MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 28 de dezembro de 2024

Empreendedora colombiana funda startup de gestão inteligente de energia, água e temperatura no Brasil

 


Ter uma empresa de referência e sucesso não é algo simples. Sendo mulher e estrangeira, as dificuldades podem ser ainda maiores. Cerca de ¼ delas já sofreram algum tipo de pré-conceito de gênero em seus negócios, segundo uma pesquisa do Sebrae, o que acarreta mais uma pedra no caminho daquelas que sonham em ser donas de suas próprias empresas.

Felizmente, com o fomento à discussão constante sobre este tema, vemos uma movimentação positiva no apoio a elas, para que conquistem seus sonhos sem barreiras discriminarias ou, até mesmo, geográficas.

Esse é o caso de Nataly Parga, colombina que veio ao Brasil em busca de melhores condições de vida e, hoje, é sócia-fundadora de uma startup de gestão inteligente de energia, água e temperatura.

Veja, abaixo, a entrevista completa sobre a trajetória, estratégias e planos da empreendedora:

 

Nome completo e idade:

Nataly Parga, 33 anos. Nasci em Arauca, na Colômbia.

Sou formada em Design Gráfico, tendo liderado diversas iniciativas em criação de produtos, branding e marketing, com uma visão voltada à sustentabilidade.

 

Com quantos anos começou a trabalhar, e qual foi seu primeiro emprego?

Comecei a trabalhar, formalmente, aos 17 anos, em uma loja de roupas. Porém, infelizmente, minha experiência profissional começou ainda mais cedo.

Cresci em Arauca, uma das regiões mais afetadas pela violência nos anos 90, no coração do conflito armado colombiano. Nessa época, os grupos armados, como o ELN e as FARC, estavam em confronto constante pelo controle territorial, e a violência era uma presença cotidiana. Deslocamentos forçados, sequestros, ameaças de morte e a insegurança faziam parte da realidade de todos, e o medo era um fator constante em nossas vidas. Não havia um dia em que não sentíssemos a sombra do conflito sobre nós.

Aos cinco anos, vivi o episódio mais traumático de minha vida. Minha família foi sequestrada por guerrilheiros do ELN. Nossa casa foi invadida de forma abrupta e violenta, meus pais foram separados de nós sob a mira de armas, e fomos forçados a assistir enquanto saqueavam tudo o que possuíamos. Eu, com apenas cinco anos, e minha irmã, com quatro, ficamos sob vigilância constante, aterrorizadas, sem conseguir compreender a gravidade do que acontecia.

Meus pais foram levados, escondidos em um caminhão coberto com sacos de alimentos, tentando passar despercebidos por postos de controle militar. Passaram horas sob tensão, sendo interrogados e ameaçados. Quando chegaram a um local isolado na selva, o sofrimento se intensificou. Minha mãe passou por abusos físicos e psicológicos inimagináveis. Além do medo constante e das ameaças, ela foi brutalmente agredida, enquanto tentavam quebrar sua resistência. Foi ali que ela enfrentou uma das exigências mais cruéis: ela foi pressionada a entregar suas filhas para o recrutamento forçado, ou nos deixariam ir embora, mas sem nada, sem nossos pertences e sem qualquer chance de sobrevivência.

Foi a coragem e a determinação de minha mãe que nos libertaram. Ela usou sua força, seu instinto de mãe, para convencer os guerrilheiros a nos liberar, argumentando que já havíamos sofrido o suficiente. Com sua resistência inabalável, conseguimos escapar daquela situação, fugindo para outra cidade, levando apenas o essencial e deixando tudo o que tínhamos. No entanto, o preço desse sofrimento foi alto. Infelizmente, meu pai não sobreviveu. Ele sacrificou sua vida para nos proteger e foi encontrado morto em uma fossa comum, com os outros corpos. Minha mãe o reconheceu pelas cicatrizes e pelos panfletos do ELN que estavam sobre seu corpo.

Esse episódio trágico foi decisivo para moldar minha visão de mundo e minha personalidade. A coragem de minha mãe, que suportou tanto abusos quanto a perda, e o sacrifício de meu pai me ensinaram o valor da resiliência, da luta incessante e da importância de proteger nossa família a todo custo. Esses princípios, forjados na dor e na perda, são o alicerce sobre o qual construí minha vida.

Após esse acontecimento, minha família se refugiou em outra cidade, onde meus avós e tio moravam. Foi ali que, aos sete anos, comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Meu primeiro emprego foi cuidar dos carros em uma escola de alto padrão nas proximidades. Também trabalhei com meu tio, vendendo queijos. Embora esses primeiros desafios profissionais tenham sido difíceis, eles foram fundamentais para moldar minha determinação e desejo de crescer, superando todos os obstáculos impostos pela vida.

 

Quais foram suas principais experiências profissionais na Colômbia?

Minhas principais experiências na Colômbia foram na área comercial. Trabalhei em uma loja de roupas quando tinha 17 anos e, no dia em que completei 18 anos, saí de casa e me mudei para uma cidade maior, porque sentia que precisava buscar novas oportunidades para progredir. Foi uma fase difícil, já que tinha pouco dinheiro e não contava com o apoio financeiro da minha família. No entanto, saí com coragem e disposta a fazer o que fosse necessário para alcançar meus objetivos.

Nesse período, passei por um longo e rigoroso processo de entrevistas e treinamentos de seis meses para conseguir uma posição no banco Davivienda. Essa foi, sem dúvida, uma das melhores decisões da minha carreira.

Comecei lá com 19 anos, e foi onde aprendi os valores de uma empresa que, realmente, apoia seus colaboradores — uma vez que ofereciam desde programas de financiamento para educação, até a possibilidade de conquistar um imóvel com taxas acessíveis. A cultura organizacional era tão forte que nos sentíamos parte de uma “família Davivienda.”

Ali, eu enxergava, nitidamente, a oportunidade de construir uma carreira sólida e estável. Contudo, ao ver uma possibilidade de crescimento em outro país, tomei a difícil decisão de sair e buscar novos desafios, o que me trouxe até o Brasil.

 

Como é a realidade profissional na Colômbia, sendo mulher? Quais foram suas maiores dificuldades?

Felizmente, na Colômbia, nunca tive problemas relacionados ao meu gênero no ambiente profissional, mas isso é baseado na minha experiência individual.

No geral, uma das maiores dificuldades era, justamente, a falta de flexibilidade no mercado de trabalho, o que me levou a uma escolha difícil entre estudar ou trabalhar. Sem recursos e sem o suporte financeiro da minha família, estudar parecia um objetivo distante.

Quando, finalmente, consegui um emprego e recursos para isso, percebi que o trabalho não oferecia flexibilidade de horário, o que tornava impossível conciliar as duas coisas. Tentei fazer as duas atividades por alguns meses, mas os horários se sobrepunham, e tive que escolher qual caminho seguir.

 

O que mais te marcou lá, enquanto profissional?

Mesmo enquanto eu trabalhava como vendedora, cheguei a ganhar mais do que o meu marido (Manuel), que havia estudado em uma boa universidade. Era difícil ver essa situação dele se esforçando e se dedicando, e ter empecilhos em conseguir uma oportunidade com maior remuneração.

No entanto, quando cheguei ao Brasil, fiquei deslumbrada. Vimos que nossa jornada poderia ser diferente, pois teríamos muito mais oportunidades do que na Colômbia.

 

Por que decidiu vir ao Brasil?

Meu esposo veio ao Brasil para fazer um mestrado em Porto Alegre, e vimos nisso uma chance de melhorar nossas perspectivas de carreira e de vida. Na Colômbia, as oportunidades eram mais limitadas e, mesmo que eu tivesse possibilidades de crescimento no banco onde trabalhava, essa mudança representava uma porta aberta de novos horizontes para nós dois.

Foi uma decisão corajosa, mas que fazia muito sentido para o que queríamos construir juntos. Sabíamos que enfrentaríamos dificuldades, e em alguns momentos faltou até dinheiro para o básico, como a alimentação.

Enfrentamos tudo lado a lado e nunca comentamos com nossas famílias para não se preocuparem. Pelo contrário, nossa presença aqui era também por eles, pelo desejo de construir um futuro melhor e retribuir o apoio que sempre nos deram.

 

Como foi seu processo de adaptação à cultura brasileira?

Fácil e desafiador, ao mesmo tempo. Fácil porque os brasileiros são incrivelmente acolhedores, alegres e receptivos à diversidade. Apesar de ter estranhado em um primeiro momento, por diferenças culturais, essa energia positiva me fez sentir bem-vinda desde o início. Mas foi também um desafio, especialmente por estar longe da minha rede de apoio.

Nos primeiros anos, meu esposo e eu enfrentamos muitos obstáculos. Foi um período complexo e intenso. Muitas vezes, precisávamos comer no refeitório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde a refeição custava apenas R$ 1,50. Em várias ocasiões, nem isso conseguíamos pagar, o que tornava a situação ainda mais difícil.

No entanto, ao olhar para trás, percebo o quanto essa experiência foi transformadora. Superar essas dificuldades me moldou e fortaleceu minha capacidade de adaptação e resiliência. Cada obstáculo vencido contribuiu para minha trajetória e me tornou ainda mais preparada e determinada a crescer no Brasil.

Uma característica que admiro muito aqui é o equilíbrio entre trabalho e descanso. Aqui, vejo que as pessoas valorizam tanto o esforço profissional quanto os momentos de lazer, o que cria um ambiente de vida mais saudável. Na Colômbia, a mentalidade é ainda muito focada em “trabalhar, trabalhar, trabalhar”, porque tudo lá acaba sendo um pouco mais difícil. Essa diferença me fez refletir sobre a importância de equilibrar a vida pessoal e profissional para ter uma qualidade de vida melhor.

 

Quais foram as maiores diferenças notadas entre o mercado profissional colombiano e o brasileiro?

Meu primeiro emprego no Brasil era como garçonete, e foi uma experiência que me deixou muito feliz. Mesmo sem falar português, me deram essa oportunidade, o que foi algo incrível.

Na época, eu morava em Porto Alegre, e as pessoas foram muito receptivas comigo. Era muito jovem e enfrentava bastante dificuldade para carregar as bandejas — pesava cerca de 48 quilos, pareciam imensas para mim. Mas, sempre lembrava que aquele peso era pequeno em comparação com a responsabilidade que eu carregava de estar aqui, longe de casa, buscando um futuro melhor pela minha família.

As maiores diferenças que percebi entre o mercado profissional colombiano e o brasileiro estão na mentalidade e na cultura organizacional. Aqui no Brasil, as pessoas têm uma mentalidade mais aberta, e o ecossistema de empreendedorismo é bastante acolhedor e colaborativo. Sempre que volto à Colômbia, noto que a hierarquia nas empresas ainda é muito rígida e vertical, o que pode dificultar a troca de ideias e a inovação.

Outra diferença significativa é o equilíbrio que o brasileiro busca entre o trabalho e a vida pessoal, algo que considero muito positivo. Na Colômbia, a mentalidade, muitas vezes, se resume em trabalho, o que torna difícil encontrar esse equilíbrio. Mesmo morando no Brasil há mais de 10 anos, ainda encontro desafios para estabelecer essa harmonia, especialmente como empreendedora.

Nos últimos anos, entre 2022 e 2023, enfrentei períodos difíceis de estresse, precisando parar várias vezes no hospital. Foi um aprendizado duro, mas este ano me tornei mais consciente da importância de cuidar da saúde e buscar esse equilíbrio tão essencial.

Notei, também, que aqui, o que determina o sucesso de um profissional não é apenas sua inteligência e conhecimento técnico aprofundado, mas também sua constância, dedicação e empenho. A determinação do povo brasileiro faz com que eles possam conquistar seus sonhos e ir além.

Mesmo sendo estrangeira, a receptividade dos brasileiros foi outro ponto que me surpreendeu muito positivamente. O Brasil não é só o país do carnaval, mas da diversidade, com pessoas muito acolhedoras que sempre me fizeram sentir feliz e à vontade.

 

Teve as mesmas dificuldades aqui, em questão profissional como mulher?

Aqui no Brasil, tive sim algumas situações desconfortáveis. Houve momentos em que entrei em reuniões e notei reações desrespeitosas, como risadas ou comentários com tom pejorativo sobre minha origem. Chegaram, também, a desacreditar do meu potencial e capacidade profissionais pelo fato de ser mulher

Na época, eu não tinha as ferramentas e o conhecimento que possuo hoje; se tivesse, teria reagido de outra maneira.

No entanto, essas situações isoladas não representam o Brasil como um todo. Vejo-as como exceções, pequenos “asteriscos” que aconteceram, mas que não definem minha visão sobre o país. Se eu passasse novamente por algo assim, tenho confiança de que agiria de forma diferente, com mais segurança e assertividade.

Até porque, vejo claramente um movimento enorme por aqui das mulheres se apoiando como um todo – algo que, na Colômbia, ainda não é tão percebido no dia a dia. É um tema que ainda precisa ganhar maior maturidade por lá.

 

Como vem sendo seu trabalho na Squair?

A Squair é uma startup que fundei junto com Manuel e um sócio brasileiro, com o objetivo de revolucionar a gestão de recursos essenciais como energia, água e temperatura nas empresas. Nossa plataforma IoT oferece uma gestão integrada que melhora a eficiência energética e operacional de ativos críticos, otimizando processos de forma eficaz e sustentável.

A ideia surgiu em 2018, durante um hackathon em Niterói. Inicialmente, queríamos usar sensores para monitorar espaços de idosos. Porém, percebemos que nosso impacto poderia ser ainda maior se focássemos na gestão de recursos em operações críticas e indústrias.

Durante a pandemia, o fechamento de escritórios gerou uma demanda crescente por soluções de monitoramento remoto. Esse cenário nos inspirou a desenvolver um dispositivo inovador, capaz de integrar-se aos principais multimedidores de energia, sistemas de ar-condicionado, termostatos de ativos frigoríficos e hidrômetros de água.

Nossa solução proporciona monitoramento em tempo real e otimização de consumo com o uso de inteligência artificial (IA), atacando diretamente os maiores vilões do consumo nas operações. O diferencial da Squair está na capacidade de integrar múltiplos medidores de água, energia e termostatos, permitindo uma implementação de baixo custo. Isso já resultou, por exemplo, em uma redução de 40% no consumo de energia em ativos refrigerados da Ambev.

Trabalhar na Squair tem sido uma experiência extremamente gratificante e transformadora. Em 2023, conquistamos a posição de top 9 na categoria Energy Tech no ranking 100 Open Startups, e neste ano de 2024, subimos 4 posições, consolidando ainda mais nossa presença no mercado. Além disso, fomos reconhecidos com o Prêmio de Inovação em Gestão de IoT Empresarial no IoT Breakthrough, uma conquista internacional que reforça nosso compromisso com a excelência e inovação.

Também recebemos um reconhecimento internacional. Sinto um grande compromisso em representar a Colômbia com orgulho, mostrando o valor que posso agregar como profissional e como mulher em um setor majoritariamente masculino. Contribuir para um mercado em expansão, que exige inovação constante, me motiva a continuar quebrando barreiras. Minha trajetória tem servido de inspiração não apenas para colombianos, mas também para mulheres que desejam se destacar no mundo da tecnologia e inovação.

 

Quais são seus planos futuros na empresa e como profissional?

Meus planos futuros na Squair envolvem consolidar nossa posição como referência em inteligência de dados aplicada à gestão de ativos frigoríficos. Quero ampliar nosso impacto, oferecendo soluções cada vez mais inovadoras e que realmente transformem o setor, especialmente no que diz respeito à otimização do consumo de energia e ao aumento da vida útil dos equipamentos.

Além disso, enxergo a Squair expandindo sua atuação para mercados internacionais, como a Colômbia, onde existe uma crescente demanda por eficiência energética e tecnologia de ponta. Nossa expertise pode apoiar empresas de outros países a alcançarem altos padrões de sustentabilidade e desempenho, e estamos comprometidos em levar essa proposta de valor para além das fronteiras brasileiras.

Espero, também, que nossa história possa inspirar outros estrangeiros para que venham ao Brasil em busca de seus sonhos. Em Porto Alegre, como exemplo, tem muitos colombianos tentando a vida por lá e trilhando o mesmo caminho. Estão saindo do nosso país em busca de melhores oportunidades, assim como eu e meu esposo fizemos, e quero muito poder, de alguma forma, incentivar esse movimento, pois sei quão difícil pode ser conquistar esses objetivos no meu país.



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Nathália Bellintani


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