A sexta-feira terminou com a notícia de
que a minuta de uma decisão proferida pelo ministro Marco Aurélio, do
STF, misteriosamente vazada antes de estar concluída e assinada (!),
obrigaria o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a abrir um processo de
impeachment contra Michel Temer. É uma reunião tão grande de coisas
estranhas e – por que não dizer? – absurdas, que precisamos analisar
devagar, pra tentar entender.
Primeiro, é importante deixar claro que a
tal decisão de Marco Aurélio (ou projeto de decisão, vai saber…) não
tem rigorosamente nenhuma relação com o pedido de impeachment de Temer
apresentado – ó, coincidência! – ontem por Cid Gomes. A suposta
manifestação do ministro do STF se deu num mandado de segurança
impetrado por um advogado. Como dito, nada a ver com o pedido do
ex-ministro de Dilma, Cid Gomes. Apesar de ser notável a coincidência de
o impedimento do vice-presidente ter virado assunto, ontem, em duas
frentes diferentes, justo no dia em que a Lava Jato chegou ao cadáver de
Celso Daniel… Os mágicos chamam isso de “misdirection”: fazer a
audiência olhar para outro lado, a fim de não atentar pro principal. Mas
sigamos.
Na suposta decisão (até o momento ela não existe, é bom lembrar), Marco Aurélio diz o seguinte:
Ante o quadro, defiro parcialmente a liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá parecer.
Bom, eu não sou nenhum jurista para ter a
audácia de entender mais de Direito do que um ministro do STF, não é?
Mas se tem uma coisa boa das questões jurídicas, é que a grande maioria
pode ser compreendida por qualquer pessoa com uma mínima compreensão do
que seja a lógica e alguma capacidade de interpretação de texto. Querem
ver? Vamos lá!
Marco Aurélio, nessa tal decisão, está, em resumo, obrigando o presidente da Câmara a acolher uma denúncia contra o vice-presidente. Ele está, assim, usurpando competência privativa de Cunha (gostem dele ou não, é ele quem preside a Câmara) e, não bastasse isso, está afrontando norma legal e decidindo contra jurisprudência recente do próprio STF.
Mas eu não pretendo que ninguém acredite
em mim. Em vez disso, convido todos a lerem o que dizem as leis e as
decisões da Suprema Corte. O art. 218, § 2º, do Regimento Interno da Câmara diz o seguinte:
Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.
Basta saber ler: a prerrogativa de
decidir pelo recebimento – ou não – de uma denúncia com fins de
impeachment é unicamente do presidente da Câmara. Não porque eu estou
dizendo, mas porque está na regra legal específica. A suposta decisão de
Marco Aurélio, se vier a existir da forma como foi divulgada, viola frontalmente esse dispositivo. Mas ainda há mais: o próprio STF, no final do ano passado, ao estabelecer o tal rito do impeachment, confirmou que cabe ao presidente da Câmara receber ou arquivar uma denúncia. E foi além: determinou que da decisão tomada pelo presidente – atenção agora! – não cabe recurso.
Assim, o ministro Marco Aurélio, quando e
se proferir efetivamente essa tal decisão “vazada” (é importante
lembrar que, por ora, ela não existe juridicamente), estará tolhendo
prerrogativa do presidente da Câmara, violando o regimento interno da
Casa e, ainda, contrariando frontalmente decisão recente do próprio STF.
Novamente insisto: não sou eu quem diz. É a lógica e a interpretação de
texto juntas. E aí? O que poderá ser feito?
A conclusão lógica é que, em sendo
publicada essa tal decisão, a Presidência da Câmara recorrerá ao pleno
do STF contra ela e, a menos que a maioria dos ministros seja
esquizofrênica, essa pedalada jurídica de Marco Aurélio será destroçada,
afinal o entendimento de alguns meses atrás deverá ser confirmado.
“Mas se é assim tão evidente o absurdo,
por que o ministro daria a tal decisão?” Bom, quem é mais afeito à área
jurídica sabe que o ministro Marco Aurélio é conhecido no meio como
“ministro voto vencido”. Isso, traduzindo do juridiquês, seria como
dizer “deixa esse que a natureza marca”… O que quero dizer é que não
seria a primeira – nem será a última – vez que Marco Aurélio defende uma
interpretação – como direi? – só dele das coisas.
Por isso, insisto: a menos que o STF
esteja, como disse Lula, “acovardado”, essa pedalada jurídica do
ministro Marco Aurélio, quando vier a existir de fato, será derrotada no
pleno. Isso se suas excelências, os ministros, não estiverem acometidos
de uma crise grave de juizite, sentindo o ego machucado pelo
protagonismo que um magistrado de primeira instância passou a ter,
gozando de muito mais respeito e admiração aos olhos da sociedade do que
aqueles que sentam na Suprema Corte…
Por último, me pergunto se o ministro
Teori Zavascki ficou contrariado com essa minuta de decisão “vazada” no
próprio STF. Justo ele, tão preocupado com vazamentos e com os
cuidados que as instituições e as autoridades devem tomar, a fim de
garantir a supremacia da Constituição. Suponho que Teori deva estar
furioso…
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