Publicada pela editora Cachalote, livro de contos especulativos foi vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus
“Unindo
horror e ficção científica ao folclore e cultura do interior da
Amazônia, ele vem construindo uma obra que flerta com o que há de mais
contemporâneo na América Latina. É um autor que nasce universal.”
— Marcos Vinícius Almeida, escritor, jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária.
E
se os seres da ancestralidade mitológica da Amazônia resolvessem se
vingar das violências do capitalismo predatório, que destrói nossas
reservas naturais diariamente? O escritor e doutor em Ciências Sociais pela UNESP Ricardo Kaate Lima (@ricardokaate_lima) imaginou o cenário no livro de contos especulativos “A Lança de Anhangá”
(2024, 224 págs.), publicado pela editora Cachalote, selo do grupo
editorial Aboio criado em parceria com a Lavoura Editorial. A obra conta
com orelha de autora do escritor Luiz Bras.
O
segundo livro de Ricardo Kaate Lima nos brinda com ficção científica,
horror e fantasia ambientados no coração da Amazônia. Mais do que mero
cenário, porém, a floresta está viva e se torna uma personagem central
nos contos especulativos. Trata-se de uma mistura de investigação noir e
terror fantástico que aproxima a ficção brasileira de autores de
referência nos gêneros, como Stephen King e H.P. Lovecraft. A obra
venceu o Prêmio Literário Cidade de Manaus em 2022 na categoria Arthur
Egrácio, que avalia narrativas curtas.
Em "A Lança de Anhangá",
o mundo acaba várias vezes seguidas. No entanto, a vida insiste, e
entidades milenares despertam de sonos profundos para combater a
violência à qual seus territórios são submetidos. A sociedade amazônica,
sua rica cultura perpassada pelas disputas político-religiosas em
confronto com a resistência dos povos originários, é o fio que une as
sete histórias da coletânea.
No
conto que intitula a obra, temos a história do investigador Heitor, que
vive em um Brasil imaginário (mas nem tanto) sob um regime autoritário
liderado pelo Líder Supremo. Em uma investigação sobre tráfico de
crianças indígenas, ele entra em contato com um espírito ancestral
chamado Anhangá, que destrói e assombra todos os aqueles que cometem
crimes ambientais e violam os direitos humanos da Amazônia. Ao lado da
jornalista Nadja Paim, ele recebe um dossiê com todos os crimes
cometidos na região, porém, logo no começo de sua busca pela verdade, um
incidente vai transformá-lo naquele que pode vingar a humanidade.
Sem
transformar seu romance em um panfleto de denúncia, Ricardo consegue
traduzir a riqueza cultural da Amazônia e retratar todas as mazelas da
região, dando ênfase aos povos tradicionais que, diante da devastação
ambiental, do autoritarismo de Estado e a ganância das grandes
corporações, se veem de mãos atadas.
Anhangá
e Heitor, espírito e humano, se tornam faces de uma mesma luta: uma
batalha contra as consequências da modernidade, das tecnologias, da
corrupção, do tráfico de crianças e da opressão dos mais fracos pelos
mais fortes para a região e a cultura amazônica.
Para
além desses temas, o livro é também uma ode à possibilidade de reação
da própria natureza contra seus algozes, um grito de esperança na busca
pela autonomia dos povos indígenas e pelo reconhecimento de sua
espiritualidade como parte essencial para a libertação dos povos da
Amazônia.
“Meu mundo literário é a Amazônia”: a regionalidade como ética e estética
Ricardo
Kaate Lima nasceu em 1984, em Manaus, mas vive em Manacapuru, no
Amazonas. Além de estudioso da região, ele também se dedicou a pesquisar
sua paixão pela sua terra, tornando-se mestre e doutor em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Atualmente, é
professor do Instituto Federal do Amazonas - Campus Manacapuru e líder
do Grupo de Pesquisa Educação e Ciências Humanas na Amazônia. Como
escritor, foi vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus na categoria
“Melhor Livro de Contos” (2022). Escreve desde os dezoito anos para
combater a depressão. Já participou de inúmeras antologias de ficção
especulativa.
Para
Ricardo, a América Latina e a Amazônia são uma floresta de símbolos e
histórias quase inesgotável para a literatura e a arte. O que o motivou a
se debruçar sobre “A Lança de Anhangá” foi a necessidade de compartilhar o seu mundo através de sua subjetividade, misturando pesquisa e ficção. O
autor afirma que seu mundo literário é a Amazônia. “Eu sou, acima de
tudo, um amazônida falando sobre a minha região, escrevo sobre o que
conheço. Antes de ser brasileiro, sou amazônida”, frisa.
“Resolvi
aproveitar o rico legado da história e da cultura amazônica para falar
dos medos, fobias, monstros e toda sorte de desgraças que podem
acontecer conosco. Algumas já estão acontecendo”, ressalta. “Os mitos
amazônicos são tão assustadores quanto as histórias de Stephen King ou
os Deuses Exteriores de H.P. Lovecraft. Isso porque a história regional,
como a de toda América Latina, é baseada em traumas, violência e
dominação. Os mitos, relatos, folclore, cosmologia e causos, tudo
espelha ou é um reflexo da história sangrenta na periferia do
capitalismo ocidental.”
Abordar
também sobre a possibilidade de outros mundos, civilizações e universos
seduz o autor sob o ponto de vista estético. “É uma forma de refletir
sobre esse mundo terrível e ao mesmo tempo fugir dele. Criticar as
mazelas do mundo, mas também escapar dele. Eis porque misturo tudo que
li e pesquisei sobre essa Sibéria tropical em vias de desaparecer, que é
a minha região, com o horror cósmico, a dark fantasy, a ficção científica, o solarpunk e o cyberpunk”, justifica.
O
livro também serve para entendermos o descaso dos grandes centros
urbanos com o que se passa na Amazônia: “Concordo com a professor
Violeta Loureiro, quando diz que as elites dirigentes tratam a região de
forma muito similar como as elites metropolitanas tratavam o Brasil da
época da colônia: como um sertão bárbaro que deveria ser explorado a
qualquer custo a despeito das consequências humanas e ambientais. Não
existe terreno mais fértil para a ficção especulativa do que esse
contexto.”
Adquira o livro no site da Aboio:
https://aboio.com.br/loja/produto/a-lanca-de-anhanga-ricardo-kaate-lima/
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