BLOG ORLANDO TAMBOSI
Se você quiser silenciar alguém, é só insistir que suas palavras machucam, que essa pessoa ameaça a sua “segurança emocional”. Tom Slater, da Spiked, para a Oeste:
“A
liberdade está nos corações de homens e mulheres; quando ela morre ali,
nenhuma Constituição, nenhuma lei, nenhuma Corte podem fazer muita
coisa para ajudar.” Isso foi dito por Learned Hand, jurista e filósofo
jurídico norte-americano, em 1944. Se esse é o caso, as coisas parecem
bem desoladoras na Inglaterra no fim de 2021.
Para
encerrar outro ano de censura desenfreada, atacando uma instituição
após a outra, agora temos uma pesquisa da YouGov, empresa líder
internacional de pesquisa de mercado baseada na internet, com sede no
Reino Unido, mostrando que o público também não está tão feliz com a
liberdade de expressão. Aqueles que acreditam que deveríamos priorizar
“o fim do discurso ofensivo e de ódio” aparentemente ganham daqueles que
preferem “proteger a liberdade de expressão”, 43% a 38%,
respectivamente.
A
liberdade de expressão claramente não está vivendo nas mentes e nos
corações dos ingleses e das inglesas tanto quanto gostaríamos. Ainda
que, a julgar pelo detalhamento da pesquisa, são as mulheres que estão
deixando a bola cair, junto com os eleitores do Partido Trabalhista
Britânico e a faixa etária de 18 a 24 anos.
Até
que ponto as sociedades livres como a do Reino Unido de fato estiveram à
altura de seus valores liberais é algo discutível. Mas, pelo menos, até
recentemente, a liberdade era a aspiração, a história que contávamos
uns para os outros. Cada vez menos parece ser o caso, como muitos
momentos sinistros em 2021 deixaram extremamente claro.
Basta
lembrar o caso da escola Batley Grammar. É quase perdoável esquecer
que, em março de 2021, em Yorkshire, na Inglaterra do século 21, um
professor foi afastado por blasfêmia e forçado a se esconder depois de
ser ameaçado por muçulmanos e manifestantes nos portões da escola. Tudo
porque ele mostrou quadrinhos do profeta Maomé em uma aula de ensino
religioso.
Fanáticos
religiosos fecharam a escola por dias e aterrorizaram um professor
muito querido. E todos os envolvidos basicamente cederam à vontade
deles. O membro local do Parlamento, membro do Partido Trabalhista
Britânico, considerou a aula “inadequada”. O diretor publicou um pedido
de desculpas bajulador. Os sindicatos de professores baixaram a cabeça
enquanto um dos seus temia pela própria vida.
A
luta pela liberdade de expressão foi construída com base na zombaria de
deuses e profetas. Que a punição à blasfêmia tenha voltado ao Reino
Unido neste ano mostra a profundidade com que perdemos a fé na liberdade
de expressão. Mas havia algo de muito moderno, bem como de antiquado,
nesse escândalo específico.
Os
manifestantes em Batley, disfarçados de representantes dos muçulmanos
britânicos, usaram uma ideia de vitimização e fragilidade emocional que
está na moda. O professor e seus defensores estavam “usando a liberdade
de expressão como uma desculpa” para “magoar e ofender alguém”, como um
suposto líder comunitário discursou para uma multidão de manifestantes.
“Nós,
da comunidade islâmica, nos opomos e condenamos o uso de todo e
qualquer material religioso ofensivo nas escolas”, disse outro,
afirmando falar em nome de todos os muçulmanos, enquanto lia uma
declaração preparada com antecedência. A aula blasfema, ele afirmou,
deixou as crianças “preocupadas com sua segurança e seu bem-estar”, e a
polícia deveria ser envolvida.
Quadrinhos
muçulmanos não são mais apenas blasfêmias contra o profeta, são ataques
emocionais às pessoas de fé. A parlamentar inglesa Naz Shah, do Partido
Trabalhista, afirmou algo parecido em julho, quando pediu a
criminalização daqueles que “difamarem, caluniarem ou ofenderem o nosso
profeta”. “O dano emocional causado em nossos corações é insuportável”,
disse ela.
Aqui
vemos a tolerância religiosa entendendo como o jogo é jogado hoje em
dia. Se você quiser silenciar alguém, é só insistir que suas palavras
machucam, que essa pessoa ameaça a sua “segurança emocional”. “Eu me
ofendo, portanto, eu censuro” se tornou o lema da nossa era, e ele
perpassa muitas das disparatadas batalhas relacionadas à liberdade de
expressão vistas nos últimos 12 meses.
Quando
Kathleen Stock foi expulsa da Universidade de Sussex neste ano, uma
acusação semelhante foi feita. “Kathleen Stock coloca a segurança de
estudantes trans em risco”, dizia um dos cartazes mais educados
pendurado no trajeto que ela fazia pelo campus. “Se eu tivesse aulas com
ela, não me sentiria seguro academicamente”, um membro da sociedade
LGBTQ+ de Sussex afirmou ao Financial Times.
“Sentir”
é a palavra-chave. Stock nunca endossou nem incitou à violência contra
pessoas trans. Ela nunca fez nenhuma afirmação remotamente transfóbica.
Ela apenas acredita que o sexo é imutável e que certas coisas decorrem
disso. Mas, por se recusar a seguir a ideologia de gênero, ela foi
apresentada como uma ameaça à segurança dos estudantes.
Do
outro lado do oceano, pelo crime de contar piadas sobre a
transgeneridade em seu mais recente especial para a Netflix, o
incancelável Dave Chappelle foi praticamente acusado de assassinato
alguns meses atrás. “Estamos aqui hoje porque não aceitamos uma piada”,
disse Ashlee Marie Preston, organizadora de um protesto contra Chappelle
do lado de fora dos escritórios da Netflix em outubro. “Estamos aqui
hoje porque piadas tiram vidas.”
Falando
em defesa de Chappelle, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, insistiu que a
comédia não contribuía com nenhum “risco do mundo real”. É disso que a
liberdade de expressão trata essencialmente: a distinção entre palavras e
violência, e o princípio de que, se alguém comete alguma atrocidade, a
responsabilidade é dele — a culpa não pode ser colocada nos livros, na
música, nos video games nem nas comédias de que essa pessoa gosta.
Mas
isso é uma abominação para os pretensos censores de hoje em dia, que
consideram praticamente tudo incitação à violência e cuja ideia do que
constitui dano é cada vez mais nebulosa. Como Lourdes Ashley Hunter, do
coletivo Trans Women of Color, afirmou ao Washington Post durante o
escândalo de Dave Chappelle: “O dano nem sempre é físico… Ele é
psicológico, é emocional”.
A
liberdade de expressão simplesmente não consegue sobreviver a essa
ideia. A convicção de que palavras podem ferir e matar como balas ou um
cassetete é um cheque em branco para a censura; quem tem permissão para
falar é determinado por quaisquer grupos que tenham peso suficiente, ou
inspirem terror suficiente, entre a classe dominante em qualquer
situação específica.
Mesmo
os censores do Estado de hoje em dia seguem esse roteiro terapêutico.
Vejamos o projeto de lei “Online Safety”, que tem como objetivo contar
discursos “legais, porém danosos”, ou a coleção das forças policiais
inglesas de supostos “incidentes de ódio não criminosos” — uma prática
orwelliana que, ainda bem, foi derrotada pelo ex-policial Harry Miller
no tribunal —, mas que a polícia ainda considera necessária para
“proteger pessoas e comunidades vulneráveis”.
O
paradoxo nisso tudo é que a fetichização do dano emocional parece estar
alimentando um tanto de dano físico, pelo menos, de ameaça física.
Neste ano, da escola Batley Grammar para a Universidade de Sussex,
passando pelas menções a J.K. Rowling, muitas pessoas que afirmam ter
sido “feridas” por palavras ou imagens tiveram pouco remorso em ameaçar,
causar dano de fato a outros. Também parecemos ter esquecido Hatun
Tash, ex-muçulmano convertido em pastor cristão que foi atacado com uma
faca no Speaker’s Corner. Esse conflito é alimentado pelos limites
borrados entre discurso e violência. Porque, se palavras são violência,
então a violência é uma reação legítima às palavras.
É
possível que não exista um fim para isso. E uma sociedade que troca
liberdade de expressão por segurança emocional logo vai descobrir que
não tem nenhuma das duas. Essa autovitimização só pode gerar mais
autovitimização. Quanto mais você insiste que as pessoas são vulneráveis
às palavras, mais você as encoraja a destruir ideias que as incomodam, e
mais instáveis e histéricas elas se tornam.
Em
2021, vislumbramos o que uma tirania de mágoas pode se tornar. Em 2022,
precisamos garantir que a liberdade esteja nos corações e nas mentes
das pessoas de novo.
Tom Slater é editor da Spiked
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