O papel da verdade, das meias verdades e das mentiras. Murillo de Aragão para a Veja:
Na
política, a verdade e a mentira, exatamente como as taxas de juros
futuros, são cotadas diariamente a partir de fatos e interpretações. E
assim são compradas e consumidas. O processo é histórico. A política
desde sempre é preparada como uma refeição cujos ingredientes
transformam o prato a ser servido à opinião pública em uma espécie de
feijoada de factoides — composta de verdades, mentiras, mentiras
sinceras e meias verdades.
Nem
sempre, contudo, ganha a melhor feijoada. Isso porque o júri tem
padrões de julgamento carregados de preconceitos e de expectativas que
norteiam o seu veredicto sobre o que lhe é servido. Tampouco a verdade
leva vantagem nessa história, já que ninguém aguenta tantas verdades.
A
mentira tem o papel sociológico de conter conflitos e evitar certas
situações. Ou, como disse Nietzsche, a mentira é uma necessidade para
que possamos viver e superar as dificuldades apresentadas pela
realidade. E, como disse T.S. Eliot, a humanidade não suporta tantas
realidades.
No
preparo da política e na expressão de seus resultados, os preconceitos
existentes são ressaltados ou minimizados de acordo com a cotação do
momento das verdades e das mentiras. Na imprensa, tal fenômeno é
conhecido como agendamento e enquadramento — escolhemos o que queremos
falar e como falar. Na política é a mesma coisa. E também como cidadãos
queremos ouvir o que gostaríamos de ouvir e da maneira que nos apetece.
Esse
desejo de se satisfazer com o que vem da política provoca, em períodos
pré-eleitorais, um desfilar de fatos e ficções. E lembra a espetacular
declaração de Bill Clinton de que ele experimentou a maconha que um dia
lhe ofereceram, mas não tragou. Nos trens-fantasma dos parques de
diversão do passado, a técnica funcionava bem. Um pequeno vagão de
verdade transitava então por trilhos de verdade e o passageiro era
assustado por fantasmas de mentira que subitamente apareciam no trajeto.
O
Brasil, onde a busca do melhor para dirigir o país foi transformada em
uma corrida pelo menos pior, vive um momento especial para o analista. É
como se o país fosse um bufê a quilo em que só existissem, de fato,
duas opções. Na corrida pelo menos pior, a mentira está valendo mais do
que a verdade. Até pela escassez de explicadores que não tenham parti
pris.
O
que fazer? É difícil aconselhar em um momento como este, já que
qualquer coisa que se diga terá fundamentos em uma realidade que muitos
não querem ver. Já outros se alimentam das sensações geradas pelo
trem-fantasma dos parquinhos e são tocados pelas emoções de segunda
classe, que levam a conclusões precipitadas.
No
fim das contas, fato, ficção, verdade e mentira estão servidos
misturados à mesa da política nacional. Só nos resta especular, no
sentido clássico do termo. Primeiro, identificando o que é joio e o que é
trigo. Depois, separando-os, para fazer do trigo o melhor pão, mas com a
certeza de que o resultado não será o ideal. Por fim, ter a certeza de
que nós, como cidadãos, também temos de pôr a mão na massa para evitar o
pior.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793Eleições 2022
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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