MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 16 de janeiro de 2022

Apoio popular ao casamento gay caiu. Culpa da política identitária?

 



Uma das razões para a queda pode estar na forma como os LGBT conquistaram seus direitos. No Brasil, foi por ativismo judiciário, com a justificativa de muitos juristas de que havia uma “inação” do Congresso em legislar a questão. Eli Vieira para a Gazeta do Povo:


Uma nova pesquisa de opinião realizada pelo PoderData este mês revela que o apoio ao casamento gay caiu no Brasil no prazo de um ano, de 51% em janeiro de 2021 para 45% agora. Enquanto isso, os opostos ao casamento de pessoas do mesmo sexo aumentaram de 33% para 39%. Os que não souberam responder permaneceram estáveis em 16%. A pesquisa envolveu três mil respondentes espalhados por 501 municípios em todos os estados do país, e tem margem de erro de dois pontos percentuais. O PoderData detectou, também, uma relação inversa de intensidade de apoio ao governo Bolsonaro e desaprovação ao casamento gay. 65% dos respondentes pensam que existe preconceito contra homossexuais no Brasil — até entre os apoiadores do presidente, somente 32% pensam que o preconceito não existe.

A tendência de perda da popularidade dos LGBT parece ser observável em outros países ocidentais. A ONG americana GLAAD fez uma pesquisa em 2019 investigando atitudes para com as minorias sexuais entre americanos. Entre os jovens dos 18 aos 34 anos, 63% declaravam-se confortáveis ao interagir com os LGBT em 2016. O número caiu para 45% em 2018.

Na Europa, observa-se uma divisão entre Oeste e Leste nesta questão. Enquanto maiorias na parte ocidental do continente aprovam o casamento gay, somente a República Tcheca, entre os países do Leste europeu, apresenta esse padrão. Em todos os outros na região, maiorias fazem oposição. É possível que isso reflita uma mudança recente por lá, pois a Polônia, por exemplo, foi um dos primeiros países do continente a descriminalizar a homossexualidade, em 1932. A Inglaterra e o País de Gales só fizeram isso em 1967. Hoje, a Polônia tem “zonas livres de ideologia LGBT”. Já a Hungria baniu por lei informações que “promovem a homossexualidade a mudança de gênero” nas escolas.

O instituto Gallup acompanha a questão nos Estados Unidos desde 1997. Até 2021, a opinião pública americana fez uma inversão total: de 68% contrários e 27% favoráveis em 1997 para 29% contrários e 70% favoráveis em 2021. Esta é considerada uma das mais rápidas mudanças de opinião e atitude de uma sociedade na história recente. No Brasil, em 2011 o Supremo Tribunal Federal mudou sua interpretação constitucional, estendendo a união civil a casais do mesmo sexo, o que foi convertido em casamento civil pelo CNJ logo depois.

Algumas razões da queda de popularidade

Fenômenos sociais como a opinião pública são multicausais. É difícil estabelecer que motivações estão por trás de cada mudança pois, como dita a sabedoria popular, cada cabeça é uma sentença, e isso é difícil de sistematizar em números. Os respondentes são sensíveis a vários fatores, inclusive à forma como as perguntas foram formuladas e aos termos — muitos, por exemplo, podem não estar cientes de que o casamento civil gay, sob os auspícios de um Estado laico, não significa obrigatoriedade de casamento religioso gay, pois neste caso impera a liberdade religiosa. Além disso, a queda de popularidade aparente dos LGBT pode ser apenas local, não representativa da tendência geral.

Uma das razões para a queda pode estar na forma como os LGBT conquistaram seus direitos. No Brasil, foi por ativismo judiciário, com a justificativa de muitos juristas de que havia uma “inação” do Congresso em legislar a questão. Na Suíça, o casamento gay foi aprovado por plebiscito em setembro de 2021. Na Argentina, o casamento gay é legal desde 2010 e passou pelas duas casas do parlamento, o que realça seu caráter como decisão democrática. Como conta o filósofo social Jonathan Haidt, as pessoas são sensíveis à “justiça de procedimento”: mesmo se discordarem, tendem a não protestar contra decisões sociais se perceberem que regras aplicadas igualmente a todos foram seguidas. Essa impressão é enfraquecida pelo ativismo judiciário, que parece mais uma intervenção monocrática que enseja um tratamento desigual.

Uma das explicações favoritas dos próprios ativistas é que a marcha à ré na percepção dos LGBT em alguns lugares advém da polarização política, em que as pessoas cada vez mais se identificam como pertencentes a um de dois grupos políticos antagônicos, tendo de seguir uma cartilha de seu próprio grupo em todo tipo de assunto. É uma hipótese viável, mas os ativistas vão tender a diminuir a sua própria responsabilidade.

A psicóloga canadense Nadia Bashir, da Universidade de Toronto, publicou com colaboradores em 2013 um artigo com título “O impacto irônico dos ativistas: estereótipos negativos reduzem a influência das mudanças sociais”. O artigo traz uma série de cinco estudos com amostras pequenas de menos de 250 pessoas, mas seu mérito está na retestagem: os estudos convergem para uma conclusão. Bashir discute que as pessoas são resistentes à mensagem dos ativistas porque associam os ativistas a figuras beligerantes e excêntricas.

Beligerância e Excentricidade

De fato, há uma narrativa de que a beligerância é o mais importante, se não o único curso de ação para minorias discriminadas entre ativistas progressistas. No movimento LGBT, há uma ênfase na importância da revolta de Stonewall, que ocorreu há mais de cinquenta anos e, portanto, bem antes da mudança da opinião pública observada desde 1997 nos Estados Unidos. Este fenômeno, de exagerar a importância da “luta” e diminuir a importância da persuasão, é observado também na interpretação acadêmica da abolição da escravidão. Como conta o psicólogo Steven Pinker no livro 'Os Melhores Anjos da Nossa Natureza', a persuasão, por exemplo via livros de ficção, foi muito importante para a abolição da escravidão — mas historiadores marxistas tentam reduzi-la a interesses econômicos do Império Britânico. Há, portanto, uma ênfase sem muito compromisso com evidências em grupos em conflito, que se torna pior quando há uma adoção da política identitária ou identitarismo, que enfatiza dicotomias como opressor vs. oprimido. Muitos dos ativistas tentam dar o crédito pelos avanços à sua beligerância.

Erica Chenoweth, professora de relações internacionais na Universidade de Denver, Colorado, é uma das maiores especialistas no assunto da eficácia do ativismo violento. Usando uma amostra de campanhas por mudanças sociais desde os anos 1940, ela mostra que as violentas em geral fracassam e as não-violentas em geral são bem-sucedidas, o que levanta dúvidas sobre a narrativa de muitos ativistas sobre a razão do sucesso de seu ativismo.

Para o advogado mineiro Hugo Freitas, que já trabalhou com matrimônio e divórcio de casais do mesmo sexo, a descriminalização da homossexualidade no Brasil em 1830 “foi decorrência do liberalismo clássico. A maior tolerância à homossexualidade na sociedade hoje foi decorrência de movimentações sociais não-coercitivas. Gays não devem nada ao punitivismo estatal”. O historiador britânico Rictor Norton concorda: estudando a homossexualidade no Reino Unido durante o século XVIII, Norton aponta que os gays, ao serem presos por crime de sodomia, a partir de certo ponto passaram a utilizar o argumento liberal de John Locke em defesa própria: “não há Crime em fazer o uso que eu quiser do meu próprio Corpo”, disse William Brown, preso por sodomia em 1726. Além disso, vem do liberalismo o princípio de igual tratamento perante a lei, que dá base ao argumento a favor do casamento civil gay.

Há uma verve punitivista e autoritária nas versões mais recentes do movimento LGBT, que se afastaram de discussões científicas sobre as origens da homossexualidade e abraçaram a “teoria queer”, derivada do pós-modernismo, um movimento intelectual progressista nascido na academia que prega o relativismo moral, o relativismo quanto ao conhecimento e a “desconstrução” de “metanarrativas” como a ciência e a religião, além de subjetivismo. Isso é refletido na alteração da sigla de LGBT para LGBTQ: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e pessoas queer — um termo americano que era pejorativo, mas agora designa identidades vagas que praticamente inexistem entre pessoas que não são de esquerda. Apesar do relativismo, há uma incoerente insistência em políticas como a criminalização do “discurso de ódio”, que é considerado realmente errado, sem relativismo, em nome do qual é abandonado qualquer compromisso com a liberdade de expressão. As redes sociais, que fazem censura usando classificações de agências de checagem de fatos, também censuram pessoas quem usam termos considerados pejorativos contra LGBT, mesmo que sejam LGBT.

A preferência pelo pós-modernismo e pela excentricidade realça a divisão com a população e o senso comum, que se exacerba quando os ativistas insistem, por exemplo, que devemos duvidar dos nossos próprios olhos (e de estudos científicos inconvenientes) a respeito de atletas transexuais terem vantagens biológicas no esporte feminino. Também ignoram a alta taxa de desistência entre ditas “crianças transexuais”, insistindo em tratamentos arriscados como o bloqueio da puberdade. O governador do estado da Virgínia perdeu as últimas eleições por não ter dado ênfase suficiente, na opinião de muitos analistas, à oposição contra a política identitária de raça nas escolas. Empurrar mensagens de identitarismo na educação é uma receita para perda de popularidade.

A mensagem científica é importante: os psicólogos suecos Mikael Landén e Sune Innala, em artigo de 2014, com base em uma amostra de quase setecentos concidadãos, concluem que “aqueles que vêem a homossexualidade como enraizada na biologia tendem a favorecer a extensão de direitos a gays e lésbicas”. Os ativistas apostam no pós-modernismo e em hipóteses sociológicas radicais que glorificam a “luta” por sua própria conta e risco.

Devido a todos os fatores acima, os próprios LGBT estão começando a pagar o preço pela mensagem anticientífica, beligerante e propositalmente excêntrica de muitos ativistas que falam em seu nome, mas não receberam voto para isso. Colocar a culpa em uma direita preconceituosa não é uma hipótese que dará conta do fenômeno da aparente perda de popularidade dessas minorias completamente.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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