É realmente uma maravilha o fato de o trabalho estar submetido às leis
objetivas e impessoais do mercado: uma distribuição da renda salarial
que fosse baseada em outros critérios diferentes dos do mercado seria
inevitavelmente arbitrária, subjetiva e sujeita aos caprichos de um
ditador econômico. Artigo de Jesús Huerta de Soto, publicado pelo Mises Brasil:
É bastante comum ouvir a afirmação, feita majoritariamente por
políticos e intelectuais, de que o "trabalho não é uma mercadoria". Não
sendo uma mercadoria, o preço do trabalho (o salário) não pode ficar ao
sabor das flutuações do mercado.
Consequentemente, para garantir um "valor justo" para a mão-de-obra é
imprescindível: a) estipular por lei um valor mínimo para o salário; b)
proibir reduções salariais
durante recessões econômicas; c) fomentar a atividade sindical, pois
apenas os sindicatos poderiam proteger os trabalhadores e impor um valor
salarial justo para a mão-de-obra.
Poucos se atrevem a questionar essa "verdade", a qual parece ser tão
evidente que está praticamente arraigada em nossos profundos sentimentos
humanos.
Ademais, a própria história da civilização é a luta do homem contra
essa tão odiosa instituição que foi a escravidão, na qual vários seres
humanos eram comprados, utilizados e vendidos como se fossem animais.
Esse nosso lamentável histórico ajuda ainda mais a propagar a ideia de
que o trabalho humano não pode ser tratado como uma mercadoria.
Mas é uma mercadoria
No entanto, apesar das considerações anteriores, a realidade é que os
serviços efetuados pelo trabalho humano (e não nos referimos à pessoa
humana em si mesma, a qual é indiscutivelmente inalienável) estão
submetidos às mesmas leis econômicas que valem para todas as outras
mercadorias e fatores de produção.
E as leis econômicas afetam de forma inexorável a todos os agentes
que intervêm no mercado, independentemente de qual seja o sentimento
popular em relação às mesmas.
Em concreto, são duas as leis econômicas mais importantes
relacionadas ao fator trabalho: a lei "da oferta e da demanda", e a lei
que diz que "o salário será determinado pelo valor presente da esperada
produtividade marginal futura do trabalho".
1ª Lei: Oferta e demanda
A primeira lei é básica, lógica e perfeitamente compreensível para qualquer leigo inteligente.
Ela afirma que um aumento da demanda por determinados serviços
efetuados pelo trabalho humano tende a aumentar o preço destes serviços —
isto é, os salários.
Quanto mais demandada for uma mão-de-obra, maior o preço (salário) que os patrões estarão dispostos a pagar por ela.
Igualmente, um aumento da oferta desta mão-de-obra — isto é, um
aumento da quantidade de pessoas dispostas a trabalhar no mesmo setor —
gerará o efeito oposto: fará reduzir seu preço.
2ª Lei: Paga-se hoje pela produção daquilo que só será vendido no futuro
A segunda lei é de grande transcendência. Ela diz que o trabalhador
recebe hoje o valor integral daquilo que ele produz e que só será
vendido no futuro. Consequentemente, há um inevitável desconto no valor,
pois o valor futuro de algo é trazido ao seu valor presente.
Sempre que o valor futuro de algo é trazido ao seu valor presente, o valor presente é menor. São os juros intertemporais.
Logo, o valor do salário é calculado no momento em que ele produz o
trabalho e não quando todo o processo de produção é completado.
Isso é muito importante quando se considera que os processos
produtivos modernos duram um período de tempo muito prolongado. A
experiência prática mostra que são muito poucos os trabalhadores que
estão dispostos a esperar todo esse tempo para receber o valor integral
do produto final elaborado com seu trabalho, o qual só depois de muito
tempo estará pronto para ser vendido no mercado.
Os trabalhadores que os empreendedores e capitalistas empregam hoje
não precisam esperar até que os bens sejam produzidos e realmente
vendidos para receberem seus salários. Os capitalistas e empreendedores
adiantam um bem presente (salário) aos trabalhadores em troca de receber
— somente quando o processo de produção estiver finalizado — um bem
futuro (o retorno do investimento). Existe necessariamente uma diferença
de valor entre o bem presente do qual os capitalistas e empreendedores
abrem mão (seu capital investido na forma de salários e maquinário) e o
bem futuro que eles receberão (se é que receberão).
(Com efeito, esta lei evidenciou, há mais de um século, quão absurda é a teoria marxista da exploração:
pagar ao trabalhador "hoje" o valor integral daquilo que só estará
completado em um distante "amanhã" significa pagar a este trabalhador um
valor substantivamente maior do que ele próprio produziu hoje).
Esta segunda lei é de fácil demonstração prática: se aos
trabalhadores fosse paga uma quantidade inferior ao valor presente
descontado de sua produtividade marginal esperada, os lucros do
empresário aumentariam caso ele contratasse mais trabalhadores. Só que
contratar mais trabalhadores significa aumentar a demanda por
mão-de-obra, o que gera uma tendência de elevação dos salários.
O contrário acontece no caso em que o salário é maior que a
produtividade: o empresário terá menos lucros e, consequentemente, irá
demitir ou deixar de contratar trabalhadores até que a produtividade
aumente ou os salários diminuam. (Porém, se houver leis trabalhistas
rígidas que proíbam reduções salariais ou encareçam demissões, este
reajuste será forçosamente feito pelo mercado, e o desemprego passará a
ser alto e perdurará indefinidamente).
Como aumentar os salários
Destas duas leis anteriores é possível deduzir que existe um
fenômeno, e somente um fenômeno, capaz de aumentar os salários de todos
os diferentes tipos de trabalho e, por conseguinte, o padrão de vida das
pessoas: a acumulação de capital.
Quanto maior a quantidade de bens de capital utilizados por um trabalhador, maior será sua produtividade.
Se, por exemplo, um operário norte-americano ganha quatro vezes mais
que o espanhol ou cem vezes mais que o indiano, isso não se deve ao fato
de ele ser mais trabalhador ou mesmo mais capacitado. A explicação é
muito mais simples: o norte-americano utiliza quatro ou cem vezes mais
capital investido pelo mercado (máquinas, ferramentas, instalações
industriais, meios de transporte etc.) que seu colega espanhol ou
indiano, respectivamente.
O capital investido é o que aumenta a produtividade, os salários e,
consequentemente, o padrão de vida de uma sociedade. A acumulação de
capital, ao tornar o trabalho humano mais eficiente e produtivo, é o que
permite aumentos salariais para todos. Trabalhar menos e produzir mais é
o resultado direto da acumulação e do uso do capital.
Consequentemente, aqueles sistemas econômicos que mais favorecem a
poupança (é a poupança o que permite os investimentos que criam bens de
capital) e a acumulação de capital são os mais benéficos para as massas.
Acima de tudo, são os mais cruciais a serem colocados em prática nos
países mais subdesenvolvidos.
Consequências de se ignorar as leis econômicas
Assim como a lei da gravidade continua plenamente em vigor ainda que
você a considere "inaceitável" pelo fato de matar pessoas que caem de
cabeça no chão, o mesmo ocorre com as leis da economia. Não há demagogia
política ou sindical capaz de revogá-las.
Leis estipulando um salário mínimo, leis que proíbem reduções salariais e encargos sociais e trabalhistas
que encarecem o custo final da mão-de-obra podem até servir para
tranquilizar os espíritos socialmente mais "sensíveis", mas ainda assim
condenarão ao desemprego e ao desespero todos aqueles trabalhadores que,
por produzirem um valor inferior ao custo total de sua mão-de-obra
estipulado pelo governo, não conseguirão emprego.
Se o mercado de trabalho é engessado por regulações trabalhistas e
tributos sobre a folha de pagamento — os quais encarecem sobremaneira o
preço do trabalho legal —, o governo está simplesmente fazendo com que
empreender e gerar empregos legalmente seja proibitivo em termos de
custos. Consequentemente, a mão-de-obra de qualidade mais baixa terá
dificuldades para encontrar empregos formais, pois não é produtiva ao
ponto de gerar mais receitas do que custos para seus empregadores. Seu
poder de barganha será nulo, não haverá disputa por sua mão-de-obra e
seus salários serão permanentemente baixos.
Quanto mais regulada e burocratizada a economia, e quanto maiores os
encargos tributários sobre a folha de pagamento, menores as
disponibilidades de emprego, menor o poder de barganha dos
trabalhadores, menores os salários, maior a insatisfação, e maiores as
chances de abuso.
Efeito semelhante sobre o desemprego tem as políticas sindicais que impõem aumentos de saláriospor
meios coercitivos (como greves). O resultado sempre é o mesmo: alguns
poucos trabalhadores, aqueles que conseguiram manter seus postos de
trabalho, saem favorecidos à custa de todos aqueles outros que acabam
sendo empurrados para a informalidade ou que ficam no desemprego.
A falta de solidariedade entre os próprios trabalhadores não poderia
ser mais patente do que neste caso: aqueles trabalhadores privilegiados
conservam seus postos de trabalho sob condições que não ocorreriam em um
livre mercado, e à custa de todos os outros milhões de desempregados
que gostariam de trabalhar mas que não conseguem empregos porque
sindicatos e leis trabalhistas estipularam um custo mínimo extremamente alto.
Também chama a atenção o fato de que muitos governos são obstinados
em dilapidar o capital existente no país por meio de impostos
confiscatórios (tanto da renda quanto do patrimônio), os quais são
impingidos com o intuito de "redistribuir renda", mas que logram apenas
empobrecer as massas, pois, ao reduzirem a acumulação de capital
disponível por trabalhador, causam uma redução generalizada dos salários
reais. Impossível aumentar salários ou mesmo pagar bons salários se os impostos confiscam os lucros e impedem empresas de aumentar seus bens de capital.
O lado bom de tudo
Por fim, é crucial ressaltar que é realmente uma maravilha o fato de o
trabalho estar submetido às leis objetivas e impessoais do mercado: uma
distribuição da renda salarial que fosse baseada em outros critérios
diferentes dos do mercado seria inevitavelmente arbitrária, subjetiva e
sujeita aos caprichos de um ditador econômico.
Consequentemente, é fácil constatar que não há melhor defesa para os
direitos das minorais marginalizadas por sua religião, raça, opção
sexual etc. que a possibilidade de poderem vender livremente no mercado
produtos altamente úteis aos consumidores — os quais, por necessitarem
deles, não se importam com a religião, raça ou opção sexual de quem
participou de sua eficiente produção.
Por tudo isso, da próxima vez que o leitor escutar a informação de
que "o trabalho não é uma mercadoria", lembre-se de que é inútil e
prejudicial para as próprias massas trabalhadoras ignorar e lutar contra
as leis da economia. E que, no dia em que o trabalho deixar de ser uma
mercadoria do ponto de vista econômica, cada trabalhador terá perdido
sua liberdade e estará sujeito às decisões puramente subjetivas e
arbitrárias do ditador econômico do momento (tenha sido ele
democraticamente eleito ou não).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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