A criminalidade aumenta num país que já foi exemplo de combate a ela e hoje tem áreas dominadas pela teoria do desencarceramento. Vilma Gryzinski:
Um
número espantoso, até pelos padrões brasileiros, retratou a
condescendência com que criminosos são tratados na cidade que tinha seu
nome associado ao combate contra o crime. Um terço, ou 327, dos
criminosos que entram em lojas de Nova York e fazem um arrastão nas
prateleiras, uma prática que se tornou tristemente comum, já foram
detidos mais de seis mil vezes.
Leram
certo: seis mil vezes, equivalendo a uma média de pouco mais de dezoito
crimes por pessoa. “Alguns praticam os furtos como atividade
profissional, outros são levados pelo vício ou por doenças mentais”,
anotou o New York Times ao dar a espantosa informação.
Adicionalmente,
os crimes também se concentram em poucos pontos comerciais: 18 lojas de
departamentos e sete redes de farmácias constituem 20% dos alvos da
rapina.
Nova
York, que tem a peculiaridade de ser governada por um prefeito que foi
policial, Eric Adams, não está sozinha. Chicago hospeda ladrões em
série, especializados em vender produtos de luxo que seus comandados
entram e pegam das lojas, sem nenhuma repressão. A Califórnia virou um
paraíso dos ladrões: por lei, não processa furtos em loja envolvendo
menos de 950 dólares por dia.
Nada
surpreendentemente, muitas lojas vão fechando, diminuindo as opções
para os moradores e aumentando o processo de deterioração urbana. Um
supermercado da Whole Foods, rede de espetaculares produtos orgânicos
pertencente a Jeff Bezos, não durou nem um ano em São Francisco, uma
cidade de milionários onde sem-teto e drogados oferecem cenas
deprimentes, à altura das cracolândias brasileiras. A Walmart,
praticamente um sinônimo do estilo de vida americano, com uma infinidade
de produtos a bons preços. está fechando quatro lojas em Chicago.
A
inapetência da polícia para reprimir os crimes é incentivada por toda a
cadeia de comando da justiça, dominada nas grandes cidades por
promotores e juízes adeptos da descriminalização e do desencarceramento.
“A gente prende e eles soltam”, não é somente uma reclamação típica de
policiais brasileiros.
Em
Chicago, onde os bairros pobres reproduzem as guerras de gangues vistas
nos seus equivalentes no Rio de Janeiro, uma prefeita esquerdista foi
substituída por um prefeito mais esquerdista ainda. Brandon Johnson já
defendeu um tema clássico da categoria: cortar verbas destinadas à
polícia, isso em pleno florescimento da criminalidade. A ideia é
“redirecionar verbas dirigidas o policiamento e ao encarceramento e
colocá-las em serviços públicos que promovam a saúde e a equidade da
comunidade”.
Tradução: menos polícia, mais crime e serviços piores ainda.
Sem
falar em cenas inacreditáveis, como as de várias centenas de
adolescentes e jovens que saíram pelo centro de Chicago na noite de
sábado passado, destruindo carros e atacando pessoas aleatoriamente, num
retrato da anomia que a prefeita Lori Lightfoot está deixando como
legado.
A
percepção de que o crime será punido é um dos fundamentos das
sociedades civilizadas. Nela também se ancoram outros alicerces vitais,
como um bom sistema de educação para todas as camadas sociais,
oportunidades melhores para todos e incentivos aos menos privilegiados.
Sem ela, as escolas de bairros pobres são tomadas pela anarquia, os
ricos criam bolhas para se isolar do crime e as diferenças sociais
aumentam.
Como
é possível que uma cidade que se sente o umbigo do mundo, a Nova York
dos milhares e milhares de filmes e músicas, ocupante do lugar número um
na lista das que têm mais moradores ricos (nada menos do que 340 mil
milionários) tenha voltado à deterioração da qual foi salva por Rudolph
Giuliani e sua política de tolerância zero, baseada no princípio de que
uma única vitrine quebrada para um furto rápido tinha que ser reprimida?
Os
tempos, obviamente, mudaram. E, claro, os eleitores votaram em
candidatos tolerantes com o crime a ponto de que os ladrões, em vez de
furtivamente quebrar vitrines de madrugada, agora entram nas lojas à luz
do dia, pegam o que querem e levam para revender.
Outro
número do New York Times: em 2017, 60% dos furtos em lojas redundaram
em detenções. O número caiu para 34% no ano passado. Os furtos mais do
que dobraram nos últimos cinco anos, chegando a quase 64 mil em 2022.
O
aumento da criminalidade é concentrado nas “cidades problemáticas”, as
com autoridades públicas tolerantes com as “pequenas” infrações, como
Chicago, Los Angeles e Nova York — sendo que nesta, os homicídios
diminuíram, apesar dos roubos dispararem. No cômputo nacional, os
índices de criminalidade caem e as vantagens de morar num país rico, com
bom serviços, espaços infinitos e normas sociais sólidas ainda são
incomparáveis.
Como
muita coisa que acontece nos Estados Unidos acaba reproduzida no
Brasil, o pano de fundo é o mesmo: a convicção, entre juristas
ativistas, de que a injustiça social é responsável por todos os crimes e
a resposta deve ser dada pela condescendência com os criminosos,
tratados como vítimas.
Essa
tolerância, como temos constantes e dolorosas provas no Brasil,
inferniza a vida dos mais pobres, dos que saem de madrugada para tomar
ônibus para o trabalho tentando esconder o celular nas roupas, das mães
que temem perder os filhos para a bandidagem, dos que são totalmente
desprotegidos diante do poder dos criminosos.
A
tolerância deturpada da chamada aristocracia progressista corrói os
centros das cidades largados à própria sorte, abandonados ao tráfico e à
degradação. Ninguém sai ganhando, fora as falsas boas consciências.
Victor
Davis Hansen, talvez o único intelectual de direita com uma boa
projeção popular nos Estados Unidos, ironiza os bem intencionados que
toleram a derrocada urbana nos seguintes termos: “Ignorar ou perpetuar a
situação dos sem-teto é preferível a acabar com ela. É mais humano
deixar milhares de pessoas dormir, comer, defecar e usar drogas em ruas e
calçadas públicas do que propiciar habitações de baixo custo, tornar
obrigatória a hospitalização de doentes mentais e criar abrigos públicos
em quantidade suficiente”.
A
pobreza não deve ser criminalizada, mas moradores, comerciantes e
trabalhadores em áreas deterioradas também não podem ser punidos por
circular em lugares onde as autoridades públicas lavaram as mãos.
O
processo que corre contra Donald Trump em Nova York acabou levando a
uma reação de deputados republicanos. Obviamente por motivos políticos,
eles estão investigando a impunidade na cidade onde o procurador-geral
que enquadrou Trump, Alvin Bragg, é um dos maiores defensores do
ativismo jurídico.
Parentes
de vítimas assassinadas têm desfilado nas audiências da Comissão de
Justiça da Câmara comandadas pelo ultratrumpista Jim Jordan e ilustrado
casos como o do reincidente Rodney Johnson, para quem o procurador
“aliviou” uma acusação de assalto. Detalhe: Johnson tinha sido detido
nada menos que noventa vezes. Ao todo, o procurador rebaixou a gravidade
de 52% dos crimes que passaram por seu crivo. Em compensação, acusou de
homicídio agravado o atendente de um mercadinho, Jose Alba, por
esfaquear um assaltante.
A
criminalidade é, obviamente, um fenômeno multifatorial, interligada a
todos os complexos mecanismos sociais e econômicos e vai muito além da
ação isolada de um promotor ou de uma força policial.
Mas
é garantido que o combate a ela já entra mancando na corrida quando
perpetradores são considerados vítimas e as vítimas de fato, ignoradas.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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