O presidente Michel
Temer, no fim das contas, não conseguiu atravessar nem mesmo a miserável
pinguela que tinha pela frente para usar a faixa presidencial até o
último dia oficial de seu mandato. Era o seu sonho, ou seu único
objetivo real ─ cumprir o curtíssimo prazo que a lei lhe deu para
despachar no Palácio do Planalto. Chegou até mesmo a montar um bom
ministério, e não só na área econômica. Estava começando, enfim, a
anotar bons resultados. Mas não deu, e nem poderia dar. Temer assumiu a
Presidência da República em situação de D.O.A., como dizem os relatórios
hospitalares e policiais nos Estados Unidos ─ dead on arrival, ou morto
na chegada. Chegou morto porque só sabe fazer política, agir e pensar
para um Brasil em processo de extinção, onde presidentes da República
recebem em palácio indivíduos à beira do xadrez, discutem com eles
coisas que jamais deveriam ouvir e não chamam a polícia para levar
ninguém preso. Desde a semana passada, com uma colossal denúncia
criminal nas costas de Michel Temer, as datas oficiais da sua certidão
de óbito como presidente deixaram de fazer diferença. Seu governo não
existe mais. A atual oposição (até ontem governo) do PT-esquerda não
existe mais; eles estão rindo, mas riem no próprio velório. Os
políticos, como classe, não existem mais. Querem viver de um jeito
inviável e manter de pé um país inviável. Acabaram por tornar-se
incompreensíveis.
Na verdade, como já
ficou claro há um bom tempo, não se poderia mesmo esperar algo diferente
do que está acontecendo. É simples. O Brasil de hoje é governado como
uma usina de reprocessar lixo. Entra lixo de um lado, sai lixo do outro.
O que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, que é aberta nas
eleições, e a porta de saída, quando se muda de governo, o produto fica
com outra aparência, altera o nome, recebe nova embalagem ─ mas continua
sendo lixo. Reprocessou-se o governo do ex-presidente Lula; deu no
governo Dilma Rousseff; reprocessou-se o governo Dilma; deu no governo
Michel Temer. Não houve, de 2003 para cá, troca no material processado
pela usina. Não houve alternância de poder, e isso inclui o finado
governo Temer. Continuou igual, nos três, a compostagem de políticos “do
ramo”, empreiteiras de obras públicas, escroques de todas as
especialidades, fornecedores do governo, parasitas ideológicos,
empresários declarados “campeões nacionais” por Lula, por Dilma e pelos
cofres do BNDES. É esse baixo mundo que governa o Brasil.
Michel Temer, na
verdade, faz parte integral da herança que Lula deixou para os
brasileiros. Tanto quanto Dilma Rousseff, é pura criação do
ex-presidente ─ só chegou lá porque o PT o colocou na Vice-Presidência.
Ou alguém acha que Temer foi incluído como vice na chapa petista contra a
vontade de Lula? Ninguém votou nele, não se cansam de dizer desde que
Temer assumiu o cargo, no impeachment de Dilma. Com certeza: quem fez a
escolha foi Lula, ninguém mais. Foi dele o único voto que Temer teve ─ e
o único de que precisava. É tudo parte, no fim das contas, da “política
de alianças”. A respeito do assunto, ainda outro dia tivemos direito a
uma aula de ciência política dada pelo próprio ex-presidente da
República, durante seu interrogatório pelo juiz Sérgio Moro. Lula
explicou ao juiz, e a todos nós, que é impossível governar sem
“aliados”. E o que isso tem a ver com a corrupção em massa durante seu
governo? Tudo a ver, segundo o que deu para entender: você precisa dar
cargos públicos aos partidos que apoiam o governo, e aí eles vão roubar
tudo o que virem pela frente. No seu caso, o PMDB foi a principal
aliança que fez ─ na verdade, o alicerce da coisa toda, uma obra-prima
de “engenharia política” que seria depois completada com a aquisição do
PP, do PR e de outras gangues partidárias.
Com o PMDB veio
Michel Temer ─ mais Eduardo Cunha, Renan Calheiros, José Sarney e
família, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Eunício Oliveira, Geddel Vieira
Lima, e daí para pior. Hoje são odiados nos discursos de Lula e do PT.
Ontem eram os melhores amigos e, principalmente, sócios. A isso aí
vieram juntar-se os empresários “nacionalistas” de Lula e Dilma: os
Joesley e Wesley Batista, que ocupam agora o centro do palco, os Marcelo
Odebrecht, os Eike Batista e tantos outros capitães de indústria que já
foram, continuam sendo e em breve serão inquilinos do sistema
penitenciário nacional. Juntos construíram a calamidade moral, econômica
e administrativa que está aí. E com certeza vão tentar, de algum jeito,
beneficiar-se da gosma constitucional hoje formada em torno do
pós-Temer.
Essa gente toda, com
Lula e o PT à frente e bilhões de reais atrás, nos deixou o seguinte
país: um dos maiores empresários do Brasil, e também um dos mais
investigados por crimes cometidos em suas empresas, entra na residência
presidencial e, numa ação nos limites da bandidagem, grava pessoalmente
uma conversa do pior nível com o presidente. Com isso, ao menos até
agora, protege-se da cadeia, ganha uma soma não calculada de milhões e
vira um herói da Rede Globo, no papel de “justiceiro”. O ex-presidente
Lula oscila entre duas possibilidades: ir para o xadrez ou para o
Palácio do Planalto. Sua sucessora é trazida, por denúncia de pessoas
íntimas, para o centro do lodaçal. Seu adversário nas últimas eleições,
Aécio Neves, recebe malas de dinheiro vivo desses Joesley e Wesley que
atiram para todo lado. O governo do Brasil, e o conjunto da vida
política, passou a depender inteiramente de delegados de polícia,
procuradores públicos e juízes criminais. O voto popular nunca valeu tão
pouco: o político eleito talvez esteja no próximo camburão da Polícia
Federal. Os sucessores mais diretos de Temer podem estar em breve, eles
próprios, a caminho do pelotão de fuzilamento; fazem parte da caçamba de
detritos que há na política brasileira de hoje. Um país assim não pode
funcionar ─ não o tempo inteiro, como tem sido nos últimos anos.
Trata-se de uma realidade que está evidente há mais de três anos, quando
a Operação Lava Jato passou a enterrar o Brasil Velho. Era um país que,
enfim, começava a agonizar: pela primeira vez na história, seus donos
tinham encontrado pela frente a aplicação da Justiça ─ ou, mais
exatamente, o princípio de que a lei tem de valer por igual para todos.
Não acreditaram, e tentam não acreditar até hoje, que aquilo tudo estava
mesmo acontecendo. O único Brasil possível, para eles, é o Brasil que
tem como única função colocar a máquina pública a serviço de seus
bolsos. Gente como Lula, Odebrecht, Joesley, empresários campeões etc.
simplesmente não entende a existência de pessoas como Sérgio Moro; eles
têm certeza de que não há seres humanos que não possam ser comprados ou
intimidados. O resultado está aí ─ um país que não consegue mais ser
governado, porque os governantes não conseguem mais esconder o que
fazem, nem controlar a Justiça e a Lava Jato, que a qualquer momento
pode bater à sua porta.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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