O líder britânico inspira um modelo de habilidades, filosofia prática e vigilância de valores. "Churchill
nos interessa hoje, ademais de suas muitas lições como homem e líder,
porque a ideia de Ocidente permanece em risco". Texto de Marcos Troyjo,
via Augusto Nunes:
Em sua excelente
biografia sobre Napoleão lançada há quatro anos, o historiador inglês
Andrew Roberts traz um dado que ilustra a imensa curiosidade despertada
ao longo das décadas pelo gênio militar que se coroou imperador.
Somam-se mais livros escritos sobre Napoleão do que dias desde sua morte
em 1821. Em conta aproximada, isso dá quase 72 mil livros.
Se nos atermos apenas
aos séculos 20 e 21, Napoleão tem um concorrente: Winston Churchill. E
nos últimos dois anos, em livrarias ou cinemas, universidades ou
teatros, emergiu uma neochurchillmania.
Vale notar que neste
recente foco no legendário político britânico não há nenhuma efeméride
digna de nota. Não se trata de aniversário de nascimento ou morte,
tampouco de sua assunção como primeiro-ministro ou de outro grande
acontecimento histórico em que Churchill tenha atuado.
Apenas para ficar em
alguns poucos exemplos, no cinema temos recentemente o Churchill
interpretado por Gary Oldman (que levou o Oscar de melhor ator), e o
dilema de resistir ou negociar com o Terceiro Reich. Vimos também Brian
Cox incorporar Churchill na atribulada fase de preparativos à invasão da
Normandia, o Dia “D”.
Um punhado de peças
em torno de Churchill percorre há algum tempo o Reino Unido e EUA. E, em
meio às incessantes publicações no mundo de língua inglesa, temos o
valioso lançamento pela LVM Editora de “Churchill e a Ciência por Trás
dos Discursos: Como Palavras Se Transformam em Armas”, do professor
brasileiro Ricardo Sondermann.
A obra oferece
contexto histórico e exame das técnicas retóricas aplicadas por
Churchill em doze discursos. Afinal, ele “mobilizou a língua inglesa e a
mandou para o campo de batalha”. Sondermann convida, também, à reflexão
sobre como ideias e práticas de Churchill podem aprimorar o debate
político no Brasil contemporâneo.
Alguns argumentam que
o renovado interesse por Churchill se dá pela estiagem global de
grandes líderes. É possível. Dificilmente, no entanto, a total dimensão
da liderança se dá no tempo presente. É na distância que favorece a
perspectiva onde se aferem balanços mais definitivos. A história nos
dirá se Obama, Xi ou Macron merecerão uma tal estatura.
Outros dirão que a
bússola de Churchill faz falta ao Reino Unido pós-“brexit”. Verdade, mas
essa saudade de Churchill é mais do que fenômeno estritamente
britânico.
Numa superficial
síntese, entendo que estamos ─ ou deveríamos estar ─ mais interessados
que nunca por Churchill pois ele nos inspira a (I) um modelo de
habilidades, (II) uma filosofia prática e (III) uma vigilância de
valores. Esse caráter tripartite da vida e legado de Churchill é de
imensa aplicabilidade no mundo atual.
Por “modelo de
habilidades”, devemos entender o quanto Churchill atuou em diferentes
campos do engenho humano. Ao contrário dos “especialistas”, aborrecidos
seres “unidimensionais” e “monotemáticos” de que o mundo tanto está
repleto hoje, Churchill era um polímata.
Foi militar e
correspondente de guerra. Redigiu mais páginas que a maioria dos
escritores. Ganhou o Nobel de Literatura. Pintou mais quadros que a
maioria dos pintores. Foi membro do Parlamento e Lorde do Almirantado.
Sua capacidade de estabelecer conexões entre essas diferentes atividades
faz dele um protótipo ideal do “nexialista”, o perfil profissional tão
buscado hoje nas corporações.
Por “filosofia
prática”, refiro-me aqui às “cinco lições” que o historiador inglês Paul
Johnson condensa no epílogo da biografia de Churchill publicada em
2009. “Ter metas elevadas”, “compreender que nada supera o trabalho
duro”, “ser resistente e resiliente ante obstáculos”, “não se ocupar de
mesquinharias” e “aproveitar a vida num alegre carpe diem” delimitam o
conjunto de princípios pelos quais Churchill viveu e que a tantos
inspira.
E, por “vigilância de
valores”, um olhar guardião sobre os elementos fundamentais do
Ocidente: a democracia representativa, o estado de direito, a livre
iniciativa; enfim, uma certa ideia de civilização livre e próspera.
O risco de
desmoronamento desses valores é o que Churchill denuncia em dois textos
(meus prediletos) de extraordinário diagnóstico, mas também de visão
sobre o curso de ação a tomar.
Um é o perfil que
redige sobre Hitler em 1935 e que mais tarde comporia o volume “Great
Contemporaries” (no Brasil saiu como “Grandes Homens do Meu Tempo”).
Ali, quatro anos antes da plena eclosão da Segunda Guerra, Churchill
identifica no ditador alemão o “homem que lançará o mundo outra vez numa
guerra em que a civilização irremediavelmente sucumbirá”.
O outro, claro, é o
“discurso da cortina de ferro”, formalmente intitulado “The Sinews of
Peace” (Tendões da Paz, em inglês). Se nos anos 1930 a ameaça ao
Ocidente vinha do nazifascismo, no pós-Segunda Guerra o antagonista era o
comunismo como força geopolítica expansionista.
Churchill nos
interessa hoje, ademais de suas muitas lições como homem e líder, porque
a ideia de Ocidente permanece em risco. Talvez menos por ideologias
exóticas ou fragmentárias, ou alternativas inspiradas no modelo de
autocracia chinesa ou russa, mas pelo próprio populismo que encontra
tamanha força vital nas democracias contemporâneas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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