O ex-presidente Lula tem uma espécie de dupla identidade. No mundo da
fantasia, ele é a viva alma mais honesta do Brasil, não está sob
investigação das autoridades nem tem responsabilidade sobre o petrolão e
o mensalão. O líder messiânico, o novo pai dos pobres, seria a
representação da virtude e da nobreza de propósitos. Já no mundo real,
onde os fatos se sobrepõem a versões, emerge uma figura bem diferente - e
bastante encrencada. A Procuradoria da República no Distrito Federal
investiga se Lula fez tráfico de influência em favor da Odebrecht, que
contratou a peso de ouro suas palestras enquanto atacava os cofres da
Petrobras. O Ministério Público de São Paulo decidiu denunciar Lula por
ocultação de patrimônio depois de colher evidências de que a OAS bancou a
reforma de um tríplex no Guarujá que pertence à família do
ex-presidente. Agora, é a vez de a Lava-Jato chegar ao petista.
Delegados e procuradores têm "alto grau de suspeita" de que a OAS, a fim
de quitar propinas, deu imóveis a políticos. O caso do tríplex de Lula
será esquadrinhado nessa nova etapa da operação, que foi batizada,
devido ao seu DNA incontestável, de Triplo X. O mito imaginário, quem
diria, tornou-se um cliente contumaz da Justiça. Hoje, apurações sobre
corrupção grossa deságuam sucessivamente nele. Autoridades já reuniram
provas das relações umbilicais de Lula com a Odebrecht, a OAS e a UTC,
cujo dono, Ricardo Pessoa, disse ao Ministério Público ter repassado 2,4
milhões de reais, via caixa dois, à campanha à reeleição do
ex-presidente. Suspeita de também participar do assalto à Petrobras, a
Andrade Gutierrez deve engrossar o cordão de empreiteiras que cerca o
petista. Preso desde junho do ano passado, o presidente licenciado da
construtora, Otávio Azevedo, negocia um acordo de delação premiada com o
Ministério Público. Os procuradores insistem para que ele conte
detalhes da operação de compra de participação societária na Gamecorp -
empresa que tem Fábio Luís, o filho mais velho de Lula, como sócio -
pela antiga Telemar, que tem a Andrade Gutierrez entre seus
controladores.
Azevedo
recusou-se até aqui a explicar a real motivação da operação. Os
procuradores, em contrapartida, não aceitam assinar o acordo de
colaboração enquanto não receberem a explicação devida. Para sair do
impasse e fugir de uma condenação pesada à prisão, Azevedo decidiu
narrar seus segredos aos investigadores. Ele dirá que a antiga Telemar,
que foi rebatizada de Oi, comprou cerca de 30% da Gamecorp, por 5
milhões de reais, em 2005, a pedido de Lula. Naquela época, o presidente
sabia que o banqueiro Daniel Dantas apresentara uma oferta para se
tornar sócio da Gamecorp. Como queria Dantas longe de seu filho e de seu
governo, o petista, segundo Azevedo, pediu aos donos da Telemar/Oi,
entre eles a Andrade Gutierrez, que apresentassem uma oferta agressiva
de compra dos papéis da empresa de seu primogênito. Assim foi feito.
Três anos depois dessa transação, o governo Lula mudou a legislação para
permitir que a Telemar/Oi se fundisse com a Brasil Telecom, sob o
pretexto de criar um gigante brasileiro no setor de telecomunicações.
Azevedo confidenciou a advogados e executivos que, após essa segunda
transação, viabilizada graças à mudança da legislação feita sob medida
por Lula, sócios da Gamecorp e integrantes do governo começaram a exigir
mais ajuda financeira da Andrade Gutierrez. Pressionada, a empreiteira,
por meio da Oi, passou a contratar periodicamente serviços da própria
Gamecorp. Serviços que, conforme Azevedo, não eram necessários. Assim,
estabeleceu-se um canal permanente de repasse de dinheiro para Fábio
Luís e seus sócios - entre eles, Fernando Bittar e Jonas Suassuna,
proprietários formais do sítio em Atibaia que é usado como refúgio por
Lula e que, tal qual o tríplex no Guarujá, teve parte de sua reforma
paga pela OAS. A assessoria de imprensa da Oi confirmou que a empresa
contrata regularmente serviços da Gamecorp, mas se recusou a fornecer os
valores dos contratos. Na campanha presidencial de 2014, integrantes da
chapa de Dilma Rousseff chegaram a reclamar dos desembolsos da Andrade
Gutierrez, acusando Azevedo de ser um tucano enrustido. Ele desabafou
com um amigo: "O PT não pode reclamar depois de tudo o que fiz por
eles". Azevedo disse que a pressão partia do ministro Edinho Silva,
então tesoureiro da campanha à reeleição, e de Giles Azevedo, ex-chefe
de gabinete e atual assessor especial da presidente. Como se sabe, a
parceria com a empreiteira transformou Fábio Luís, outrora um monitor de
zoológico, num empresário de sucesso. (Veja)
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