São inúmeros os casos de governantes que ignoram completamente as regras que eles mesmos impõem aos seus próprios cidadãos. Neil Patel, em artigo publicado pelo Daily Caller e traduzido para a Gazeta:
Uma
das cenas mais marcantes da série de livros e filmes Jogos Vorazes
mostra crianças pobres de outros distritos viajando de trem para a
estonteante capital. Elas veem um cenário que passa longe de seus
extremamente-regulados lares. É ficção, claro, mas não é muito distante
do que estamos vendo nos Estados Unidos em 2020.
São
inúmeros os casos de governantes que ignoram completamente as regras
que eles mesmos impõem aos seus próprios cidadãos. Nunca esteve mais
claro que estamos entrando em uma espécie de sociedade de castas, com
leis e regulações que dependem da sua posição atual: políticos e
executivos de alto escalão podem voar em seus jatinhos privativos,
reservar jantares particulares e continuar com suas vidas, enquanto o
americano comum se depara com lockdowns e decretos cada vez mais
restritivos.
O
French Laundry foi considerado por muitos anos o melhor restaurante dos
Estados Unidos. Um jantar tem valor inicial de US$ 300, podendo chegar a
US$ 1 mil por pessoa, dependendo das bebidas consumidas. Foi lá que,
depois de anunciar um lockdown (mesmo com todos ônus que isso traz a
milhares de negócios) em seu estado e pedir aos californianos que
limitassem o número de parentes em suas refeições no Dia de Ação de
Graças, o governador Gavin Newson foi a uma festa privativa, acompanhado
de vários de seus amigos lobistas. Ninguém usou máscaras ou respeitou
as medidas de isolamento.
Justiça
seja feita, ele pediu desculpas imediatamente após o fato vir à tona,
chamando o encontro de “um terrível erro”. Ele também insistiu que o
jantar foi realizado na área externa, sendo, portanto, uma “violação
menor”. Posteriormente, fotos e relatos de presentes deixaram claro que o
jantar foi, de fato, na área interna e que a enorme porta de correr que
Newsom utilizou para sustentar seu argumento de “área externa” ficou
fechada por boa parte da festa, com os presentes lá dentro. Confrontado
com essas novas contradições, o representante de Newsom de repente
deixou a transparência de lado. Ele ainda se recusa a dar respostas.
Newsom
não é o único representante a esfregar a hipocrisia na cara dos
cidadãos. A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, foi
vista em um salão de beleza em sua cidade natal de São Francisco em um
período no qual as leis locais impediam a abertura de salões. E não se
trata de uma questão partidária. Cerca de 20 legisladores de diversos
estados, muitos deles republicanos, fizeram viagem recente a um resort
de luxo no Havaí, mesmo com muitos estados proibindo que seus habitantes
realizem esse tipo de atividade. Para participar da comemoração da
vitória de Joe Biden, a prefeita de Washington violou a própria
quarentena e viajou a Delaware. Quando questionada, ela disse que a
viagem partidária estava permitida por ser uma “viagem essencial”.
O
problema não é que o comportamento desses políticos seja ultrajante. A
maioria desses acontecimentos é extremamente corriqueiro. Pelosi
provavelmente precisava cortar seu cabelo. Mas nós também precisamos. A
realidade é que é difícil permanecer confinado por muito tempo. As
pessoas conseguem fazê-lo por algumas semanas, mas quando o isolamento
se alonga por meses ou até mesmo anos, ele simplesmente não vai
funcionar. O próprio comportamento hipócrita dos políticos evidencia que
eles estão pedindo muito para os americanos.
Mas
suas políticas e decisões não refletem essa simples realidade. Um
caminho melhor seria o de transparência por parte dos políticos: o que
eles estão fazendo e o que sabem ou não sabem sobre a doença. Não é
fácil esquecer que o primeiro pronunciamento público das autoridades de
saúde sobre o coronavírus foi uma mentira: Anthony Fauci, e muitos
outros oficiais, disseram que não era necessário usar máscaras e que
elas poderiam até mesmo ser nocivas. Eles nunca acreditaram nisso, e só o
disseram para preservar máscaras para equipes médicas, que precisam
delas mais que o cidadão comum. É uma justificativa razoável, mas o fato
de que nossos líderes pensaram ser uma boa ideia começar a resposta à
pandemia com uma grande mentira diz muito sobre a postura deles.
Já
atravessei os EUA de carro duas vezes durante a pandemia. A presunção
de que ninguém usará máscara, a menos que seja obrigatório, é
simplesmente falsa. Já vi uso disseminado de máscaras em estados
republicanos onde isso não é obrigatório. Na verdade, apesar do uso de
máscaras ter começado “em baixa”, provavelmente, em parte, por conta das
mentiras do governo sobre elas, estudos recentes mostram que o uso
subiu para 80% no meio do ano, e tem se mantido nessa proporção desde
então. Isso indica que muitas pessoas usam máscaras não por conta de
decretos, mas por acreditarem ser uma boa ideia. Quem poderia imaginar?
Agora imagine se o governo tivesse se dedicado a explicar por que
máscaras podem ajudar (muitas pessoas ainda não entendem isso).
Se
nosso país não sair dessa espiral em que ninguém acredita em nada e no
qual as discordâncias políticas se transformaram em ódio e até mesmo
violência, a máscara pode entrar para a história como o maior símbolo da
nossa falha.
Em
um extremo, pessoas acreditam que máscaras envolvem uma questão de
liberdade e que ninguém pode obrigá-las a usá-las – mesmo sendo uma
doença que se espalha por meio da comunicação verbal, e máscaras
comprovadamente ajudem a conter a disseminação.
No
outro extremo, temos lunáticos dirigindo por aí, mascarados e sozinhos
em seus carros, querendo gritar com quem quer que não esteja seguindo
seus poderosos protocolos.
O
previsível resultado dessa postura, hipocrisia e loucura é que ninguém
acredita em mais nada. As pessoas veem que o presidente Trump não usa
máscara e que o ex-vice presidente Joe Biden usa máscara em todos os
lugares, mesmo quando é completamente desnecessário, e eles entendem a
mensagem: é uma postura política. Se você quisesse desenhar um sistema
para convencer as pessoas de que nada importa de verdade e que ninguém
está lhes dizendo a verdade, você dificilmente conseguiria pensar em
algo melhor do que o que temos visto nos últimos meses. Tudo isso é,
infelizmente, mais um sinal de uma sociedade que está, fundamentalmente,
quebrada.
*
Neil Patel é cofundador do The Daily Caller e da Fundação The Daily
Caller, que treina jornalistas, faz checagem de dados e reportagens
investigativas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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