BLOG ORLANDO TAMBOSI
Terrorismo - e não crime contra o Estado - é o nome certo para o ato de violenta covardia que se tentou perpetrar com o intuito de provocar o caos e chamar a atenção para a causa dos manifestantes contrários à posse de Lula. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
"Incubadoras
de terroristas", assim definiu Flávio Dino, futuro ministro da Justiça
no governo Lula, os acampamentos de apoiadores do (ainda) presidente
Jair Bolsonaro nas portas dos quartéis depois que um desses
bolsonaristas radicais foi preso neste sábado (24) por plantar uma bomba sob um caminhão de querosene próximo ao aeroporto de Brasília. O homem, identificado pela Polícia Civil como um empresário do Pará que viajou para a capital para juntar-se aos descontentes com a eleição de Lula
e que gastou 170 mil reais em armas e explosivos, quase promoveu o
maior ato de terrorismo da história brasileira — não fosse o fato de ter
falhado em sua tentativa de acionar a bomba por controle remoto.
Terrorismo
é o nome certo para o ato de violenta covardia que se tentou perpetrar
com o intuito de provocar o caos e chamar a atenção para a causa dos
manifestantes contrários à posse de Lula, conforme confessou o
empresário à polícia.
No
entanto, segundo informações preliminares da polícia, ele não será
autuado por terrorismo, e sim por crime contra o Estado e por porte
ilegal de armas de fogo (ele tinha registro das várias armas que foram
apreendidas em seu apartamento alugado em Brasília, mas não autorização
para viajar com elas do Pará, onde ele mora).
A
pena para crimes contra o Estado é menor do que a prevista para atos de
terrorismo. Segundo o artigo 359-L do Código Penal, por exemplo,
"tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado
Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos
poderes constitucionais" é punível com pena de reclusão de quatro a oito
anos. Já o crime de sabotagem pode ser punido com pena de dois a oito
anos de reclusão. Esses dispositivos foram incluídos no Código Penal em
2021 após a extinção da Lei de Segurança Nacional.
Já
a Lei Antiterrorismo, promulgada em 2016, prevê pena de doze a 30 anos
de reclusão para quem, em um ato tipificado como de terrorismo, "usar ou
ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo
explosivos", sabotar o funcionamento de aeroportos, entre outras
instalações de serviços essenciais, e "atentar contra a vida ou a
integridade física de pessoa". Poderia servir com perfeição para
enquadrar o autor do ataque frustrado em Brasília na véspera de Natal,
não fosse um importante detalhe: a motivação política não está prevista
na definição de terrorismo segundo a lei brasileira.
Diz
o seu artigo 2º: "O terrorismo consiste na prática por um ou mais
indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia,
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando
cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado,
expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade
pública." Nenhuma palavra sobre motivação política.
Em
2017, oito réus com motivação religiosa — que planejaram, mas não
chegaram nem perto de promover, um atentado contra as Olimpíadas de 2016
no Brasil — foram condenados com base na Lei Antiterrorismo.
O
terrorista bolsonarista que efetivamente tentou mandar pelos ares um
caminhão-tanque, com potencial para causar muitas mortes e grande
destruição, contudo, não será alcançado pela Lei Antiterrorismo porque
legisladores de esquerda tiraram do texto final a tipificação do
terrorismo político, pois temiam que isso pudesse servir para punir
movimentos sociais que se valem de métodos violentos.
A
preocupação de muitos parlamentares, principalmente os de esquerda, em
blindar grupos como o MST, entre outros, era tanta, que incluíram na
versão final da lei uma bizarra cláusula para não deixar dúvida de seu
objetivo: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou
coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais,
sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional,
direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a
contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender
direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da
tipificação penal contida em lei.”
Nas
palavras do então senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que se opôs à versão
esvaziada da Lei Antiterrorismo, tentou-se criar uma espécie de
"terrorismo do bem", com uma definição incompleta desse tipo de crime —
uma verdadeira jaboticaba brasileira, pois como bem se sabe em países
como o Reino Unido, a Espanha e mesmo o Brasil (com seu significativo
histórico de atentados de terroristas de esquerda e de direita durante a
ditadura militar), o terrorismo é um fenômeno intrinsicamente político.
E
foi assim que a esquerda, obcecada em proteger seu militantes e
movimentos sociais da Lei Antiterrorismo, acabou por blindar também os
atuais terroristas de extrema direita de uma punição à altura de seus
crimes.
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