Nilson Lage
Ao criar uma base extensiva e universal de investidores em mercados que se movimentam conforme expectativas e convicções, o capitalismo propiciou a geração de lucros que eventualmente superam os da economia real; o fato de serem eles virtuais passa despercebido porque a moeda é a mesma nos dois casos, e se entesoura.
Em decorrência, há o descolamento entre os negócios que se fazem visando valores abstratos do dinheiro (as bolsas) e o universo produtivo que processa bens e serviços.
SEM LUTA DE CLASSES – O neoliberalismo permitiu assim ao capital libertar-se da armadilha da luta de classes, tornada explícita na sociedade industrial.
A superação do conflito típico da relação patrão-empregado se dá por via da radicalização do conceito de liberdade individual e consequente alienação. A sensação a ele associada, de libertação, é poderosa, mas provisória. Prolongada e levada a extremo, torna o trabalhador sujeito ou agente da própria sujeição, isto é, explorador de si mesmo, para quem a única revolta possível é subjetiva.
Provavelmente por isso, as vítimas desse processo tornam-se tão sensíveis à proposta de um deus que negocia benesses, residindo em um não-espaço interior-celestial.
EXEMPLO EM CASA – O rapaz – nem tão moço, já um senhor – entra em minha casa às dez da noite, acompanhado de um aprendiz. Retira da mala do carro instrumentos – tubos, compressor, balão de gás – de que precisará para reparar o aparelho de ar condicionado. Se tiver que vender qualquer dessas coisas, o automóvel inclusive, receberá bem menos do que pagou por elas.
Trabalha, hoje e todos os dias, desde a madrugada e me mostra a foto dos filhos, que pouco vê. Dentro de uns vinte anos, persistindo, terá, talvez, uma casa e a renda, duvidosa e sempre minguante, de algum fundo de investimento ou de aposentadoria por capitalização – não, provavelmente, o bastante para confrontar os custos da velhice.
Contudo, não sabe que, em sua plena liberdade, é servo do capital que transita como essência em cada coisa e movimento de sua vida.
UMA PRISÃO ABERTA – A extrema liberdade é prisão terrível, porque sem portões. Para suportá-la, é necessário suprimir da consciência a história de cada trabalhador e seu entorno, dando por natural, hereditário, o que os condicionamentos da vida determinaram e se sustenta no plano das relações objetivas.
Os grandes sistemas de falácias genéticas – a eugenia, a herança de talentos – integram o discurso neoliberal porque servem a esse fim.
Um visitante, recém-restabelecido da infecção por vírus, pergunta-me como consigo estar relativamente bem após seis meses de reclusão neste meu quarto, cuidado pela companheira porque nos amamos há 50 anos: ele, em 14 dias de isolamento, desesperava-se.
NÃO SOU LIVRE – Disse-lhe, então, que meu segredo era não ser livre. Se fosse, estaria deprimido, por não ter benefícios a auferir ou objetivos a alcançar em vida; faltaria a mim motivação.
Como sou prisioneiro do passado e de uma concepção de mundo, guardo metas da família e entorno cosmopolita e solidário de trabalhadores e faço minhas reivindicações de gente como o moço do ar-condicionado – embora ele não saiba disso; persigo objetivos que pessoalmente não atingirei.
Não sou livre, enfim, porque faço parte.
Na verdade, somos produtos de uma história inscrita sobre a lousa de vagas determinações biológicas; jamais de comprovou a herança de comportamentos, atitudes ou valores.
FANTASIA TÓXICA – Se os adultos não achassem tão interessante aquele menino de quatro anos que lia os cartazes pregados nos muros do estádio de futebol em frente de casa, eu não teria perseverado e seria, talvez outra pessoa – por exemplo, caso chamasse a atenção pela habilidade em fazer embaixadas com a bola de meia ou imitar os trejeitos de Oscarito ou de Carmem Miranda em filmes de Hollywood.
Em todos os momentos, e agora mesmo, cada um de nós pode dar respostas a desafios, mas não os formula. Somos o que espelharam, disseram que éramos, e acreditamos; em regra, reativos.
O oba-oba da liberdade como projeto neoliberal é uma fantasia tóxica que se exaspera em colapsos civilizatórios – ou surtos coletivos de falta de educação – como o que nos assalta no momento.
(Artigo enviado por Carlos Alverga)
Ao criar uma base extensiva e universal de investidores em mercados que se movimentam conforme expectativas e convicções, o capitalismo propiciou a geração de lucros que eventualmente superam os da economia real; o fato de serem eles virtuais passa despercebido porque a moeda é a mesma nos dois casos, e se entesoura.
Em decorrência, há o descolamento entre os negócios que se fazem visando valores abstratos do dinheiro (as bolsas) e o universo produtivo que processa bens e serviços.
SEM LUTA DE CLASSES – O neoliberalismo permitiu assim ao capital libertar-se da armadilha da luta de classes, tornada explícita na sociedade industrial.
A superação do conflito típico da relação patrão-empregado se dá por via da radicalização do conceito de liberdade individual e consequente alienação. A sensação a ele associada, de libertação, é poderosa, mas provisória. Prolongada e levada a extremo, torna o trabalhador sujeito ou agente da própria sujeição, isto é, explorador de si mesmo, para quem a única revolta possível é subjetiva.
Provavelmente por isso, as vítimas desse processo tornam-se tão sensíveis à proposta de um deus que negocia benesses, residindo em um não-espaço interior-celestial.
EXEMPLO EM CASA – O rapaz – nem tão moço, já um senhor – entra em minha casa às dez da noite, acompanhado de um aprendiz. Retira da mala do carro instrumentos – tubos, compressor, balão de gás – de que precisará para reparar o aparelho de ar condicionado. Se tiver que vender qualquer dessas coisas, o automóvel inclusive, receberá bem menos do que pagou por elas.
Trabalha, hoje e todos os dias, desde a madrugada e me mostra a foto dos filhos, que pouco vê. Dentro de uns vinte anos, persistindo, terá, talvez, uma casa e a renda, duvidosa e sempre minguante, de algum fundo de investimento ou de aposentadoria por capitalização – não, provavelmente, o bastante para confrontar os custos da velhice.
Contudo, não sabe que, em sua plena liberdade, é servo do capital que transita como essência em cada coisa e movimento de sua vida.
UMA PRISÃO ABERTA – A extrema liberdade é prisão terrível, porque sem portões. Para suportá-la, é necessário suprimir da consciência a história de cada trabalhador e seu entorno, dando por natural, hereditário, o que os condicionamentos da vida determinaram e se sustenta no plano das relações objetivas.
Os grandes sistemas de falácias genéticas – a eugenia, a herança de talentos – integram o discurso neoliberal porque servem a esse fim.
Um visitante, recém-restabelecido da infecção por vírus, pergunta-me como consigo estar relativamente bem após seis meses de reclusão neste meu quarto, cuidado pela companheira porque nos amamos há 50 anos: ele, em 14 dias de isolamento, desesperava-se.
NÃO SOU LIVRE – Disse-lhe, então, que meu segredo era não ser livre. Se fosse, estaria deprimido, por não ter benefícios a auferir ou objetivos a alcançar em vida; faltaria a mim motivação.
Como sou prisioneiro do passado e de uma concepção de mundo, guardo metas da família e entorno cosmopolita e solidário de trabalhadores e faço minhas reivindicações de gente como o moço do ar-condicionado – embora ele não saiba disso; persigo objetivos que pessoalmente não atingirei.
Não sou livre, enfim, porque faço parte.
Na verdade, somos produtos de uma história inscrita sobre a lousa de vagas determinações biológicas; jamais de comprovou a herança de comportamentos, atitudes ou valores.
FANTASIA TÓXICA – Se os adultos não achassem tão interessante aquele menino de quatro anos que lia os cartazes pregados nos muros do estádio de futebol em frente de casa, eu não teria perseverado e seria, talvez outra pessoa – por exemplo, caso chamasse a atenção pela habilidade em fazer embaixadas com a bola de meia ou imitar os trejeitos de Oscarito ou de Carmem Miranda em filmes de Hollywood.
Em todos os momentos, e agora mesmo, cada um de nós pode dar respostas a desafios, mas não os formula. Somos o que espelharam, disseram que éramos, e acreditamos; em regra, reativos.
O oba-oba da liberdade como projeto neoliberal é uma fantasia tóxica que se exaspera em colapsos civilizatórios – ou surtos coletivos de falta de educação – como o que nos assalta no momento.
(Artigo enviado por Carlos Alverga)
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