Para a desestatização avançar, será necessária uma cooperação raramente vista por parte do Poder Legislativo. Editorial da Gazeta do Povo:
Quando
o Estado resolve realizar determinada intervenção na economia,
revertê-la é algo quase impossível, exigindo um esforço descomunal.
Muitos teóricos da economia já se debruçaram sobre isso, e a prática
apenas comprova a dificuldade de desfazer intervencionismos. O caso das
estatais brasileiras ilustra muito bem essa situação. Como é possível
que um governo que chegou ao poder com credenciais reformistas e de
redução do tamanho do Estado não consiga realizar as privatizações
prometidas? “Estou bastante frustrado com o fato de a gente estar aqui
há dois anos e não ter conseguido vender nenhuma estatal. Até por isso
um secretário meu foi embora. Isso é lamentável”, afirmou Paulo Guedes
no último dia 10. Os entraves, para a frustração de Guedes, são muitos e
estão nos três poderes.
As
resistências começam no próprio Poder Executivo, já que qualquer
privatização depende do aval do ministério ao qual a empresa está
subordinada, e há ministros que, mesmo novatos no ramo da política,
levaram bem pouco tempo para se apegar às suas estatais. Era o caso de
Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, que por muito tempo
barrou qualquer tentativa de vender as seis estatais sob sua pasta,
incluindo Correios e Telebrás – a resistência, no entanto, foi vencida,
já que os Correios são a grande aposta do governo para 2021.
Mesmo
assim, esse racha é preocupante. Se o governo tem uma orientação geral
desestatizante, quedas de braço entre ministros por causa de
privatizações nem deveriam ocorrer, ou deveriam ser resolvidas
rapidamente por Bolsonaro. Mas até a convicção privatizante do
presidente já foi colocada em xeque pelo ex-secretário Salim Mattar: “Se
ele [Bolsonaro] quisesse, podia privatizar todas as empresas que não
precisam [do aval] do Congresso. Depende só dele, falta vontade”,
afirmou em entrevista ao também ex-secretário Marcos Cintra, em
setembro, referindo-se a subsidiárias de estatais.
A
menção ao Congresso lembra que, para a desestatização avançar, será
necessária uma cooperação raramente vista por parte do Poder
Legislativo. O projeto de privatização da Eletrobras, a principal aposta
do governo antes dos Correios, está emperrado no Congresso. Guedes
chegou a dizer que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não
deixa os projetos de privatização caminharem por ter feito um acordo com
a esquerda, ideologicamente avessa à desestatização. Maia, que se
reelegeu presidente da Câmara em 2019 com votos tanto do bolsonarismo
quanto de partidos de esquerda, nega qualquer acordo, mas até o momento é
a sua decisão individual de não ordenar o início da tramitação que está
travando a venda.
Com
ou sem acordo, arrancar de deputados e senadores um “sim” à
privatização é tarefa ingrata. Não apenas porque são numerosos os
estatistas, aqueles que veem na ação direta do Estado, por meio das
estatais, a solução para as mazelas econômicas; mas também porque há
partidos e parlamentares sempre interessados em fazer dessas empresas
seus feudos particulares, indicando apadrinhados para cargos importantes
em troca do apoio ao governo nas votações do Congresso. Os resultados
todos conhecemos: desde a pura e simples incompetência até a corrupção
escancarada, como a ocorrida na Petrobras quando o petismo entregou
diretorias importantes a partidos aliados.
O
obstáculo legislativo às privatizações ficou ainda maior em 2019,
graças a uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, que também
adotou o estatismo como filosofia ao decidir que toda privatização de
“empresa mãe”, não apenas aquelas expressamente mencionadas na
Constituição ou na legislação infraconstitucional, tem de ser aprovada
pelo Congresso. É uma regra que não existe na lei brasileira; ela exige
essa aprovação apenas para a criação de empresas, isso porque o
constituinte de 1988 já havia definido que a participação direta do
Estado na economia é uma exceção, e são as exceções que pedem a análise
do Legislativo, não as ações que buscam retornar à normalidade, em que a
iniciativa privada assume o protagonismo. O STF, mais uma vez,
atropelou a Constituição, assumiu o papel de legislador ao inventar
regras e dificultou ainda mais a vida da equipe econômica.
Pouco
depois do resultado desse julgamento, o governo julgou haver uma
possibilidade de obedecer à decisão do STF sem ter de enviar novos
projetos de lei sempre que desejar vender uma estatal. Bastaria incluir a
empresa, por decreto, na lei do Plano Nacional de Desestatização,
aprovada em 1997 pelo Congresso. No entanto, até o momento nenhuma
empresa chegou a ser vendida desta forma, e a possibilidade de nova
judicialização caso o governo tente privatizar alguma estatal nestes
moldes será grande.
Durante
a campanha eleitoral de 2018, no período de transição e no início do
governo havia expectativas exageradas sobre a rapidez e o alcance do
programa de desestatização. Mas o resultado atual chega a ser mais
frustrante que as projeções mais pessimistas feitas quando o ideário
liberal chegou ao poder com Bolsonaro e Guedes. É o Brasil que perde com
isso. Perde porque continua negando o saudável princípio da
subsidiariedade, impedindo que a iniciativa privada bem administre
estatais que, hoje, estão em situação precária. E perde também porque,
neste momento de explosão do gasto e da dívida pública causado pela
pandemia, os recursos das privatizações poderiam amenizar o abismo
fiscal em que o país está caindo. O gigante Estado-empresário brasileiro
já se revelou um atraso que o país não pode se dar ao luxo de manter.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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