Uma das razões para a queda pode estar na forma como os LGBT conquistaram seus direitos. No Brasil, foi por ativismo judiciário, com a justificativa de muitos juristas de que havia uma “inação” do Congresso em legislar a questão. Eli Vieira para a Gazeta do Povo:
Uma
nova pesquisa de opinião realizada pelo PoderData este mês revela que o
apoio ao casamento gay caiu no Brasil no prazo de um ano, de 51% em
janeiro de 2021 para 45% agora. Enquanto isso, os opostos ao casamento
de pessoas do mesmo sexo aumentaram de 33% para 39%. Os que não souberam
responder permaneceram estáveis em 16%. A pesquisa envolveu três mil
respondentes espalhados por 501 municípios em todos os estados do país, e
tem margem de erro de dois pontos percentuais. O PoderData detectou,
também, uma relação inversa de intensidade de apoio ao governo Bolsonaro
e desaprovação ao casamento gay. 65% dos respondentes pensam que existe
preconceito contra homossexuais no Brasil — até entre os apoiadores do
presidente, somente 32% pensam que o preconceito não existe.
A
tendência de perda da popularidade dos LGBT parece ser observável em
outros países ocidentais. A ONG americana GLAAD fez uma pesquisa em 2019
investigando atitudes para com as minorias sexuais entre americanos.
Entre os jovens dos 18 aos 34 anos, 63% declaravam-se confortáveis ao
interagir com os LGBT em 2016. O número caiu para 45% em 2018.
Na
Europa, observa-se uma divisão entre Oeste e Leste nesta questão.
Enquanto maiorias na parte ocidental do continente aprovam o casamento
gay, somente a República Tcheca, entre os países do Leste europeu,
apresenta esse padrão. Em todos os outros na região, maiorias fazem
oposição. É possível que isso reflita uma mudança recente por lá, pois a
Polônia, por exemplo, foi um dos primeiros países do continente a
descriminalizar a homossexualidade, em 1932. A Inglaterra e o País de
Gales só fizeram isso em 1967. Hoje, a Polônia tem “zonas livres de
ideologia LGBT”. Já a Hungria baniu por lei informações que “promovem a
homossexualidade a mudança de gênero” nas escolas.
O
instituto Gallup acompanha a questão nos Estados Unidos desde 1997. Até
2021, a opinião pública americana fez uma inversão total: de 68%
contrários e 27% favoráveis em 1997 para 29% contrários e 70% favoráveis
em 2021. Esta é considerada uma das mais rápidas mudanças de opinião e
atitude de uma sociedade na história recente. No Brasil, em 2011 o
Supremo Tribunal Federal mudou sua interpretação constitucional,
estendendo a união civil a casais do mesmo sexo, o que foi convertido em
casamento civil pelo CNJ logo depois.
Algumas razões da queda de popularidade
Fenômenos
sociais como a opinião pública são multicausais. É difícil estabelecer
que motivações estão por trás de cada mudança pois, como dita a
sabedoria popular, cada cabeça é uma sentença, e isso é difícil de
sistematizar em números. Os respondentes são sensíveis a vários fatores,
inclusive à forma como as perguntas foram formuladas e aos termos —
muitos, por exemplo, podem não estar cientes de que o casamento civil
gay, sob os auspícios de um Estado laico, não significa obrigatoriedade
de casamento religioso gay, pois neste caso impera a liberdade
religiosa. Além disso, a queda de popularidade aparente dos LGBT pode
ser apenas local, não representativa da tendência geral.
Uma
das razões para a queda pode estar na forma como os LGBT conquistaram
seus direitos. No Brasil, foi por ativismo judiciário, com a
justificativa de muitos juristas de que havia uma “inação” do Congresso
em legislar a questão. Na Suíça, o casamento gay foi aprovado por
plebiscito em setembro de 2021. Na Argentina, o casamento gay é legal
desde 2010 e passou pelas duas casas do parlamento, o que realça seu
caráter como decisão democrática. Como conta o filósofo social Jonathan
Haidt, as pessoas são sensíveis à “justiça de procedimento”: mesmo se
discordarem, tendem a não protestar contra decisões sociais se
perceberem que regras aplicadas igualmente a todos foram seguidas. Essa
impressão é enfraquecida pelo ativismo judiciário, que parece mais uma
intervenção monocrática que enseja um tratamento desigual.
Uma
das explicações favoritas dos próprios ativistas é que a marcha à ré na
percepção dos LGBT em alguns lugares advém da polarização política, em
que as pessoas cada vez mais se identificam como pertencentes a um de
dois grupos políticos antagônicos, tendo de seguir uma cartilha de seu
próprio grupo em todo tipo de assunto. É uma hipótese viável, mas os
ativistas vão tender a diminuir a sua própria responsabilidade.
A
psicóloga canadense Nadia Bashir, da Universidade de Toronto, publicou
com colaboradores em 2013 um artigo com título “O impacto irônico dos
ativistas: estereótipos negativos reduzem a influência das mudanças
sociais”. O artigo traz uma série de cinco estudos com amostras pequenas
de menos de 250 pessoas, mas seu mérito está na retestagem: os estudos
convergem para uma conclusão. Bashir discute que as pessoas são
resistentes à mensagem dos ativistas porque associam os ativistas a
figuras beligerantes e excêntricas.
Beligerância e Excentricidade
De
fato, há uma narrativa de que a beligerância é o mais importante, se
não o único curso de ação para minorias discriminadas entre ativistas
progressistas. No movimento LGBT, há uma ênfase na importância da
revolta de Stonewall, que ocorreu há mais de cinquenta anos e, portanto,
bem antes da mudança da opinião pública observada desde 1997 nos
Estados Unidos. Este fenômeno, de exagerar a importância da “luta” e
diminuir a importância da persuasão, é observado também na interpretação
acadêmica da abolição da escravidão. Como conta o psicólogo Steven
Pinker no livro 'Os Melhores Anjos da Nossa Natureza', a persuasão, por
exemplo via livros de ficção, foi muito importante para a abolição da
escravidão — mas historiadores marxistas tentam reduzi-la a interesses
econômicos do Império Britânico. Há, portanto, uma ênfase sem muito
compromisso com evidências em grupos em conflito, que se torna pior
quando há uma adoção da política identitária ou identitarismo, que
enfatiza dicotomias como opressor vs. oprimido. Muitos dos ativistas
tentam dar o crédito pelos avanços à sua beligerância.
Erica
Chenoweth, professora de relações internacionais na Universidade de
Denver, Colorado, é uma das maiores especialistas no assunto da eficácia
do ativismo violento. Usando uma amostra de campanhas por mudanças
sociais desde os anos 1940, ela mostra que as violentas em geral
fracassam e as não-violentas em geral são bem-sucedidas, o que levanta
dúvidas sobre a narrativa de muitos ativistas sobre a razão do sucesso
de seu ativismo.
Para
o advogado mineiro Hugo Freitas, que já trabalhou com matrimônio e
divórcio de casais do mesmo sexo, a descriminalização da
homossexualidade no Brasil em 1830 “foi decorrência do liberalismo
clássico. A maior tolerância à homossexualidade na sociedade hoje foi
decorrência de movimentações sociais não-coercitivas. Gays não devem
nada ao punitivismo estatal”. O historiador britânico Rictor Norton
concorda: estudando a homossexualidade no Reino Unido durante o século
XVIII, Norton aponta que os gays, ao serem presos por crime de sodomia, a
partir de certo ponto passaram a utilizar o argumento liberal de John
Locke em defesa própria: “não há Crime em fazer o uso que eu quiser do
meu próprio Corpo”, disse William Brown, preso por sodomia em 1726. Além
disso, vem do liberalismo o princípio de igual tratamento perante a
lei, que dá base ao argumento a favor do casamento civil gay.
Há
uma verve punitivista e autoritária nas versões mais recentes do
movimento LGBT, que se afastaram de discussões científicas sobre as
origens da homossexualidade e abraçaram a “teoria queer”, derivada do
pós-modernismo, um movimento intelectual progressista nascido na
academia que prega o relativismo moral, o relativismo quanto ao
conhecimento e a “desconstrução” de “metanarrativas” como a ciência e a
religião, além de subjetivismo. Isso é refletido na alteração da sigla
de LGBT para LGBTQ: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e pessoas
queer — um termo americano que era pejorativo, mas agora designa
identidades vagas que praticamente inexistem entre pessoas que não são
de esquerda. Apesar do relativismo, há uma incoerente insistência em
políticas como a criminalização do “discurso de ódio”, que é considerado
realmente errado, sem relativismo, em nome do qual é abandonado
qualquer compromisso com a liberdade de expressão. As redes sociais, que
fazem censura usando classificações de agências de checagem de fatos,
também censuram pessoas quem usam termos considerados pejorativos contra
LGBT, mesmo que sejam LGBT.
A
preferência pelo pós-modernismo e pela excentricidade realça a divisão
com a população e o senso comum, que se exacerba quando os ativistas
insistem, por exemplo, que devemos duvidar dos nossos próprios olhos (e
de estudos científicos inconvenientes) a respeito de atletas transexuais
terem vantagens biológicas no esporte feminino. Também ignoram a alta
taxa de desistência entre ditas “crianças transexuais”, insistindo em
tratamentos arriscados como o bloqueio da puberdade. O governador do
estado da Virgínia perdeu as últimas eleições por não ter dado ênfase
suficiente, na opinião de muitos analistas, à oposição contra a política
identitária de raça nas escolas. Empurrar mensagens de identitarismo na
educação é uma receita para perda de popularidade.
A
mensagem científica é importante: os psicólogos suecos Mikael Landén e
Sune Innala, em artigo de 2014, com base em uma amostra de quase
setecentos concidadãos, concluem que “aqueles que vêem a
homossexualidade como enraizada na biologia tendem a favorecer a
extensão de direitos a gays e lésbicas”. Os ativistas apostam no
pós-modernismo e em hipóteses sociológicas radicais que glorificam a
“luta” por sua própria conta e risco.
Devido
a todos os fatores acima, os próprios LGBT estão começando a pagar o
preço pela mensagem anticientífica, beligerante e propositalmente
excêntrica de muitos ativistas que falam em seu nome, mas não receberam
voto para isso. Colocar a culpa em uma direita preconceituosa não é uma
hipótese que dará conta do fenômeno da aparente perda de popularidade
dessas minorias completamente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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