MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Precisa passar pano para Putin?

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

A postura "sulglobalista" de Lula se encaixa em tendência internacional de grandes emergentes, mas a questão é saber o que o Brasil ganha com isso. E com certeza posições sobre guerra na Ucrânia são vergonhosas. Fernando Dantas para o Estadão:


A recepção de Lula ao chanceler russo Sergei Lavrov e a postura quase complacente do governo brasileiro à invasão da Ucrânia são profundamente lamentáveis.

Embora o Brasil tenha pouco cacife numa questão como a guerra de agressão russa - o que limita o estrago da posição de Lula -, é vergonhoso para os brasileiros essa benevolência com a aventura guerreira da ditadura de Putin, que tem elementos fascistas, assim como o bolsonarismo que o atual presidente do Brasil derrotou nas urnas.

Tomando-se o pano de fundo mais amplo da posição "sulglobalina" que o governo Lula persegue nas relações exteriores, entretanto, é inegável que se trata de um movimento que não ocorre no vácuo. A contestação à hegemonia americana e do chamado "ocidente", em nome de uma geopolítica multipolar, está na ordem do dia.

É bom frisar que, apesar de muitos brasileiros se considerarem ocidentais, a definição do termo no establishment anglo-americano exclui a América Latina. O Ocidente, nessa abordagem, compreende os dois países desenvolvidos da América do Norte, a Europa Ocidental e mesmo países geograficamente orientais como Austrália e Nova Zelândia. Japão e Coreia do Sul são aliados e um ou outro país da Europa Central e Oriental são admissíveis no clube.

No mundo atual, é inegável que países emergentes populosos e com economias relevantes, como China, Rússia, Índia, Turquia, África do Sul e Brasil, buscam de alguma forma, e em diferentes medidas, se contrapor - o que não significa renegá-la inteiramente - à ordem mundial renascida ao fim da segunda guerra mundial e regida pelo ocidente (não que antes não o fosse).

Em artigo publicado ontem no Financial Times, o principal analista de política internacional do jornal britânico, Gideon Rachman, trata exatamente desse confronto, e cita com destaque a visita recente de Lula à China, a posição do presidente do Brasil em relação à Ucrânia e seu questionamento à hegemonia do dólar.

Rachman menciona também um comentário do ministro das Relações Exteriores da Índia, S Jaishankar, criticando as sanções à Rússia (por causarem problemas econômicos globais que afetam os emergentes). Segundo o indiano, a Europa pensa que "os problemas da Europa são problemas do mundo, mas os problemas do mundo não são problemas da Europa".

E, como nota Louis-Vincent Gave, CEO da Gavekal, empresa internacional de pesquisa financeira, em recente relatório, a desdolarização da economia global é uma ideia que está ganhando fôlego.

Gave aponta algumas razões econômicas, para além das geopolíticas, que justificariam a contestação do dólar como moeda global e dos Estados Unidos como o regente da ordem econômica internacional.

Uma delas é que grande parte das crises econômicas globais recentes deveu-se a excessos cometidos principalmente nos Estados Unidos. Outra seria o fato de que os Estados Unidos, preocupados com a competição chinesa e na ânsia de se reindustrializar, meio que abandonaram a política do "dólar forte" dos anos 90 e 2000. O fim dessa postura complacente com a geração de grandes superávits por parceiros comerciais pode antagonizar grandes sócios da aliança ocidental, como Alemanha e Japão.

Segundo o CEO da Gavekal, "a desdolarização não ocorrerá do dia para a noite, mas uma nova retórica surgiu nos mercados de câmbio, e uma nova tendência parece estar se acomodando".

De qualquer forma, mesmo que a diplomacia do terceiro mandato de Lula esteja buscando se sintonizar com uma melodia de contestação ao ocidente que efetivamente ressoa hoje no mundo, resta saber em que esse posicionamento será útil para melhorar o bem-estar do povo brasileiro.

Certamente, uma maior parceria econômica com a China pode trazer muitas vantagens, mas muitos países, inclusive aliados próximos dos Estados Unidos, perseguem esse mesmo objetivo com relativa benevolência do governo americano. Não é preciso passar pano para a indefensável invasão da Ucrânia para isso.

No cenário brasileiro interno, a democracia ressurgiu como questão aguda durante o governo Bolsonaro, com todos os seus ímpetos autoritários e suas ações contra a institucionalidade democrática. É bom recordar que, no passado recente, o próprio PT, de forma exagerada e muitas vezes injusta (na visão da coluna), também foi acusado de nutrir planos antidemocráticos.

Dessa forma, a camaradagem de Lula com o regime de Putin e a "compreensão" tácita da invasão de uma nação democrática por um país ditatorial só servem para redespertar velhas paranoias em relação ao compromisso democrático do PT. Além de vergonhosa e imoral, é um posição contraprodutiva.
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