MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fotografar comida ou não, eis a questão



MÔNICA NÓBREGA - O Estado de S.Paulo
Caro chef David Bouley,
Você contou ao mundo na semana passada: não é um entusiasta da mania de fotografar comida. No seu restaurante em Nova York, convida o freguês a ir até a cozinha para não deixá-lo disparando cliques no salão. Com todo o jeitinho para não magoar, tenho certeza. Mas parece que, a partir daquele artigo publicado no jornal The New York Times, ficou decretado: fotografar comida em restaurante chique é o novo comportamento cafona, que dá pinta de deslumbramento e transforma as expressões blasé ao redor em olhares de desprezo.
Claro que você não foi o primeiro a mostrar chateação com as câmeras onipresentes. Também aí em Nova York, o três-estrelas Michelin Chef's Table proíbe foto de comida há algum tempo (e avisa na reserva). No Momofuku Ko, que tem apenas 12 lugares, a equipe lembra os desobedientes de guardarem o iPhone. Os Momofukus Shoto, de Toronto, e Seiobo, de Sydney, pedem encarecidamente aos comensais que, ao menos, não usem flash. O mesmo faz o londrino Fat Duck.
Parece que não há avalanche de curtidas no Instagram ou no Facebook capaz de mudar sua opinião e a de seus colegas de desconforto. Comentaristas de internet chegaram a apostar na morte da #foodstagram, uma das hashtags mais populares do Instagram. Em seu blog de gastronomia, a revista masculina Esquire, aí mesmo dos Estados Unidos, aproveitou o burburinho para publicar uma lista de dez motivos pelos quais os restaurantes deveriam banir as fotos de comida. Tais como o prato esfria, o comensal parece tolo, se distrai da refeição...
Aqui temos um ponto, a distração. Restaurantes como o seu, Bouley, inventivos, caprichosos e preocupados com os mínimos detalhes se propõem a oferecer não apenas comida, mas experiência. Que inclui os sabores, o ambiente, a atuação do cara que serve o vinho, dos garçons, uma coreografia tão bem planejada e ensaiada que vocês ficam chateados se a gente não dá tanta bola para ela, mesmo tendo viajado de longe para chegar até aí.
Não vou me atrever a dizer que não têm a sua razão, nem entrar no mérito de que fotografar pode ser parte da experiência. Mas talvez vocês estejam exagerando um pouco. Aqui no Brasil, por exemplo, a chef Nancy Souza diz que até gosta quando o cliente se encanta com os camarões em molho de brie e damasco montados sobre uma folha de azedinha, o arroz de jasmim com lâminas de castanha-do-pará torradas para dar crocância, e prepara o clique. São só alguns segundos, não atrapalha nadinha, ela garante. O Santíssima Gula, restaurante da Nancy, fica em Tiradentes. Você conhece Tiradentes, Bouley? Ruas de pedra, casas coloniais, becos, igrejas absurdas de tão lindas. Aquilo ali é uma experiência.
Até concordo com você que muita foto amadora sai ruinzinha de dar dó. Mas pense bem: mesmo estas ajudam a espalhar entre amigos as delícias do seu restaurante. Meu compatriota Diego Fabris acha que essa é a melhor propaganda que existe, por ser espontânea. Com o que a ótima chef Mônica Rangel, do restaurante Gosto com Gosto, em Visconde de Mauá, concorda. Diego sabe do que fala: é um "caçador de comida", um dos fundadores do Destemperados, que começou como blog, virou projeto multimídia e tem mais de 100 "caçadores" escrevendo sobre experiências gastronômicas pelo mundo. Como nenhum deles quer incomodar, as fotos são sempre feitas sem flash, discretamente.
Eis outro ponto, a discrição. A partir de suas queixas e das de seus colegas, mais as considerações de entendidos, caro Bouley, tomei a liberdade de criar a pequena listinha de regras de etiqueta que está ali embaixo, com a qual torço para que você concorde.
Em minha defesa como viajante adepta do "foodstagramming", digo que compartilhar fotos em redes sociais é quase como mandar um cartão-postal. Tomara que você compreenda e não se ofenda. Acho, inclusive, bastante simpática a sua postura de convidar o fotógrafo de ocasião a uma aventura pela cozinha. Eu adoraria participar. Prometo sempre respeitar o anfitrião. E, qualquer coisa, peço desde já desculpas pelo mau jeito.

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