BLOG ORLANDO TAMBOSI
E os resultados são incandescentes: confronto por repasses do governo federal vira crise entre poderes e cria caminhos sem volta. Vilma Gryzinski:
Normalmente,
é um assunto muito importante para os integrantes do poder executivo em
todos os níveis, mas que provoca desinteresse entre a população em
geral: os repasses dos impostos arrecadados pelo governo federal para os
estados e, no caso da Argentina, para a prefeitura de Buenos Aires, que
tem status similar ao das províncias.
De
assunto pouco acompanhado, em especial num país ainda em estado de
euforia máxima pela Copa do Mundo, o repasse virou uma crise grave
depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal garantindo um aumento
da cota de coparticipação destinada a Buenos Aires.
Certo
ou errado, o aumento detona as contas públicas já em situação de
extrema precariedade, apesar dos malabarismos que o ministro da
Economia, Sergio Massa, vem conseguindo fazer.
Por
ordem de Cristina Kirchner, governadores peronistas insuflaram o
presidente Alberto Fernández a simplesmente desobedecer a decisão.
Parênteses:
a situação argentina é o oposto da vista no Brasil nos últimos anos. O
governo de esquerda acusa o judiciário de favorecer a direita e
perseguir líderes peronistas como Cristina.
Em ambos os casos, a ideia da imparcialidade já foi há muito tempo pelos ares.
Considerando
a decisão do Supremo como uma afronta, Cristina insuflou seus
comandados no governo federal e nos estados a não deixar Alberto
Fernández aceitar a determinação.
Segundo o jornal Clarín, os governadores rebeldes usaram o seguinte tom:
“Esta decisão é uma vergonha. O Supremo quer governar em nosso lugar. Alberto, você precisa se dispor a não pagar nada.”
Fernández
vacilou e propôs um comunicado conjunto defendendo uma revogação da
decisão do Supremo, à qual, evidentemente, não cabem recursos.
O
Supremo também intimou os dois ministros envolvidos, Massa, e o
cristinista Wado de Pedro, do Interior, que comecem imediatamente a
fazer os repasses. Caso não o façam, incorrem em desacato – e prejudicam
suas chances na eleição presidencial, o verdadeiro pano de fundo de
todos esses conflitos.
O que acontece depois que um governo resolve não cumprir uma decisão do Supremo Tribunal?
Essa
é a grande questão que se abriu para a Argentina. Fernández, que foi
professor de Direito, não tem o perfil de quem tenta ganhar brigas
institucionais no gogó – ao contrário de Cristina, que amanhã vai falar e
muito provavelmente aumentar o grau do confronto. Ela já foi condenada
em primeira instância e tem mais dois processos por corrupção correndo.
Seguindo a conhecida tática de embolar tudo para salvar a própria pele,
Cristina está propondo até a mudança da capital. Isso mesmo, quer que os
órgãos do governo federal saiam de Buenos Aires, o tipo de ideia
brilhante para um país já em grave crise econômica.
Existe uma saída institucionalmente não traumática?
No
momento, é difícil enxergar algo assim. Alguém tem que recuar. O
Supremo ficaria desmoralizado se fizesse algo remotamente parecido. E
Alberto Fernández tem os “amigos” internos que o impedem de procurar uma
saída legítima.
“Um
professor da Faculdade de Direito que mandou desobedecer a Suprema
Corte de Justiça. Um presidente constitucional que se colocou do lado da
ilegalidade”, criticou Joaquín Morales Solá no La Nación, acusando
Fernández de “converter o kirchnerismo em chavismo puro e duro”.
“O
presidente que se exibia dizendo que em sua administração não foi alvo
de nenhuma causa penal, terá vários julgamentos pela frente:
descumprimento dos deveres funcionais e atentado contra a ordem
democrática, entre outros”.
Detalhe:
o prefeito de Buenos Aires, que equivale a um governador, é Horacio
Rodríguez Larreta, da oposição ao peronismo – e potencial candidato à
presidência. Ganhar repasses cortados pelo governo federal é,
obviamente, uma vitória que deixa insatisfeitos dos dois lados. Hoje ele
entrará com denúncia pelo não pagamento dos repasses contra a
presidente do Banco Nación, equivalente ao Branco do Brasil, Silvina
Batakis, que foi uma breve e mal sucedida ministra da Economia.
“O
que está em jogo é uma barbaridade institucional”, disse Larreta. “O
que está em jogo aqui é se queremos ser um país um país democrático e
republicano ou não”.
Com
a briga, a estrela dele ganha destaque. A de Alberto Fernández, que se
ilude com uma tentativa de reeleição, afunda mais ainda. E Cristina, que
anunciou que sai da política em dezembro próximo, arma uma estratégia
de longo prazo: conta que a oposição vai ganhar a eleição presidencial e
monta um quadro de confronto aberto com integrantes do judiciário que
não dançam conforme sua música.
Nem
a Copa nem as festas de fim de ano deram trégua aos argentinos.
Adicionalmente, eles criaram um problema para os vizinhos simpatizantes
da mesma tendência do governo: o Supremo Tribunal deles está agindo
contra ou de acordo com a democracia?
Postado há 1 hour ago por Orlando Tambosi
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