São consideracões de um amador. Espero que não me mandem enfiá-las naquele lugar onde já há lata de leite condensado e, agora, máscaras, de forma de que não há espaço disponível. Fernando Gabeira para o jornal O Globo:
Ministros
pelejam no STF. As pessoas morrem. Lula volta à cena. As pessoas
morrem. Bolsonaro começa a usar máscara, e seu filho quer que as pessoas
enfiem a máscara no rabo. As pessoas morrem. Jornalistas discutem
animadamente a eleição do ano que vem. Recorde de mortos: 2.349.
Fui
convidado para, mais uma vez, debater a resposta nacional à pandemia.
Continuo tentando entender, embora seja para mim bastante clara a razão
principal do fracasso. Não posso chamá-la delicadamente de falta de
liderança. Isso implicaria omissão ou apenas incapacidade do presidente.
Mas ele é obtusamente negacionista. Não é um líder que falta, mas que
joga contra.
Já
avancei na minha análise, procurando entender por que as pessoas,
sobretudo as mais pobres, não seguem as medidas de segurança na
pandemia. Mencionei suas condições precárias de habitação e transporte e
o fato de que os políticos não se esforçam em criar condições que
amenizem a aspereza do cotidiano de sua gente.
Algumas
coisas ficam de fora dessa análise. Num bairro próspero do Rio, como o
Leblon, há muita gente que despreza ostensivamente as medidas de
segurança. E aí, como preencher essa lacuna?
Sou
apenas um intérprete amador. Felizmente, tenho comigo na quarentena a
bela edição da Nova Aguilar intitulada “Intérpretes do Brasil”. Eles
merecem mais do que três volumes comentados por grandes intelectuais.
Merecem um eterno reconhecimento por ter arrancado um sentido deste
caótico país nascido nos trópicos.
Mergulho
nos grandes textos quase toda noite. Mesmo assim, como o domador do
poema de Drummond, vivo roído por dúvidas. Sérgio Buarque de Holanda
fala de uma certa relutância à autoridade. Paulo Prado menciona, no seu
“Retrato do Brasil”, um triste conformismo.
Resolvi
trabalhar com as duas ideias aparentemente contraditórias. Talvez
exista uma resistência à autoridade quando se trata de usufruir a
liberdade pessoal e um grande conformismo quando se trata de decisões
tomadas lá em cima na esfera do governo.
Isso
me ajuda a ajustar num mesmo saco a recusa às medidas de segurança e a
incapacidade de se revoltar diante de uma política desastrosa, como
fizeram os paraguaios.
Também
não é uma explicação definitiva, pois ficariam fora dela as grandes
manifestações de 2013, que sacudiram a ideia do conformismo brasileiro.
Talvez
exista uma ampla compreensão do fracasso do governo, inibida pelo medo
de aglomerar. Somos o país onde mais se morre no momento, um brasileiro
para quatro vítimas letais do coronavírus no planeta.
Esta
reviravolta judicial que trouxe Lula de novo à cena da campanha
presidencial não me surpreendeu totalmente, exceto pelo timing. Esperava
algo um pouco mais distante, no início de 2022.
Nestas
noites de pandemia em que, às vezes, é preciso ler um pouco de Borges,
já destaquei uma frase dele: os argentinos são indivíduos, mas não
cidadãos.
Achei algo interessante para quase todo o mundo latino, mas comecei também a me perguntar se não somos a Argentina amanhã.
Refiro-me
também às grandes forças políticas com traços caudilhescos, como o
peronismo, que submergem em certos momentos, mas sempre retomam com
força ao coração da maioria.
Às
vezes achava que o processo brasileiro de retomada do petismo de Lula
seria um pouco mais lento, porque aqui foram mais profundas do que no
peronismo as marcas da corrupção.
Acontece
que, comparando os adversários Macri e Bolsonaro, certamente as
características grotescas do atual presidente do Brasil funcionaram como
um atalho para abreviar o tempo histórico.
Elas são tão decisivas que podem até mudar essa suposicão de que em 2022 o adversário de Lula seja mesmo Bolsonaro.
São
consideracões de um amador. Espero que não me mandem enfiá-las naquele
lugar onde já há lata de leite condensado e, agora, máscaras, de forma
de que não há espaço disponível.

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