Reforma
eleitoral em discussão na Câmara tem dois temas que afetam capacidade
de o eleitor definir seus representantes, acusa editorial do Estadão:
O
direito ao voto é elemento essencial de um Estado Democrático de
Direito. Esse direito fundamental pode ser ameaçado não apenas pela
suspensão de uma eleição, por exemplo. Há muitas maneiras de distorcer a
expressão da vontade popular nas urnas. Em concreto, a reforma
eleitoral em discussão na Câmara tem dois temas que afetam diretamente a
capacidade de o eleitor definir livremente quem serão seus
representantes.
Há
a tentativa de voltar a permitir as coligações partidárias nas eleições
proporcionais. Trata-se de um claro retrocesso, cujo objetivo é revogar
uma das medidas mais positivas ocorridas nos últimos anos na legislação
eleitoral.
Antes
de 2017, era permitido que os partidos estabelecessem coligações nas
eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador),
o que fazia com que o voto num determinado candidato pudesse eleger
outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão de uma
coligação entre as legendas. Nesse sistema, o eleitor não tem controle
sobre os efeitos do seu voto, o que traz problemas sérios em relação à
representação.
Perante
esse problema, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional (EC)
97/2017, proibindo as coligações partidárias nas eleições proporcionais,
com vigência a partir de 2020. Foi uma importante conquista que, até o
momento, só foi aplicada nas eleições municipais do ano passado. Não faz
nenhum sentido que, antes mesmo de começar a produzir seus efeitos nas
esferas federal e estadual, a proibição das coligações seja revista.
Vale
lembrar que se trata de matéria constitucional, aprovada em 2017 por
mais de três quintos das duas Casas Legislativas, em dois turnos. A
pretensão de revisar agora a proibição das coligações partidárias em
eleições proporcionais manifesta descaso com a Constituição, que deve
dispor de um mínimo de estabilidade e perenidade, bem como com o próprio
Legislativo, que há pouco se debruçou sobre o tema e proferiu uma
decisão.
O segundo tema capaz de piorar a qualidade da representação refere-se à criação do chamado “distritão”.
Ressalta-se
que, apesar do nome, essa medida nada tem a ver com o voto distrital,
vigente em muitos países. No sistema distrital, há uma divisão do
território em pequenas circunscrições eleitorais, nas quais há apenas um
candidato por partido, permitindo uma melhor avaliação das propostas
partidárias e, por consequência, um melhor acompanhamento do candidato
eleito ao longo do mandato. O voto distrital aproxima o candidato do
eleitor e, com isso, contribui para diminuir o custo das campanhas
eleitorais.
Já
no “distritão” não se trata de aproximar o eleitor dos candidatos, e
sim de assegurar domínio político sobre determinado (e grande)
território. A estratégia não é nada sutil. Trata-se de implantar o
sistema de eleição majoritária em grandes circunscrições, chamando cada
Estado de distrito.
Com
isso, a representação partidária é desvalorizada. O “distritão”
beneficia os candidatos conhecidos, notadamente aqueles que já têm
mandato. Nessa nova dinâmica, ganham as personalidades do mundo do
entretenimento e os oligarcas da política, cujos nomes são facilmente
reconhecidos pelos eleitores. Saem ganhando também grupos que detêm
poder territorial – milícias, igrejas e coronéis.
O
“distritão”, para muitos, é uma manobra para assegurar a reeleição – ou
melhor, a perpetuidade – de chefes partidários e seus prepostos. Além
de prejudicar a sempre necessária renovação do Legislativo, esse sistema
avilta a democracia representativa, uma vez que os eleitos não
representam nada senão eles mesmos, em total desacordo com o regime
representativo inscrito na Constituição, com participação fundamental
dos partidos.
A
reforma política deve aperfeiçoar o sistema, e não piorá-lo. Coligações
em eleições proporcionais e “distritão” diminuem a liberdade do
eleitor, seja distorcendo a vontade expressa nas urnas, seja impondo um
sistema que apenas consolida o poder de alguns. A liberdade política dá
direito a escolher, e não simplesmente a obedecer.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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