Quero dizer o que penso, comer o que me apetece, assistir aos espetáculos de que gosto, ler os autores da minha preferência e conhecer a História como ela foi e não à luz de uma ideologia imposta. Raquel Abecasis para o Observador:
1.
Mais um ano preenchido com Covid de manhã, à tarde e à noite. Já não é
notícia. Mas se querem continuar a fazer o relatório diário, é favor
contarem a história toda: número de infetados, número de internados,
comparação com o ano anterior, comparação do número de infetados em
internamento com o que se passa em países onde a vacinação não foi um
caso de sucesso como em Portugal. Se contarem a história assim,
completa, vão ver como o tema deixa de ser notícia num ápice.
2.
Mais do mesmo a 31 de janeiro. Se, depois de tudo o que se passou nos
últimos dois anos, voltarmos a entregar ao país um resultado eleitoral
semelhante ao de 2019, estamos a dizer a António Costa que a sua
governação é a indicada para o país. Ao PCP e ao BE, que fazem bem em
sair de cena sempre que as responsabilidades não derem para um outdoor a
reclamar novas conquistas. Aos ministros, que a responsabilidade
política é um valor descartável, mesmo quando aldrabam currículos para
nomear os seus, ou quando se perdem vidas humanas pela incúria do
Estado. Ao país em geral, que está tudo bem, vamos no caminho certo e
termos uma economia cada vez menos competitiva não é um problema desde
que o Estado continue a pagar tudo a todos.
3.
Mais 12 meses de um Presidente a traçar cenários para o futuro e a
comentar evidências, sem tomar posições claras sobre a situação do país.
Em 2022 pode desenhar-se um país diferente, mas para isso é preciso que
Marcelo Rebelo de Sousa seja exigente no seu papel de Presidente. Tendo
dissolvido o Parlamento antes de tempo, tem agora de arriscar ser
impopular e garantir que, depois das eleições, não ficamos com um
pântano maior do que aquele em que nos estamos a afundar.
4.
Um país em que a palavra liberdade é usada exclusivamente por aqueles
que só pensam em limitar as opções e as oportunidades. A liberdade de
escolha, na saúde, na educação, nas opções individuais, nas empresas que
garantem o futuro do país, tem que deixar de ser um tabu. A caminho dos
50 anos do 25 de Abril, mais importante do que comemorar a efeméride é
garantir que o país goza plenamente da liberdade que nos foi prometida.
5.
Um sistema de saúde que continua a desprezar a saúde mental, apesar de
reconhecer que esta é a pandemia que mais se agravou com o Covid. É
preciso desestigmatizar a saúde mental e trazer a doença para o centro
do debate público. Só assim é possível prevenir, tratar e atenuar o
impacto que esta doença deixada à solta tem em toda a sociedade, dos
mais novos aos mais velhos.
6.
Uma injustiça travestida de justiça graças a processos que ninguém
entende. São necessárias menos prisões preventivas e mais resultados
efetivos. Para quem não é especialista no tema é incompreensível que
processos semelhantes sejam rapidamente julgados noutros países,
incluindo aqui ao lado, em Espanha, e em Portugal continuemos a viver em
sobressalto, com casos que se arrastam durante décadas, tantas que
muitas vezes, quando chegam ao fim, os responsáveis já não estão cá.
7.
Mais casos e casinhos a imporem-nos o pensamento único, a cultura do
cancelamento e os polícias da linguagem. A diversidade é a maior riqueza
do ser humano. Prefiro que regressemos ao lema “Todos diferentes, todos
iguais” do que alinhar na utopia agressiva do “Temos todos que ser
iguais”. Não quero pensar o que todos pensam, não quero viver como todos
vivem, não quero ocupar lugares por via de uma quota. Quero dizer e
escrever o que penso, comer o que me apetece, assistir aos espetáculos
de que gosto, ler os autores da minha preferência e conhecer a História
como ela foi e não à luz de uma ideologia que me é imposta.
8.
Ter um país a discutir a cultura do descartável em vez de procurar
resolver problemas que nos colocam na cauda da Europa em matéria de
apoio aos mais idosos, às pessoas com necessidades especiais ou na
prestação de cuidados paliativos aos que estão em situação de
sofrimento. Abrir a porta à Eutanásia, ainda que se lhe chame morte
assistida, é em si mesmo um ato que contraria aquela que deve ser a
nossa primeira missão enquanto sociedade: defender a vida,
particularmente a dos mais frágeis e mais necessitados. Num país com um
histórico tão mau nas respostas aos mais necessitados, a Eutanásia só
pode ser encarada como um expediente para eliminar aqueles a quem não
conseguimos acudir.
9.
Mais e mais estruturas políticas, mais administração pública e mais
burocracia que só servirão para infernizar ainda mais a vida dos
cidadãos. Não é com mais Estado que resolvemos os problemas do país, é
exatamente o contrário. A regionalização não é, nem pode nunca ser a
solução para o fim das assimetrias nacionais, nem para resolver o
problema da desertificação do interior. Quem sabe o que é uma repartição
pública, um ministério ou um balcão municipal só pode ficar de cabelos
em pé com a ideia de vir a ter que bater a mais uma porta do Estado para
resolver os seus problemas.
10.
Estarmos a caminhar para uma realidade terceiro-mundista em que a
classe média está a desaparecer em nome de uma realidade fictícia, em
que se quer aproximar o ordenado mínimo dos níveis europeus sem fazer
nenhuma transformação na economia real. O país precisa de criar
oportunidades para uma geração, a mais bem preparada de sempre, mas
também muito talentosa, que, não vendo aqui condições para concretizar
os seus sonhos, parte para outras paragens, onde o seu valor, o seu
mérito e o seu talento são reconhecidos. Temos que parar de exportar
cérebros que podiam bem dar a volta a este país.
11.
Fazer o discurso dos remediados que enchem a boca com a média europeia.
Portugal precisa de ambição e de uma estratégia. Temos qualidades e
talento para aproveitar as circunstâncias atuais a nosso favor. O
digital e o teletrabalho eliminam um dos maiores obstáculos ao nosso
desenvolvimento. Sermos um país periférico. A urgência em tornar as
nossas economias mais sustentáveis pode abrir inúmeras oportunidades a
Portugal, que tem condições únicas para desenvolver processos,
tecnologias e produtos de ponta. Pensemos no mar que temos por explorar,
agora que temos uma plataforma continental que faz de nós um dos
maiores países europeus.
12.
Viver num mundo à beira da guerra em que os principais responsáveis
políticos agem como se a História não nos tivesse ensinado nada. As
“America t” e outras larachas deixaram o mundo à deriva e cada vez mais
nas mãos de poderes totalitários e expansionistas como a China e a
Rússia. O mundo precisa urgentemente de recuperar uma diplomacia
inteligente e especialistas capazes de aconselhar os atuais políticos
impreparados, para evitar um desfecho cada vez mais próximo. A
ignorância foi no passado a principal causa de guerras e tragédias para a
Humanidade. Há que abrir os olhos enquanto é tempo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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