Lendo a descrição de Tocqueville, me ocorreu que ela fornece uma distinção muito sagaz para descrever a relação entre os progressistas de elite ou classe média e a cultura do tráfico que vigora entre os pobres. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Tocqueville
fez um apontamento interessante sobre a mentalidade da França às
vésperas da Revolução: “Ao fim do século XVIII, sem dúvida ainda era
possível perceber, entre as maneiras da nobreza e a da burguesia, uma
diferença; pois não há nada que se iguale mais devagar do que essa
superfície dos costumes a que chamamos de maneiras. Mas, no fundo, todos
os homens situados acima do povo se pareciam: tinham as mesmas ideias,
seguiam os mesmos gostos, se entregavam aos mesmos prazeres, liam os
mesmos livros, falavam a mesma linguagem. Só se diferenciavam entre si
pelos direitos.”
A
tese dele é que essa uniformização da sociedade se deu concomitante com
a fragmentação da mesma: todos pensam igual. As diferenças consistem
nos privilégios: nobre não pagava imposto. Quem podia nobilitar alguém? O
Rei. E o pensamento uniforme que abrangia desde o pequeno proprietário
rural até o nobre mais elevado era que ao Estado competia causar a
riqueza dos homens. Um agricultor francês de antes da Revolução já
redigia cartinha culpando os burocratas pela má colheita, alegando que
as melhores técnicas não foram utilizadas – coisa que um agricultor
norte-americano jamais cogitaria. A elite francesa, fosse burguesa ou
nobre, já corria atrás de favores reais para enriquecer.
Essa
mentalidade fazia de cada francês um rival do outro francês, já que
ambos disputavam isenções fiscais e cargos públicos. A coesão social foi
pro saco enquanto todos se tornaram satélites do poder real.
Esse apontamento de Tocqueville certamente não vale para descrever o Brasil.
Considerações sobre mentalidade e classe no Brasil
Lendo
a descrição de Tocqueville, me ocorreu que ela fornece uma distinção
muito sagaz para descrever a relação entre os progressistas de elite ou
classe média e a cultura do tráfico que vigora entre os pobres.
Existe
uma subcultura de pobre chamada de “ostentação”. O “funk ostentação” já
rendeu reportagens quando apareceu (e os repórteres, entusiasmados, não
se perguntavam de onde vinha o dinheiro para ostentar); no Nordeste,
onde não se gosta muito de funk, já apareceram versões em pagode de
músicas de funks de ostentação ou proibidões (estes são os que fazem
apologia de facções ou de vida de bandido). Num pot-pourri que adoram
por aqui, ouço: “Bandido não dança / Bandido balança” para em seguida
ouvir “Quer ganhar dinheiro fácil e andar todo arrumado? Vem balançar”.
As músicas elogiam a “farda da Lacoste”, o “bigodinho fininho” e até o
hábito de comer McDonald’s. Juram que as mulheres preferem os bandidos
aos trabalhadores e que, se você jogar a nota de cem, ela vem. O sucesso
com as mulheres é tamanho que o eu lírico canta que é um adestrador de
cadelas.
Qual
é o estilo de vida deles? Arranjar proximidade com um traficante de
verdade (que é discretíssimo, ao estilo de chefe de máfia), comprar pó,
misturar com "remédios" e revender. O pó pode ser destituído de cocaína e
consistir em cafeína sintética, cujo aspecto é igual ao da cocaína e
tem efeitos assemelhados. Ou seja: no fim das contas, a relação deles
com a droga é similar à relação deles com as grifes. É chique ter uma
camisa com um jacarezinho bordado, seja Lacoste ou não. É chique cheirar
um pó branco, seja cocaína ou não.
Me
inteirando desse tipo de coisa, penso que eles se esforçam
conscientemente para imitar as festas regadas a droga e embaladas por
música eletrônica da alta sociedade. Em algum momento, lá no Rio, os
rapazes do morro provaram um pouco disso e resolveram imitar. Daí
espalhou, com o dinheiro envolvido.
E
quanto às mulheres? No nicho progressista, vemos relatos e mais relatos
de algum figurão sendo acusado por um monte de mulheres de uma vez. O
que chama a atenção — ao menos me chamou a atenção no caso de Dani
Calabresa — é a falta de clareza quanto ao que é aceitável ou
inaceitável, e o tempo que demoram para fazer denúncias, mesmo que
cheias de testemunhas. Entre as progressistas, tudo se passa como se os
homens fossem realmente opressores pelo mero fato de serem homens.
Parece que elas realmente acreditam que mulheres valem menos e são
descartáveis. Creio que elas são feministas porque são problemáticas, e
não o contrário.
Posso
resumir de uma maneira unificada a mentalidade da subcultura do tráfico
e da elite progressista: a vida não tem nenhum sentido em si mesma; o
que importa é ostentar status por meio de bens materiais. Como homens em
geral dão de dez a zero nas mulheres em matéria de competitividade e de
assertividade, as mulheres são seres humanos de segunda, que só
conseguem assumir algum valor caso emulem um comportamento masculino
predatório. Então temos aí, na classe média, as empoderadas que se gabam
de fazer e acontecer, e que escolhem funkeiras ricas como ícone de
sucesso ou “protagonismo feminino”. No caso de uma Djamila Ribeiro, por
exemplo, não basta ser conhecida pelo seu pensamento; é preciso estampar
capa de revista e ostentar objetos de luxo.
Tal
como os franceses de Tocqueville, essa gente não é capaz de se agregar
em torno de nada, mesmo quando pertencem à mesma classe social.
Alpinismo social é algo inerentemente solitário e desagregador.
Moral tradicional também atravessa classes
Em
contraposição a essa moral nova, à qual vou dar o nome insuficiente de
materialista, existe, em todas as classes sociais brasileiras, a moral
tradicional, que enxerga no dinheiro um meio para trazer conforto para
si mesmo e para alguma espécie de comunidade que geralmente é a própria
família. Os amigos se agregam em função de gostarem da companhia uns dos
outros e são capazes de construir todo tipo de coisas juntos: campo de
futebol, igreja, negócios e, agora, manifestações políticas.
Existe
gente desse tipo tanto na favela quanto na elite. Os pobres
tradicionais detestam os moleques de cabeça vazia e ficam enojados ao
verem a TV os defendendo. Os ricos tradicionais ficam escandalizados com
as notícias dos filhos de Fulana e Sicrana, e desprezam os conhecidos
que buscam dinheiro fácil na submissão a políticos ou maus empresários.
No
que concerne às mulheres, o senso comum tradicional reconhece na
maternidade e na constituição de uma família uma forma de realização
pessoal típica. Não obstante, espera-se também das mulheres que tenham
alguma fonte de renda para ajudar a família, e, se for uma trabalhadora
destacada – seja bordadeira ou advogada –, isto será visto com muito
bons olhos. Mulheres têm um papel próprio na sociedade, e, como não é o
único papel desejável, os homens tradicionais não se sentem obrigados a
emular o comportamento do sexo oposto, nem achando que têm que ser donas
de casas maternais.
Essa
mentalidade produz uma cola social que se espalha de maneira
desorganizada entre famílias e classes sociais. Por isso mesmo, é mais
poderosa do que a outra, já que não é dada à autofagia. Por outro lado, a
falta de ambições alheias ao próprio círculo social afasta esse tipo de
gente de Brasília e de posições institucionais de poder. Estas atraem
alpinistas sociais predatórios.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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