O comunismo que a direita latino-americana vê como grande ameaça existe no campo das ideias, mas sua concretização – se podemos chamar assim – se dá por meio da convergência com o crime que tem avançado sobre a política em velocidade e capacidades jamais vistas. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Há
uma tendência na busca de explicação para o movimento político na
América Latina que ganhou força com a eleição do esquerdista Gustavo
Petro, no último fim de semana, na Colômbia. Muitos corações cheios de
candura justificam a vitória de Petro como a confirmação de uma reação
em cadeia, iniciada em 2018 com a eleição de Andrés Manuel López
Obrador, no México, e que passou pelas conquistas de Alberto Fernández,
na Argentina; Luis Arce, na Bolívia; Pedro Castillo, no Peru; Gabriel
Boric, no Chile; e que deverá atingir o seu ápice com a eleição de Lula
no Brasil. Consequentemente, o enterro da direita e a vitória contra o
fascismo que ameaçou a região.
Muitos
analistas recorreram à figura da “onda rosa” como forma de expressar
que o retorno da esquerda ao poder na região não representa e não
representará um repeteco das aspirações revolucionárias lideradas pelo
finado Hugo Chávez e endossada pelos seus parceiros bolivarianos – entre
os quais estavam Lula e Dilma Rousseff.
A
teoria da “onda rosa” ou esquerda light se baseia no princípio de que a
nova safra de esquerdistas que chega ao poder não tem em seu favor um
boom de commodities – como a fortuna petroleira que permitiu a Chávez
financiar o caos dentro e fora da América Latina. Esses novos líderes
também não teriam mais as condições para refundação de seus países ou a
sanha revolucionária socialista, que sempre resultou na destruição da
democracia e na fundação de economias quebradas e regimes ditatoriais.
Será?
Considerar
a quebradeira da economia formal como um limitador dos governos
bolivarianos é um pecado que resvala na inocência. A economia do ilícito
é uma força crescente na região e, em alguns casos, dominante. Não
existe exemplo mais bem acabado que o da Venezuela de Nicolás Maduro.
Com uma produção de petróleo que hoje é inferior àquela medida nos anos
30 do século passado, o país mergulhou na maior crise econômica e
humanitária do Ocidente. O tráfico de drogas, contrabando de ouro,
corrupção e a lavagem de dinheiro preencheram os espaços deixados pelo
colapso das atividades legais e se tornaram uma poderosa fonte de
receita e de poder.
A
Bolívia dos cocaleiros de Evo Morales é outro exemplo. O poder do
tráfico e o poder político se misturam de tal maneira que é uma tarefa
complexa separar o que é uma coisa ou outra. Quando se olha para as
atividades empresariais, há uma tenebrosa zona cinzenta, onde
personagens conhecidos do mundo da política e do tráfico de drogas
coabitam com o setor produtivo nacional.
Podem
faltar recursos para fazer o que deveria ser feito (sob a ótica de
governos regulares), mas não falta dinheiro para que estes governos
façam o que eles precisam fazer para continuar no poder.
A
economia do ilícito também mostra a sua força no Peru. Para muitos, o
Castillo presidente parece ter se convertido em uma versão light do
Castillo candidato. Mas, em silêncio, o Peru vai mergulhando em um
modelo de tráfico de drogas muito mais intenso. Assim como no México de
AMLO, o Peru tem expandido os cultivos de papoula para produção de
heroína.
E
a pressão para legalizar a produção de drogas, sob o pretexto de que
colocará fim ao tráfico, basicamente serve para trazer para dentro do
caixa oficial o dinheiro que circula por fora.
No
caso colombiano, o próprio candidato derrotado Rodolfo Hernández chegou
a prometer droga grátis como resposta ao tráfico. Como medida de
contenção, o Estado ia torrar o dinheiro dos contribuintes para bancar o
vício de alguns e encher os bolsos dos fornecedores. Uma ideia de
jerico sem tamanho.
Petro
não fará muito diferente. Especula-se que fará pouco na política de
repressão ao tráfico e deverá se esforçar para a descriminalização. Com
AMLO com o mesmo tipo de pensamento no México, a combinação pode ser
explosiva.
Nos
próximos dias, a comissão destinada à “justiça reparatória” publicará
seu relatório final. Um dos rascunhos pede uma nova Constituição para a
Colômbia. O texto será a faca e o queijo na mão para Petro dizer que
está apenas seguindo os conselhos de uma comissão que busca consolidar a
paz no país.
Vai
sair de bacana, mas vai fazer o mesmo que já foi feito no passado pelos
tais bolivarianos extintos. Reinventar o país por meio de uma nova
carta magna, fazendo parecer que apenas está atendendo às necessidades
do povo.
O
Chile caiu nessa arapuca, ainda na administração de Sebastián Piñera,
como esforço para amansar os radicais que foram para as ruas promover
uma série de quebradeiras no ano de 2019.
O
tal pragmatismo que os novos líderes de esquerda empreenderão nada mais
é que a esperteza de fazer melhor (na perspectiva deles) o que eles
precisam fazer para se manter no poder, sem repetir os erros e
atropelos.
O
comunismo que a direita latino-americana vê como grande ameaça existe
no campo das ideias, mas sua concretização – se podemos chamar assim –
se dá por meio da convergência com o crime que tem avançado sobre a
política em velocidade e capacidades jamais vistas.
O
crime nacional transnacional está na origem da corrosão da segurança
pública no hemisfério. E ele também está diretamente envolvido com a
implosão da democracia. Apenas para citar o exemplo brasileiro, os
membros do PCC se referem à organização como partido. Eles dizem isso
porque sabem do que são capazes e o que se tornaram. As autoridades
brasileiras também sabem muito bem, e há bastante tempo, como o crime se
infiltrou nos pilares institucionais e exerce sua influência de leste a
oeste do espectro político nacional.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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