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por Milchele Oliveira | Folhapress
Menos de dois meses após ser reeleito com uma vitória sobre a
ultradireita, Emmanuel Macron disputa a continuidade de seu projeto de
governo com o outro extremo do semicírculo político, a ultraesquerda.
Dessa vez, a aliança arquitetada por Jean-Luc Mélenchon ameaça
atrapalhar os planos do presidente francês de conquistar a maioria
absoluta na Assembleia Nacional, passo crucial para implementar seus
planos de reformas. A eleição legislativa acontece em dois turnos, neste
domingo (12) e no próximo (19).
A Assembleia é formada por 577 deputados. Para uma coligação
conseguir a maioria absoluta, é preciso vencer 289 cadeiras. É em torno
desse número que o resultado da votação se tornou incerto. Se há cinco
anos a aliança liderada pelo partido de Macron abocanhou 350 assentos,
agora a ampla margem pode ser perdida para a união das siglas de
esquerda, um novo elemento no cenário partidário francês.
O obstáculo que vem sendo imposto ao presidente foi anunciado pelo
próprio Mélenchon poucos minutos após confirmada a reeleição, em 24 de
abril. Em seu discurso, vislumbrou uma frente unida que fosse capaz de
criar um "terceiro turno" e de transformá-lo em primeiro-ministro. Nos
dias seguintes, liderou conversas com outros partidos e, no começo de
maio, avisou que a aliança estava formada.
Batizada de Nupes (Nova União Popular Ecológica e Social), a chapa
une, além da França Insubmissa, socialistas, comunistas e verdes, que,
somados, receberam 30% dos votos no primeiro turno presidencial -em
terceiro lugar, Mélenchon obteve 21,95%. De improvável, devido às
divergências entre as siglas sobre pontos do programa comum e
reprovações de alguns de seus políticos ilustres, a aliança passou a ser
a segunda maior força desta campanha e tem chance de virar o maior
bloco de oposição na Assembleia.
Segundo o instituto Ipsos, a Nupes e a coligação de Macron, chamada
de Juntos, estão empatadas, com 27,5% e 28% das intenções de voto,
respectivamente. Em terceiro, com 20%, aparece o partido de Marine Le
Pen, derrotada por Macron. No entanto, devido às regras do pleito
legislativo, que não é proporcional, esses percentuais não refletem o
número de deputados que podem vencer por cada bloco político.
No levantamento divulgado na quarta (8), a projeção de cadeiras que a
chapa em torno do presidente poderá obter é entre 275 e 315, enquanto a
aliança de esquerda ficaria com uma cifra entre 160 e 200. A sigla de
Le Pen, Reunião Nacional, que não fez alianças, aparece com algo entre
20 e 55 cadeiras.
A diferença entre as duas forças que lideram diminuiu. Há cerca de 15
dias, o grupo pró-Macron tinha entre 290 e 330, ante 165 e 195 da
Nupes. De acordo com o instituto, apesar da vantagem, a maioria
presidencial não está garantida. Pelas regras, para vencer no primeiro
turno, um candidato precisa ter mais da metade dos votos válidos e ao
menos 25% do total do eleitorado, algo difícil de acontecer --em 2017,
somente quatro deputados ganharam na primeira rodada. Quando não há
vencedor, o segundo turno é realizado entre aqueles que tenham recebido
ao menos 12,5% dos votos do total do eleitorado.
Segundo analistas, ao disputar cada distrito sob uma mesma chapa, as
siglas de esquerda aumentam suas chances de chegar ao segundo turno, já
que, em um cenário fragmentado, um único partido tem dificuldades de
atingir os 12,5%. "Foi um golpe de mestre de Mélenchon. Trata-se de um
dado inédito e importante, que terá consequências partidárias para além
desta eleição", avaliou o cientista político Jérôme Jaffré, pesquisador
da universidade Sciences Po, ao jornal Le Figaro.
Além disso, Macron teria subestimado o fato de não ser mais novidade,
como há cinco anos, e a rejeição de parte dos eleitores, muitos dos
quais só votaram nele para evitar que a vencedora fosse Le Pen. A
pesquisa mostra que, para 62%, a ação do governo após a eleição tem sido
"muito lenta". O poder de compra, um dos principais temas do pleito
presidencial, segue como a maior preocupação dos franceses.
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Além de ter hesitado em relação à definição do gabinete ministerial,
anunciado quase duas semanas após a sua posse, Macron também evitou
fazer grandes anúncios sobre os rumos do seu segundo mandato durante a
campanha legislativa, o que, segundo a oposição, acabou por esvaziar o
debate das propostas.
Mélenchon, por sua vez, continua a prometer, como na campanha
presidencial, o aumento do salário mínimo, o congelamento de preços e o
controle de aluguéis, além de se contrapor a um dos principais projetos
de Macron, o aumento da idade da aposentadoria, de 62 para 65 anos, o
que, segundo o presidente, poderia acontecer daqui a um ano. O
ultraesquerdista defende que o limite caia para 60 anos.
Desde a semana passada, diante da dinâmica captada pelas pesquisas,
ministros próximos a Macron subiram o tom contra os adversários de
esquerda, classificados como um "casamento forçado" com fins meramente
eleitorais, não para "levar o país adiante". Nos últimos dias, o debate
se concentrou na atuação das forças policiais, criticadas pela
truculência contra torcedores antes da final da Champions League e pela
morte de uma mulher durante uma blitz de estrada no fim de semana. "A
polícia mata", publicou Mélenchon no Twitter, levantando nova onda de
críticas, inclusive do próprio Macron.
O presidente aproveitou o episódio para apostar em uma campanha do
medo, assim como fez na reta final contra Le Pen. "Nada seria mais
perigoso do que acrescentar à desordem global a desordem na França que
os extremos propõem", disse ele nesta quinta.
Além da conquista da maioria absoluta, outra incerteza ronda o
Palácio do Eliseu: a permanência ou não de 15 ministros que também são
candidatos a uma vaga na Assembleia. Segundo diretriz do presidente, os
derrotados terão que deixar o gabinete.
Uma coisa, porém, parece certa e pode interferir nos resultados. Estima-se que a abstenção se aproximará de 54%, o que seria um recorde e tende a beneficiar a coligação de Macron. "A despolitização pode favorecer uma maioria presidencial, mas é uma lembrança brutal do fraco apoio que o presidente tem na opinião pública", escreveu Brice Teinturier, vice-diretor da Ipsos.
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