difíceis, mas que com método e planejamento poderiam estar sendo resolvidas a tempo para que não estivéssemos vivendo um momento tão caótico. Esses 15 grupos deveriam estar trancados em uma sala (mesmo que virtual), com empresas públicas e privadas que pudessem escalonar a produção (piloto e industrial) e com a Anvisa, que coordena a aprovação e deveria estar tendo um papel ativo de mostrar e apoiar nos caminhos burocráticos, adicionado de recurso público para apoiar o processo de validação da vacina.

Para o leitor entender: todas as vacinas nacionais se encontram em fase pré-clínica desde o ano passado, quando o edital foi lançado e esses projetos foram aprovados, por falta de planejamento claro de quais deveriam ser os próximos passos de desenvolvimento caso elas tivessem sucesso na etapa inicial. Ainda são necessárias as fases de ensaios clínicos, que vão desde um piloto com poucas dezenas de indivíduos até uma escala de dezenas de milhares de pessoas. Em cada fase, é possível obter respostas sobre se vale ou não a pena continuar. Isso custa muito dinheiro. Provavelmente dezenas ou até mais de uma centena de milhões de reais para vencer todos os estágios de uma única solução. Faça as contas, porém. Isso é até barato para um Estado que sangra com uma economia que abre e fecha constantemente e que perde milhares de vidas todos os dias.

Quer mais argumentos? Até agora, estamos reféns dos altos preços cobrados pelas grandes corporações farmacêuticas, que, segundo valores divulgados, variam de US$ 19,50 até US$ 37 por dose de vacina. Precisamos de duas doses, na maioria das vacinas, para uma efetiva imunização.

Para os países que financiaram o desenvolvimento das vacinas, o preço é de custo. No caso da vacina da AstraZaneca (Oxford), esse preço é de R$ 16,70. Multiplique a diferença entre os valores de custo e de mercado das vacinas pela população brasileira de quase 212 milhões de habitantes. O resultado é de dezenas de bilhões de reais. Incentivar as universidades, indústria e órgãos regulamentadores a fomentar uma solução nacional em centenas de milhões de reais é uma conta baratíssima.

Observando o cenário atual, o desfecho mais provável é que teremos o vírus circulante por muito tempo ainda, com o risco de termos muitas variantes. Em algum momento, as vacinas chegarão para as clínicas privadas, e quem tiver bolso irá saltar sobre qualquer fila de prioridade. A população em geral ficará à deriva dos impasses ideológicos e pouco científicos, como sempre ficou. Agora, se decidirmos buscar um panorama diferente, como em qualquer projeto de inovação, precisamos de estratégia, método de aprendizado, entregas rápidas e, o mais importante de tudo, vontade política e pouca vaidade. A população brasileira agradece.

Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), pesquisador da área de Biotecnologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (PPGCA) também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.
 
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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