BAHIA NOTICIAS
por Sylvia Colombo | Folhapress
Em 2019, quando a histórica relação conflituosa entre os países
voltou a azedar, contêineres e blocos de concreto foram colocados às
pressas nas principais pontes da fronteira entre Colômbia e Venezuela.
Naquela ocasião, o regime venezuelano tratou de bloquear a todo custo
a entrada no país de caminhões com ajuda humanitária, em parte
fornecida pelos EUA, que o líder opositor Juan Guaidó queria introduzir
em seu país. Até mesmo ele havia tido de recorrer às chamadas "trochas",
ou trilhas ilegais, acionadas e muito movimentadas quando a relação
piora, para conseguir chegar ao vizinho.
Nesta segunda (26), Colômbia e Venezuela darão um passo importante
para se reconciliar, ao reabrirem as fronteiras. Ainda não é o
restabelecimento total das relações, cortadas quando o então líder
colombiano Iván Duque decidiu romper com Nicolás Maduro e reconhecer
Guaidó como presidente interino.
A prioridade por ora é o comércio bilateral e o trânsito de
habitantes da fronteira, que compõem 30% das travessias diárias entre os
dois países em tempos de paz.
Refazer os laços com Caracas foi uma das controversas prioridades da
campanha de Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia,
que estará na cidade fronteiriça de Cúcuta para reabrir a ponte Simón
Bolívar, uma das mais movimentadas da América do Sul.
A Venezuela ainda não confirmou se Maduro estará lá, mas o regime
será representado por diversos integrantes da Assembleia Nacional, entre
os quais seu líder, o chavista Jorge Rodríguez.
Para a retomada da fluida relação política, porém, ainda há pontos a
esclarecer. A Venezuela pede que Petro repatrie exilados políticos
venezuelanos que vivem no país vizinho, como líderes da oposição,
jornalistas e acadêmicos contrários ao regime. O presidente colombiano
já afirmou que isso não acontecerá, porque violaria a liberdade de
expressão e o direito ao asilo garantidos pela Constituição.
Por outro lado, Bogotá precisa de Caracas para o ambicioso projeto da
"paz total" ""proposta de Petro de negociar saídas para os conflitos do
país com guerrilhas, paramilitares e outros grupos criminosos. A ideia é
iniciar com o ELN (Exército de Libertação Nacional), última guerrilha
em atividade no país, e dissidentes das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia), que se desmobilizaram oficialmente em
2016.
O papel da Venezuela no acordo com as Farc foi essencial, assim como
seria no caso de uma negociação com o ELN, pois muitos de seus
integrantes constituíram acampamentos do outro lado da fronteira
venezuelana. O chavismo também mantém, historicamente, relações com os
líderes das guerrilhas.
O encontro das duas delegações ocorrerá a partir das 10h (meio-dia em
Brasília) desta segunda-feira na ponte Simón Bolívar. No mesmo dia,
cinco voos diários conectando Bogotá a Caracas, das companhias aéreas
Avianca, Latam, Ultra, Wingo e Avior, voltarão a operar.
"A abertura será gradual, das pontes e dos voos. Na sequência, a
ideia é retomar o fluxo de caminhões e carros pelas estradas", disse o
ministro dos Transportes colombiano, Guillermo Francisco Reyes González.
A medida barateará consideravelmente o custo de viajar de um país a
outro, uma vez que nos últimos três anos era necessário fazer conexões
em países vizinhos. Também será restabelecida a conexão aérea entre
Bogotá e Valencia, importante polo industrial da Venezuela.
Os dois países já nomearam novos embaixadores dos dois lados. O
venezuelano Feliz Plascencia está em Bogotá e já se encontrou com Petro,
enquanto o colombiano Armando Benedetti esteve com Maduro em Caracas.
Os dois líderes só conversaram por telefone uma vez, assim que o
esquerdista venceu a eleição.
Segundo o governo colombiano, a perspectiva é que o comércio
bilateral chegue a US$ 1,2 bilhão em 2022 --no ano passado, a cifra foi
de US$ 400 milhões. O regime venezuelano festejou a reabertura porque
pela fronteira colombiana podem chegar produtos dos quais o país tem
sido privado devido a sanções.
A agenda de ambos os países possui muitos outros temas, e o mais
importante é o migratório. Desde o agravamento da crise humanitária na
Venezuela, a Colômbia é o país que mais recebeu refugiados do vizinho
--2,5 milhões, segundo cifras de Bogotá. Durante os anos mais sangrentos
do conflito colombiano, a situação era inversa. Hoje ainda vivem na
Venezuela mais de 1 milhão de colombianos.
A reaproximação, porém, encontra resistência na oposição colombiana.
Os partidos de centro e centro-direita condenam o reconhecimento de
Maduro como líder legítimo, já que a posição oficial da Colômbia foi a
de não aceitar os resultados das eleições constituintes de 2017 e a
presidencial de 2018.
Em Nova York, na semana passada, para a Assembleia-Geral da ONU,
Petro afirmou que a negociação do acordo de paz com o ELN seria
anunciada nos próximos dias, assim como um cessar-fogo multilateral.
O presidente espera reduzir os efetivos militares mobilizados na
fronteira, uma vez que dentro do plano da "paz total" está a diminuição
dos confrontos com grupos armados. Pelas "trochas", o trânsito de
narcotraficantes e contrabandistas é elevado e colabora para a alta taxa
de violência da região.
A aposta de Petro já se mostrou arriscada --em agosto, uma comitiva que precedeu uma visita ao Departamento de Norte de Santander foi atacada por dissidentes das guerrilhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário