Texto de José Nêumanne no Estadão, analisando os últimos atos do moribundo governo Dilma, que já vai tarde, muito tarde. R.I.P.:
Esta
semana começou com a ainda presidente Dilma Rousseff recebendo em
palácio três líderes dos chamados movimentos sociais, que prometem
mantê-la no poder a qualquer custo. E, para isso, contrariam 61% da
população entrevistada pelo DataFolha, 69% dos deputados federais que
autorizaram seu impeachment em plenário e 61% dos senadores (talvez isso
não seja mera coincidência) que se manifestam diariamente no placar do
impeachment, publicado no nosso Estadão.
Um deles
foi João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), que está sendo agraciado com mais de 30 decretos de
desapropriação de fazendas dadas como improdutivas pelo ministro da
Justiça, Eugênio Aragão, nomeado há pouco mais de um mês. Neste prazo
ele superou o desempenho do antecessor, José Eduardo Cardozo, ao longo
de cinco anos. Também foi recebido por ela Vagner Freitas, presidente da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), de quem não se ouve um pio
reclamando do desemprego avassalador, mas ameaçou em palácio pegar em
armas para defender o mandato dela. O terceiro convidado à sede do poder
republicano, Guilherme Boulos, lidera o Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST), que levou dúzias de gatos pingados a ruas das grandes
cidades brasileiras para protestarem contra a deposição de Dilma na
manhã desta quinta-feira de outono. Eles incendiaram pneus fora de uso –
mas não o Brasil – e interditaram vias públicas importantes para dar o
recado de que não deixarão o vice Michel Temer governar em paz, em
tentativa nada velada de tocar fogo no circo.
Ninguém
reclamou da ausência de lideranças indígenas, se é que ainda há alguma,
na reunião palaciana. Mas ainda esta semana madama anunciará na sede do
poder republicano mais decretos demarcando terras para índios. E o fato é
que, enquanto berra que impeachment sem crime é golpe, Dilma faz uma
investida para favorecer as etnias que habitavam o Brasil antes de
Cabral aqui desembarcar. Talvez para acalmar os ímpetos belicosos de
Tupã, deus dos trovões e das tempestades, nestes tempos de mar revolto.
Uma vez mais superando o investido na Advocacia-Geral da União (AGU),
mas que, de fato, desempenha o ofício de causídico pessoal de Sua
Majestade Insolente, Eugênio Aragão, nomeado para deter a velocidade
alucinante da descoberta de falcatruas pela Operação Lava Jato,
encaminhou ao Diário Oficial da União o reconhecimento de quatro terras
indígenas que ocupam 56.512 hectares. A demarcação de Sawré Maybu
tornará inviável a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no
Pará. Mais um feito para pôr Cardozão nos borzeguins ao leito. Nem
Juscelino tinha pensado nessa performance: mais de cinco anos em um mês.
Pelo visto, Dilma não quer voltar ao ostracismo sem tomar decisões que a
tornarão morubixaba da grande Oca Tupiniquim.
Essa
avalanche de medidas absurdas, contudo, seria de menas (sic, apud Lula)
monta se a “presidenta” não tivesse adotado duas providências ainda mais
nocivas à recuperação econômica do País, por ameaçarem a reconquista da
credibilidade no exterior. Ela proibiu que se fizesse a transição de
seu governo agônico para o eventual substituto – cada vez menos eventual
e cada vez mais substituto –, Michel Temer. E mais: determinou que
fossem realizadas obras a toque de caixa para evitar que estas viessem a
ser apropriadas de maneira imprópria pelo vice que, segundo ela, virou
traidor. Aliás, esta circunstância é mais rotineira do que imagina ela,
em sua sesquipedal ignorância da História. Seu criador e padrinho Luiz
Inácio Lula da Silva poderia contar com os nove dedos das próprias mãos
os feitos que compõem o legado da afilhada: licitações para privatizar
os aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis e Salvador; privatizações
de portos; e medidas tributárias, como mudanças no Supersimples. Mas se
ela continuar contando com a benemerência de seus compreensivos aliados
no Senado, Renan Calheiros e Raimundo Lira, poderá ainda, anote aí,
instalar o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Não se sabe
se nesta urgente e muito relevante medida (atenção, é ironia!) – que
decerto acompanhará a mudança do currículo de História, no qual se
pretende substituir o relato da colonização branca pelos contos do
antigo domínio silvícola -, se incluirá a troca da denominação Brasil
(de vez que pau-brasil não há mais na costa brasileira) por Pindorama.
Seria mais condizente com o paraíso tropical de nossos morenos desnudos.
E se a faixa positivista, também em desuso e sem justificativa
ideológica, dará vez a algo mais nosso, tal comomandioca sapiens. Ou
mosquita marvada.
Sabe-se
mesmo é que ela tentará, antes de ser deposta, nomear mais médicos
cubanos para atender no interior de Cabrália. E participará da
Conferência Conjunta dos Direitos Humanos, na qual poderá denunciar
delações seletivas e outras formas de tortura usadas por coxinhas
fascistas e golpistas. E, claro, viajará pela maloca inteira inaugurando
conjuntos do programa Minha Casa Minha Vida, que poderão ser batizados
com nomes de vítimas da colonização coxa branca lusitana, como os caetés
que comeram o bispo Sardinha, ou da ditadura militar, caso de
Theodomiro Romeiro dos Santos, o condenado à morte que não foi fuzilado
pelos milicos. Para demonstrar seu espírito conciliador, talvez fosse
recomendável que homenageasse também uma inimiga, Heloísa Helena
Magalhães, a Maçã Dourada, condenada à morte pelos estudantes rebelados
liderados por José Dirceu, mas nunca enforcada pelos desgovernos
socialistas, talvez por falta de lembrança de Lula, Dilma e Zé de Abreu,
o astro da Globo que fez da saliva poderosa arma da revolução.
Enquanto
essa lista de medidas, do tamanho de um rol de compras em supermercado,
que a crise encolheu, será anunciada por Dilma, ela pregará mais uma vez
a seus inamovíveis devotos contra Eduardo Cunha e Michel Temer. E
lembrará que, ao contrário deles, ela mesma não é nem nunca foi
corrupta. Mas quanto a isso há controvérsias. Lionel, que não é Messi,
mas Zaclis, mandou-me, por e-mail, a quinta e sexta definições do
verbete “corrupto”, impresso na página 848 do Dicionário Houaiss. A
quinta definição é:que ou aquele que age desonestamente em benefício
próprio ou de outrem, esp. nas instituições públicas, lesando a nação, o
patrimônio público etc. O maldoso leitor insinua que a “presidenta” não
foi tão honesta quanto afirma ao tomar emprestado, contrariando a Lei
de Responsabilidade Fiscal, R$ 72 bilhões de bancos públicos, e só os
repôs 11 meses depois. E também ao alegar que o dinheiro foi para o
Bolsa Família, o que foi feito apenas com R$ 1,5 bilhão (ou seja,
irrisórios 2%). A sexta é: que ou aquele que age de maneira
indefensável. Neste ponto sou obrigado a concordar com o perverso
Zaclis: a insistência com que Cardozaço e a própria Dilma a têm
defendido não pode ser confundida com argumentação jurídica, mas se
trata apenas de chicana pra protelar. E mais: para completar, ou Dilma é
corrupta ou Houaiss é ignorante. O amigo leitor não precisa se apressar
para responder à pergunta. A minúscula bancada contra o Brasil no
Senado ainda conseguirá o beneplácito da dilatação do tempo, cedido pela
dupla Lira-Calheiros.
Enquanto
isso, contudo, conforme lembra outro leitor, César Souza, teremos de
lidar com uma presidente sem votos no Congresso suficientes para
governar. Embora ela se tenha dedicado quase exclusivamente a negar que
Michel Temer não teve um mísero voto nos dois turnos da eleição de 2014.
Como, porém, Dilma teria chegado sequer ao segundo turno sem os votos
do PMDB, portanto, do aliado Temer? “Mistério!”, diria Perpétua, a vilã
do romance de Jorge Amado Tieta do Agreste, interpretada na telenovela
global de Aguinaldo Silva por Joana Fomm.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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