Interessante análise de
João Pereira Coutinho sobre o referendo na Catalunha, escrito alguns
dias antes da realização da votação - que redundou em quase mil feridos,
segundo as notícias de hoje:
Leio e não acredito: são vários os intelectuais progressistas que defendem a independência da Catalunha. Bizarro. Eu julgava, na minha atroz ingenuidade, que o "nacionalismo" (palavra feia) era um dos venenos da história.
Aliás, a política do
pós-Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, fez-se para evitar que o
veneno voltasse a correr nas veias dos europeus —a União Europeia e o
seu projeto federalista são apenas os melhores exemplos. Que se passa,
camaradas?
Primeira hipótese: os
progressistas, no caso de serem portugueses, não esquecem que são
portugueses. E olham para a Catalunha como uma espécie de 1640, versão
moderna: nesse ano, Portugal expulsava os espanhóis depois de 60 anos de
domínio filipino. Hoje, os catalães procuram fazer o mesmo.
Segunda hipótese: há nacionalismos e nacionalismos. Os ingleses, quando votam a favor do brexit, são nacionalistas (maus). Os catalães, quando votam contra Madrid e os Bourbon, são nacionalistas (bons).
Confuso. Será que os
camaradas não entendem que a natureza da luta é bastante semelhante? E
que todos os povos têm direito a decidirem o seu futuro e a serem
governados por si próprios?
É por isso que eu
presto a minha homenagem à Catalunha (e aos ingleses, já agora). Não
entro em detalhes "legais" sobre o referendo de 1º de outubro. Ele é
"ilegal" face à constituição espanhola, que protege a unidade
indissolúvel do país? Admito que sim.
Como também admito
que a Catalunha acredita que terá mais vantagens econômicas fora de
Espanha do que dentro (uma crença assaz questionável).
Mas o meu ponto é
outro: o nacionalismo, entendido apenas como expressão soberana de uma
cultura, de uma língua, de um território e de um passado, não tem nada
de herético. E quem acreditou na ilusão de um mundo "pós-nacional"
cometeu um erro primário.
Usei as palavras
"ilusão" e "pós-nacional" porque elas surgem em ensaio que recomendo aos
nacionalistas confusos e intermitentes. Intitula-se "The End of the
Postnational Illusion" e foi escrito por Ghia Nodia no "Journal of
Democracy".
O autor parte de um
constatação: o nacionalismo voltou com o brexit e Donald Trump. Moral da
história? A tribo dos "cientistas políticos" falhou ao espalhar a ideia
"iluminista" de que o nacionalismo era apenas uma febre passageira, que
rapidamente seria suplantada por uma governança global.
Historicamente,
entende-se esse otimismo racionalista. No século 19, escreve Nodia, os
movimentos nacionalistas ainda casavam bem com as consciências
"liberais": se os "antigos regimes" oprimiam a autodeterminação dos
"povos", a causa nacionalista era o melhor antídoto para enforcar o
último rei com as entranhas do último papa (obrigado, Voltaire).
Foi no século 20, com
o nazifascismo, que o "nacionalismo" ganhou má fama. Pouco importa que o
nazifascismo tenha sido uma versão perversa do nacionalismo; e pouco
importa que Hitler ou Mussolini tenham sido derrotados por nacionalistas
como Churchill. A mancha ficou, e a política pós-1945, com a ONU ou a
União Europeia, pretendeu construir uma "nova ordem" em que as nações
seriam apenas relíquias do passado.
Sabemos que isso
nunca aconteceu. No seu ensaio, Ghia Nodia relembra-nos de que, antes do
brexit e de Trump, a segunda metade da centúria já tinha conhecido
explosões nacionalistas que negavam a ilusão pós-nacional: os movimentos
de libertação africanos contra o colonialismo e, claro, as reações
nacionalistas contra o império soviético que triunfaram em 1989.
Mas seria possível
acrescentar as "guerras civis" nos Bálcãs para entender não apenas que o
nacionalismo estava vivo —mas, sobretudo e acima de tudo, que a pior
forma de lidar com ele é negá-lo ou suprimi-lo. Que o comunismo o tenha
tentado, não admira. Que os europeus federalistas queiram fazer o mesmo,
deveria.
Não sei qual será o
desfecho da crise política na Catalunha. Mas, se Mariano Rajoy, premiê
espanhol, acredita que a questão fica resolvida com a prisão de
independentistas, a ocupação policial da região, o controle das suas
finanças —e, no limite, a suspensão do estatuto autonômico da
Catalunha—, eu tremo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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