Esqueça o que disse aquele programa do SBT, Pedro II foi o maior brasileiro de todos os tempos.
Em 58 anos como imperador, desde a
abrupta renúncia do pai quando tinha apenas 5 anos de idade até a
destituição em 1889, Pedro II transformou um amontoado de vilarejos numa
nação livre, próspera e exuberante. Sob qualquer ponto de vista, o
Brasil parecia destinado a ser uma das principais nações do mundo ao
final do séc. XIX. Pouco mais de cem anos depois, fica claro que o país
saltou na estação errada do trem da história e não dá sinais de que tem
qualquer idéia do que aconteceu e, principalmente, de como embarcar de
novo.
O improvável imperador que foi admirado
por Graham Bell, Charles Darwin, Victor Hugo e Friedrich Nietzsche, além
de amigo de Richard Wagner e Louis Pasteur, era herdeiro do mulherengo e
brigão Pedro I, que frequentava tabernas como o Henrique V de
Shakespeare (havia até um Falstaff real, o Chalaça). Pedro II era o
oposto do pai e, ao que tudo indica, uma cópia fiel da sua sofisticada e
elegante mãe, a austríaca Maria Leopoldina, da casa dos Habsburgo, a
família imperial que reinou por 700 anos na Áustria, o que incluiu o
Sacro Império Romano-Germânico e o Império Austro-Húngaro. Maria
Leopoldina foi também cunhada de Napoleão Bonaparte.
Maria Leopoldina foi desprezada por
Pedro I e a causa da morte desta culta e cosmopolita imperatriz de uma
das mais importantes famílias reais da Europa, grávida e aos 29 anos,
ainda é controversa. Depois de 200 anos de rumores e polêmicas, seu
corpo foi exumado por legistas da USP e o homicídio culposo, devido a
uma agressão física atribuída ao imperador, foi descartado pelos
legistas.
Mesmo que a causa direta da morte de
Maria Leopoldina seja uma doença, o tratamento brutal e o assédio moral
constante de Pedro I, as agressões verbais e as humilhações públicas com
certeza não ajudaram seu estado de saúde. Durante as poucas semanas em
que tivemos uma Habsburgo regendo o país, o Brasil se tornou
independente de Portugal por um decreto assinado por ela em 2 de
setembro de 1822. O marido foi avisado por carta em viagem à São Paulo e
proclamou a independência cinco dias depois.
Pedro
II foi um monarca que deu uma amostra do que o país poderia ser se
tivéssemos instituições e governança de inspiração conservadora ou
liberal como as principais civilizações do Ocidente. Sob qualquer
aspecto, seu longo mandato não deixa a desejar a qualquer um dos grandes
estadistas do mundo contemporâneo e é uma lástima as escolas não
darem ênfase suficiente a um dos poucos acertos da história do Brasil.
Preparado para governar desde a primeira
infância, Pedro II pegou uma nação em frangalhos e devolveu uma das
mais vibrantes, prósperas e livres do planeta. Cento e vinte e
cinco anos depois da sua deposição, é preciso entender o que deu tão
errado para que o Brasil se tornasse o constrangimento político,
econômico e social que é hoje.
Os EUA enfrentam sérios problemas
econômicos, mas a nação mais próspera e livre que a humanidade conheceu
ainda não tem do que se envergonhar quando comparada às outras. Um
americano que nasce hoje entre os 20% mais pobres do país tem mais
chances de terminar entre os 20% mais ricos do que se manter onde está.
Se um americano tem pelo menos o segundo grau, é casado e teve o
primeiro filho dentro do casamento, sua chance de ser pobre é de apenas
de 2%. Com apenas 5% da população do planeta, os EUA produzem mais de
20% do PIB mundial. Depois de mais de trinta anos importando princípios
econômicos ocidentais e com mais de um quinto da população do mundo, a
China não chega a produzir 10% da sua riqueza. É uma diferença abismal e
que ainda não dá motivos para que os antiamericanos comemorem o fim da
civilização ocidental.
Com três mandatos presidenciais
consecutivos do PT, o Brasil está numa situação pouco invejável. Nos
últimos quinze anos, o país despencou no índice de competitividade
global da 34a posição para a 51a entre 60 países
avaliados pelo Institute for Management Development (IMD), uma vergonha.
No mais importante ranking de liberdade econômica que existe, da
Heritage Foundation com o The Wall Street Journal, o Brasil está na 100a
posição entre 177 nações medidas e foi classificado como
“majoritariamente sem liberdade”, a segunda pior classificação possível.
É desnecessário repetir a relação entre
liberdade econômica e prosperidade, basta consultar a própria pesquisa
anual da Heritage Foundation para ver a razão direta e auto-evidente
entre a lista dos países mais livres economicamente, com ênfase no
império das leis, combate à corrupção, menos gastos governamentais e
respeito aos direitos de propriedade, com o crescimento do poder de
compra dos cidadãos, PIB per capita, investimentos externos e
erradicação da pobreza.
Há explicações para todos os gostos
sobre o que faz uma nação prosperar. Para o historiador escocês Niall
Ferguson, seriam seis fatores: livre concorrência, compromisso com a
inovação e a pesquisa científica, respeito à propriedade privada,
medicina de ponta, economia estimulada pelo consumo e ética
“protestante”, na visão weberiana, do trabalho. Para o escritor indiano
Ibn Warraq, o que viabizou a supremacia e o sucesso da sociedade
ocidental foram idéias revolucionárias como o racionalismo, a
autocrítica, a busca desinteressada da verdade, o estado laico, o
império da lei e a igualdade do cidadão perante o judiciário, a
liberdade individual, os diretos humanos e a democracia liberal. Com a
devida vênia aos especialistas que trataram do tema, fico com George
Gilder, o autor preferido de Ronald Reagan. Segundo Gilder, em seu
recente livro “Knowledge and Power”, para uma nação prosperar é preciso
liberdade, compromisso com a inovação e previsibilidade institucional.
Além de liberdade e inovação, itens
óbvios e sempre presentes nas listas de pré-requisitos para o
desenvolvimento, a previsibilidade institucional é um item
lamentavelmente subestimado. Sem regras claras e instituições sólidas e
perenes, não por coincidência as bases do conservadorismo político, o
desenvolvimento econômico pleno é quase impossível no longo prazo. Não
custa lembra que o esporte mais popular do mundo, o futebol, tem um
conjunto simples e inteligível de regras que quase não mudaram em 150
anos.
O Brasil republicano atacou a liberdade
política sempre que pode, desde a destituição de um imperador popular e
incomparavelmente bem sucedido, até as diversas revoluções e golpes de
estado que criaram um ambiente de instabilidade institucional que
afugenta investimentos privados de médio e longo prazos.
Quando um estadista, depois de quase
seis décadas no poder, deixa o país mais rico, livre e próspero, como
nunca se viu antes ou depois, é importante que o Brasil aprenda, de uma
vez por todas, para que serve o estado: garantir a segurança dos seus
cidadãos, os respeito às leis e aos contratos, para deixar que a
sociedade possa, com liberdade e trabalho duro, inovar e atrair os
investimentos produtivos.
O público do SBT elegeu Chico Xavier
como o maior brasileiro de todos os tempos e deixou Pedro II em vigésimo
sétimo. O programa original, “The Greatests”, foi criado pela BBC e, na
sua versão original, o povo britânico elegeu Winston Churchill. Faz
sentido. Os ingleses escolheram um estadista conservador, já o Brasil
vai ficando para trás enquanto conversa com fantasmas à espera de um
milagre.
Publicado originalmente na revista Vila Nova
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