MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

A segurança pública é dever do Estado; armar os cidadãos não resolverá o problema


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Charge do Amarildo (amarildo.com)
Jorge Béja
É possível que o provérbio latino “Si vis pacem, para bellum” (Se queres a paz, prepare-se para a guerra), do Século IV ou V, de autor anônimo, tenha sido eficaz ao tempo em que foi criado, de muitas guerras e combates, embora o feito de Joana D’Arc demostre o contrário. Com dezenove anos de idade, sem formação militar, a “donzela de Orléans”, como era chamada, reuniu e comandou uma pequena e improvisada tropa do mal armado exército francês e expulsou os ingleses que há mais de cem anos ocupavam toda a França. O provérbio também serviu de mote para o fabricante de armas Deutsche Waffen und Munitionfabriken (DWM) no lançamento da pistola “Parabellum”.
Ainda sobre o referido provérbio (“Se vis pacem, para bellum”) o respeitabilissimo jurista Bismael B. Moraes (advogado, mestre em Direito Processual pela USP e autor do livro “Estado e Segurança diante do Direito”), soltou a seguinte exclamação: “Meu Deus! Com que lógica, racionalmente aceitável, alguém que aspire a saúde deve se preparar para a doença? Como se pode conceber, de forma ponderada, que alguém, desejando o bem, tenha que se armar para o mal?”
BELIGERÂNCIA – O Brasil se tornou, internamente, um estado beligerante, tamanha e incontida é a violência urbana em todos os quatro cantos do país. Diz a estatística que em 2018 foram mais de 62 mil homicídios. É guerra fratricida, E agora surge este decreto que “flexibiliza” a posse de arma de fogo para o “cidadão de bem”, como se refere o senhor presidente da República.
E na ausência da indicação de qual (ou quais) armas de fogo podem ser compradas e possuídas pelo “cidadão de bem”, entende-se que todas podem ser objeto da compra e posse, na residência ou local de trabalho do seu proprietário: pode-se ter desde uma velha garrucha de um tiro só a um fuzil, a uma metralhadora, ou qualquer outra arma de fogo mais moderna, poderosa e de destruição em massa e que se encontra à venda.
No noticiário desta terça-feira da Rede TV, apresentado por Bóris Casoy e Amanda Kelin, foi entrevistado um antigo lojista de Brasília que vende, regualaramente, todo tipo de arma de fogo na capital federal. Disse ele que, só nesta terça-feira, recebeu 35 ligações de pessoas interessadas. Que a arma menos cara custa 3.500 reais e as mais caras podem chegar a 100 mil reais. Ou mais.
ABRIU A PORTEIRA – Não é um decreto que corresponde ao estatuto que pretendeu regulamentar. O estatuto é “Do Desarmamento”. Não, “Do Armamento”. Mas o senhor presidente da República, apenas com o nítido propósito de cumprir promessa de campanha, fez uns remendos no anterior decreto 5123 de 2004 e abriu a porteira para armar o povo, ou melhor, “o cidadão de bem”. O pretexto é “flexibilizar” a autorização estatal para a posse (e antes disso, obviamente, a compra) de arma de fogo, sem ficar submetida à “discricionariedade” do delegado de polícia.
“O cidadão tinha 6 armas mas na prática não tinha nenhuma tudo por causa da discricionariedade”, disse o Bolsonaro a título de censura ao poder discricionário que a autoridade judiciária detinha par autorizar ou não a posse.
Agora a posse está liberada. Quatro armas de fogo (ou até mais) para cada “cidadão de bem”. Então, numa residência com quatro membros de uma só família, todos adultos (pai, mãe e dois filhos), o Poder Público autoriza a posse de até 16 armas de fogo!. Basta cada um comprar e requerer a autorização estatal para a posse.
SEM NEGATIVA – E, examinando o decreto, linha por linha, a autorização nunca poderá ser negada, uma vez que o requisito “necessidade da posse” passou a ficar resumido numa declaração do próprio requerente, com força de veracidade presumida. Então, basta alegar, como justificativa, que reside no Brasil, uma vez que a violência urbana e rural está em toda a parte. Trata-se de motivação pública e notória, que independe de comprovação e que não pode ser refutada pela autoridade policial. Moro no Brasil e ponto final. Não precisa acrescentar nada mais.
Não, não é desse jeito que se vai combater e diminuir a violência. Já se deu um grande passo ao se transformar o fabrico, comércio, detenção e porte de armas e munição de fogo, sem autorização estatal, de contravenção penal, como era (artigos 18 e 19 da Lei das Contravenções Penais), para tipos penais. Ou seja, para crimes. Mas facilitar que a população (o “cidadão de bem”) se arme também para enfrentar a criminalidade é aceitar que “alguém que aspire a saúde se prepare para a doença”.
DEVER DO ESTADO – Nem precisava estar escrito na Constituição que a segurança pública é dever indeclinável do Estado. E transferir esse dever para o próprio cidadão, armando-o a pretexto do exercício da “legítima defesa”, não encontra amparo na razão, na ponderabilidade, nem nos mais remotos e rudimentares princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito e do pacífico convívio social.
Nesta terça-feira, ao assinar o decreto, o senhor presidente da República mostrou uma caneta esferográfica Bic e disse que “esta é a minha arma”. Ele não foi feliz no gesto e no que disse. Afinal, com uma inofensiva caneta, ele estava autorizando que todo o povo brasileiro se armasse também. Não com as “bics” e sim com as melhores e mais caras armas de fogo que pudesse comprar, visto que todo cidadão é pessoa de bem, até prova em contrário. E esta prova contrária só se obtém após sentença penal transitada em julgado, como está na Constituição.

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