A TRAIÇÃO DO PT
Por Mino
Carta
Dizia um velho e caro amigo que a corrupção é igual à
graxa das engrenagens: nas doses medidas põe o engenho a funcionar, quando é
demais o emperra de vez. Falava com algum cinismo e muita ironia. Está claro que
a corrupção é inaceitável in limine, mas, em matéria, no Brasil passamos da
conta.
Permito-me outra
comparação. A corrupção à brasileira é como o solo de Roma: basta cavar um pouco
e descobrimos ruínas. No caso de Roma, antigos, gloriosos testemunhos de uma
grande civilização. Infelizmente, o terreno da política nativa esconde outro
gênero de ruínas, mostra as entranhas de uma forma de patrimonialismo elevado à
enésima potência.
A deliberada
confusão entre público e privado vem de longe na terra da casa-grande e da
senzala e é doloroso verificar que, se o País cresce, o equívoco fatal se
acentua. A corrupção cresce com ele. Mais doloroso ainda é que as provas da
contaminação até os escalões inferiores da administração governamental confirmem
o triste destino do PT. No poder, porta-se como os demais, nos quais a mazela é
implacável tradição.
Assisti ao
nascimento do Partido dos Trabalhadores ainda à sombra da ditadura.
Vinha de uma ideia de Luiz Inácio da Silva, dito Lula, presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo até ser alvejado por uma chamada lei
de segurança nacional. A segurança da casa-grande, obviamente.
Era o PT uma
agremiação de nítida ideologia esquerdista. O tempo sugeriu retoques à
plataforma inicial e a perspectiva do poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e
resguardos plausíveis. Mantinha-se, porém, a lisura dos comportamentos, a
limpidez das ações. E isso tudo configurava um partido autêntico, ao contrário
dos nossos habituais clubes recreativos.
O PT atual perdeu a
linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus
da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta
naturalidade, com aqueles que partidos nunca foram. Seu maior líder, ao se
tornar simplesmente Lula, fez um bom governo, e com justiça ganhou a condição de
presidente mais popular da história do Brasil. Dilma segue-lhe os passos, com
personalidade e firmeza.CartaCapital apoia a presidenta, bem como
apoiou Lula. Entende, no entanto, que uma intervenção profunda e enérgica se
faça necessária PT adentro.
Tempo perdido
deitar esperança em relação a alguma mudança positiva em relação ao principal
aliado da base governista, o PMDB de Michel Temer e José Sarney. E mesmo ao PDT
de Miro Teixeira, o homem da Globo, a qual sempre há de ter um representante no
governo, ou nas cercanias. Quanto ao PT, seria preciso recuperar a fé e os
ideais perdidos.
Cabe dizer aqui que
nunca me filiei ao PT como, de resto, a partido algum. Outro excelente amigo me
define como anarcossocialista. De minha parte, considero-me combatente da
igualdade, influenciado pelas lições de Antonio Gramsci, donde “meu ceticismo na
inteligência e meu otimismo na ação”. Na minha visão, um partido de esquerda
adequado ao presente, nosso e do mundo, seria de infinda serventia para este
País, e não ouso afirmar social-democrático para que não pensem
tucano.
O PT não é
o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas audaciosos,
depois por incompetentes covardes. Neste exato instante a exibição de velhacaria
proporcionada pelo relator da CPI do Cachoeira, o deputado petista Odair Cunha,
é algo magistral no seu gênero. Leiam nesta edição como se deu que ele
entregasse a alma ao demônio da pusilanimidade. Ou ele não acredita mesmo no que
faz, ou deveria fazer?
Há heróis
indiscutíveis na trajetória da esquerda brasileira, poucos, a bem da sacrossanta
verdade factual. No mais, há inúmeros fanfarrões exibicionistas, arrivistas
hipócritas e radical-chiques enfatuados. Nem todos pareceram assim de saída,
alguns enganaram crédulos e nem tanto. Na hora azada, mostraram a que vieram. E
se prestaram a figurar no deprimente espetáculo que o PT proporciona hoje,
igualado aos herdeiros traidores do partido do doutor Ulysses, ou do partido do
engenheiro Leonel Brizola, obrigados, certamente, a não descansar em
paz.
Seria preciso pôr
ordem nesta orgia, como recomendaria o Marquês de Sade, sem descurar do fato que
algo de sadomasoquista vibra no espetáculo. Não basta mandar para casa este ou
aquele funcionário subalterno. Outros hão de ser o rigor, a determinação, a
severidade. Para deixar, inclusive, de oferecer de graça munição tão preciosa
aos predadores da casa-grande.
Mino Carta
é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e
CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição
de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da
Tarde.
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