MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 2 de abril de 2016

A sociedade das idéias mortas


Esqueça o que disse aquele programa do SBT, Pedro II foi o maior brasileiro de todos os tempos.
Em 58 anos como imperador, desde a abrupta renúncia do pai quando tinha apenas 5 anos de idade até a destituição em 1889, Pedro II transformou um amontoado de vilarejos numa nação livre, próspera e exuberante. Sob qualquer ponto de vista, o Brasil parecia destinado a ser uma das principais nações do mundo ao final do séc. XIX. Pouco mais de cem anos depois, fica claro que o país saltou na estação errada do trem da história e não dá sinais de que tem qualquer idéia do que aconteceu e, principalmente, de como embarcar de novo.
O improvável imperador que foi admirado por Graham Bell, Charles Darwin, Victor Hugo e Friedrich Nietzsche, além de amigo de Richard Wagner e Louis Pasteur, era herdeiro do mulherengo e brigão Pedro I, que frequentava tabernas como o Henrique V de Shakespeare (havia até um Falstaff real, o Chalaça). Pedro II era o oposto do pai e, ao que tudo indica, uma cópia fiel da sua sofisticada e elegante mãe, a austríaca Maria Leopoldina, da casa dos Habsburgo, a família imperial que reinou por 700 anos na Áustria, o que incluiu o Sacro Império Romano-Germânico e o Império Austro-Húngaro. Maria Leopoldina foi também cunhada de Napoleão Bonaparte.
Maria Leopoldina foi desprezada por Pedro I e a causa da morte desta culta e cosmopolita imperatriz de uma das mais importantes famílias reais da Europa, grávida e aos 29 anos, ainda é controversa. Depois de 200 anos de rumores e polêmicas, seu corpo foi exumado por legistas da USP e o homicídio culposo, devido a uma agressão física atribuída ao imperador, foi descartado pelos legistas.
Mesmo que a causa direta da morte de Maria Leopoldina seja uma doença, o tratamento brutal e o assédio moral constante de Pedro I, as agressões verbais e as humilhações públicas com certeza não ajudaram seu estado de saúde. Durante as poucas semanas em que tivemos uma Habsburgo regendo o país, o Brasil se tornou independente de Portugal por um decreto assinado por ela em 2 de setembro de 1822. O marido foi avisado por carta em viagem à São Paulo e proclamou a independência cinco dias depois.
carte-de-visite-do-imperador-d-pedro-ii-philadelphia-1876-11212-MLB20041257339_012014-FPedro II foi um monarca que deu uma amostra do que o país poderia ser se tivéssemos instituições e governança de inspiração conservadora ou liberal como as principais civilizações do Ocidente. Sob qualquer aspecto, seu longo mandato não deixa a desejar a qualquer um dos grandes estadistas do mundo contemporâneo e é uma lástima as escolas não darem ênfase suficiente a um dos poucos acertos da história do Brasil.
Preparado para governar desde a primeira infância, Pedro II pegou uma nação em frangalhos e devolveu uma das mais vibrantes, prósperas e livres do planeta. Cento e vinte e cinco anos depois da sua deposição, é preciso entender o que deu tão errado para que o Brasil se tornasse o constrangimento político, econômico e social que é hoje.
Os EUA enfrentam sérios problemas econômicos, mas a nação mais próspera e livre que a humanidade conheceu ainda não tem do que se envergonhar quando comparada às outras. Um americano que nasce hoje entre os 20% mais pobres do país tem mais chances de terminar entre os 20% mais ricos do que se manter onde está. Se um americano tem pelo menos o segundo grau, é casado e teve o primeiro filho dentro do casamento, sua chance de ser pobre é de apenas de 2%. Com apenas 5% da população do planeta, os EUA produzem mais de 20% do PIB mundial. Depois de mais de trinta anos importando princípios econômicos ocidentais e com mais de um quinto da população do mundo, a China não chega a produzir 10% da sua riqueza. É uma diferença abismal e que ainda não dá motivos para que os antiamericanos comemorem o fim da civilização ocidental.
Com três mandatos presidenciais consecutivos do PT, o Brasil está numa situação pouco invejável. Nos últimos quinze anos, o país despencou no índice de competitividade global da 34a posição para a 51a entre 60 países avaliados pelo Institute for Management Development (IMD), uma vergonha. No mais importante ranking de liberdade econômica que existe, da Heritage Foundation com o The Wall Street Journal, o Brasil está na 100a posição entre 177 nações medidas e foi classificado como “majoritariamente sem liberdade”, a segunda pior classificação possível.
É desnecessário repetir a relação entre liberdade econômica e prosperidade, basta consultar a própria pesquisa anual da Heritage Foundation para ver a razão direta e auto-evidente entre a lista dos países mais livres economicamente, com ênfase no império das leis, combate à corrupção, menos gastos governamentais e respeito aos direitos de propriedade, com o crescimento do poder de compra dos cidadãos, PIB per capita, investimentos externos e erradicação da pobreza.
Há explicações para todos os gostos sobre o que faz uma nação prosperar. Para o historiador escocês Niall Ferguson, seriam seis fatores: livre concorrência, compromisso com a inovação e a pesquisa científica, respeito à propriedade privada, medicina de ponta, economia estimulada pelo consumo e ética “protestante”, na visão weberiana, do trabalho. Para o escritor indiano Ibn Warraq, o que viabizou a supremacia e o sucesso da sociedade ocidental foram idéias revolucionárias como o racionalismo, a autocrítica, a busca desinteressada da verdade, o estado laico, o império da lei e a igualdade do cidadão perante o judiciário, a liberdade individual, os diretos humanos e a democracia liberal. Com a devida vênia aos especialistas que trataram do tema, fico com George Gilder, o autor preferido de Ronald Reagan. Segundo Gilder, em seu recente livro “Knowledge and Power”, para uma nação prosperar é preciso liberdade, compromisso com a inovação e previsibilidade institucional.
Além de liberdade e inovação, itens óbvios e sempre presentes nas listas de pré-requisitos para o desenvolvimento, a previsibilidade institucional é um item lamentavelmente subestimado. Sem regras claras e instituições sólidas e perenes, não por coincidência as bases do conservadorismo político, o desenvolvimento econômico pleno é quase impossível no longo prazo. Não custa lembra que o esporte mais popular do mundo, o futebol, tem um conjunto simples e inteligível de regras que quase não mudaram em 150 anos.
O Brasil republicano atacou a liberdade política sempre que pode, desde a destituição de um imperador popular e incomparavelmente bem sucedido, até as diversas revoluções e golpes de estado que criaram um ambiente de instabilidade institucional que afugenta investimentos privados de médio e longo prazos.
Quando um estadista, depois de quase seis décadas no poder, deixa o país mais rico, livre e próspero, como nunca se viu antes ou depois, é importante que o Brasil aprenda, de uma vez por todas, para que serve o estado: garantir a segurança dos seus cidadãos, os respeito às leis e aos contratos, para deixar que a sociedade possa, com liberdade e trabalho duro, inovar e atrair os investimentos produtivos.
O público do SBT elegeu Chico Xavier como o maior brasileiro de todos os tempos e deixou Pedro II em vigésimo sétimo. O programa original, “The Greatests”, foi criado pela BBC e, na sua versão original, o povo britânico elegeu Winston Churchill. Faz sentido. Os ingleses escolheram um estadista conservador, já o Brasil vai ficando para trás enquanto conversa com fantasmas à espera de um milagre.
Publicado originalmente na revista Vila Nova

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