Nesta terça-feira, os ministros do STF demonstraram que estão dispostos a levar adiante o circo de perseguição a Sergio Moro – e, por extensão, à Lava Jato como um todo – mesmo que os processos sejam definitivamente anulados. Editorial da Gazeta - no alvo:
A
caixa de Pandora que o Supremo Tribunal Federal abriu há muito tempo e
que permite todo tipo de decisão para minar os resultados da Operação
Lava Jato teve mais um episódio nesta terça-feira, quando a Segunda
Turma julgou o que passou a ser uma inexistência. A anulação de todos os
processos contra o ex-presidente Lula na Justiça Federal em Curitiba,
decidida por Edson Fachin na segunda-feira, tinha, como apontamos neste
espaço, um efeito colateral evidente: também cessava qualquer debate
sobre a suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro, objeto de um habeas
corpus impetrado pela defesa de Lula dentro dos processos que foram
anulados por Fachin. Mesmo assim, o presidente da turma, Gilmar Mendes,
insistiu em levar adiante este julgamento, e para isso contou com o
apoio dos colegas Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Kassio Nunes
Marques.
Fachin
errou grosseiramente ao anular os processos contra Lula, mas tão
evidente quanto o fato de as denúncias e sentenças desses processos
desmentirem sua argumentação é o fato de que, concorde-se ou não com
essa decisão, uma vez anulados os processos, qualquer recurso impetrado
dentro deles também se torna nulo. Na prática, é como se não existisse –
no jargão jurídico, houve o que se chama “perda de objeto” –, e isso se
aplica perfeitamente ao habeas corpus que pretendia declarar Moro
suspeito ao julgar Lula. Isso de nada adiantou para Gilmar Mendes; o
ministro, notório adversário da Lava Jato, resolveu colocar na pauta
desta terça-feira da Segunda Turma a suspeição de Moro, após segurar o
caso por quase dois anos e meio graças a um pedido de vista.
Essa
“não existência”, no entanto, ainda é transitória, não permanente. O
próprio Fachin o reconheceu quando pediu o adiamento do julgamento da
suspeição. Isso porque a anulação dos processos ainda pode ser revertida
pela Segunda Turma ou pelo plenário do Supremo e, neste caso, também o
habeas corpus da suspeição de Moro voltaria à corte. Fachin solicitou,
então, que antes fosse definida a situação dos processos, e só depois,
caso eles fossem restaurados, que fosse discutida a suspeição. Assim, a
corte evitaria “a prolação de decisões contraditórias”, de acordo com o
ministro. De fato, o que estava em jogo era a chance de o STF afirmar
que Moro agiu de forma parcial em um processo inexistente, uma
impossibilidade lógica. Fachin pediu ao presidente da corte, Luiz Fux,
que convocasse o plenário para decidir sobre a continuação do
julgamento, mas Fux acabou não se mexendo, deixando a decisão para a
Segunda Turma. E, no colegiado, Fachin ficou sozinho na defesa do óbvio
ululante: mesmo Cármen Lúcia, que costuma votar com o relator da Lava
Jato, foi favorável à continuação do julgamento daquilo que, por
enquanto, é um habeas corpus não existente.
O
festival de bizarrices, no entanto, não terminou com a decisão de
seguir adiante com o julgamento de um habeas corpus nulo. Gilmar Mendes,
em um voto longo, se dedicou à destruição da reputação de Moro, no que
chamou de “maior escândalo judicial da nossa história”, e, apesar de
dizer que nem seria necessário usar as supostas mensagens atribuídas ao
ex-juiz e aos procuradores da Lava Jato, mencionou seu conteúdo, por
mais que ele jamais tenha sido autenticado, nem mesmo pelas perícias
realizadas pela Polícia Federal. Mendes também não poupou críticas à
condução coercitiva de Lula, em 2016, e vários outros atos de Moro
dentro dos processos (ora anulados, será preciso sempre lembrar) cuja
correção já foi amplamente demonstrada. E, aproveitando a oportunidade,
manifestou toda a sua aversão à Lava Jato atacando também os
procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal e o juiz
Marcelo Bretas, responsável pelos processos da operação no Rio de
Janeiro, ainda que a conduta deles não esteja sob escrutínio.
No
entanto, o protagonista do dia acabou sendo Nunes Marques, o escolhido
de Jair Bolsonaro para o STF. Ele até reconheceu a lógica evidente do
pedido de Fachin, mas usou de uma falácia para apoiar a posição de
Gilmar Mendes em favor da manutenção do julgamento, ao afirmar que, se a
suspeição de Moro não fosse julgada na terça-feira e os processos
contra Lula fossem restaurados, a Segunda Turma já não poderia retomar o
tema. Como isso seria possível, se Fachin pretendia o adiamento, e não o
encerramento imediato do julgamento sobre a suspeição? E Nunes Marques
sabia que estava defendendo a continuação de algo cujo desfecho ele
mesmo pretendia impedir, o que fez ao pedir vista. Sua decisão, aliás,
deveria ter encerrado os debates, mas Lewandowski também quis ler seu
voto contrário a Moro, também com o uso abundante de citações dos
supostos diálogos. Com isso, o placar ficou empatado, pois em 2018
Fachin e Cármen Lúcia já haviam votado, negando a tese de parcialidade;
enquanto o julgamento não for encerrado, no entanto, todos os votos
podem ser alterados.
Assim,
é grande a possibilidade de que a decisão sobre a anulação dos
processos seja referendada ou derrubada pela Segunda Turma ou pelo
plenário antes que se volte a discutir a suspeição de Moro, exatamente
como Fachin queria. Deveríamos ficar satisfeitos com isso? Nem de longe,
pois os ministros já demonstraram que estão dispostos a levar adiante
este circo de perseguição ao ex-juiz e ex-ministro – e, por extensão, à
Lava Jato como um todo – mesmo que os processos sejam definitivamente
anulados. Uma eventual decisão pela suspeição já seria uma enorme
injustiça em condições normais, dada a fragilidade de todas as alegações
da defesa de Lula; que se decida desta forma mesmo com os processos
anulados, sendo que a nulidade atingiria também o habeas corpus ora em
debate, apenas acrescentaria um enorme abuso e comprovaria que o chamado
lawfare atribuído a Moro vem, na verdade, da corte suprema.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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