O bolsonarismo não tem resposta para a vida real e vive de bandeiras artificiais, escreve Fernando Gabeira no Estadão:
A
semana foi marcada por um fato decisivo: o empresariado que apoiou
Bolsonaro vai, aos poucos, abandonando o barco. A maneira como isso está
sendo feito é um pouco típica do Brasil, mas ainda assim o fato não
ficou obscurecido por ela.
Fiesp
e Febraban iam lançar um manifesto pedindo a harmonia entre os Poderes.
Nada mais tranquilo e ao mesmo tempo inofensivo. A pressão do governo
foi intensa e a Fiesp decidiu não divulgar o manifesto. No entanto, o
agronegócio, que emprega milhões e tem antenas com o mundo, decidiu
publicar seu próprio manifesto, independentemente das reações do
governo.
No
caso da Febraban houve ameaças reais de abandono da entidade pela Caixa
Econômica e pelo Banco do Brasil, que também entenderam o pedido de
harmonia dos Poderes como uma crítica a Bolsonaro.
Ainda
assim, o fato de o manifesto não ter sido publicado oficialmente não
deixa de ser uma evidência de como alguns setores dominantes no Brasil
têm medo do governo, mesmo depois de terem perdido sua simpatia por ele.
Muito provavelmente, essas entidades estão tão paralisadas pelo medo
que hesitaram em lançar votos de fim de ano com a mensagem “paz na Terra
aos homens e mulheres de boa vontade”.
Como
Bolsonaro iria interpretar isso, ele que considera essencial comprar
fuzis e uma estupidez comprar feijão? Seria uma crítica indireta ao
presidente e os detentores do PIB não querem provocar ninguém.
Uma
das coisas mais claras na experiência fracassada no Afeganistão é o
fato de que nenhuma força, mesmo com poder militar, consegue vitória
real se seus objetivos políticos são inválidos. A progressiva retirada
dos empresários do campo do apoio a Bolsonaro é apenas um dado da
conjuntura. No momento em que ele se prepara para a grande manifestação
do 7 de Setembro, é oportuno avaliar seus objetivos políticos e o
cinzento horizonte que os espera.
O
7 de Setembro bolsonarista vai pedir o voto impresso. Mas isso já foi
derrotado, no espaço onde deveria ser aceito. Na verdade, eles vão
acenar uma bandeira morta, bater com ela na esperança de cavar no futuro
um pretexto para contestar uma derrota eleitoral que parece cada vez
mais provável.
Outra
bandeira que será acenada é a da liberdade de expressão. A semana foi
marcada por uma derrota importante no modo como os bolsonaristas veem a
liberdade de expressão. O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do
PDT, foi denunciado pela subprocuradora Lindôra Araújo por incitar a
invasão do Supremo e do Congresso.
Em
qualquer país do mundo, o presidente de um partido que propusesse
violência contra o Congresso seria punido. Mas a denúncia da
subprocuradora tem um peso político especial, pois é considerada adepta
do bolsonarismo.
A
liberdade de expressão existe hoje no Brasil. Mas o bolsonarismo a
interpreta de forma especial, ultrapassando os limites previstos na lei.
Esses
são os falsos temas que os distraem, porque Bolsonaro nada tem a dizer
sobre os verdadeiros problemas do País. Ele continua se apresentando
como vítima, esquecendo-se de que não é mais um simples candidato, mas
precisa responder por seu cargo.
A
gestão da pandemia foi um fracasso e a CPI tem revelado os meandros de
uma política de saúde bem próxima das práticas mafiosas no Ministério da
Saúde. A inflação continua castigando e o desemprego oficialmente
registrado é de 14,8 milhões de pessoas. As represas do Sudeste estão se
esvaziando rápido, caminhamos para uma crise hídrica com repercussões
na oferta de energia. Sem contar as outras consequências econômicas da
falta de chuvas, como, por exemplo, o bloqueio das vias fluviais para o
transporte de grãos.
O
bolsonarismo não tem resposta para a vida real e vive de bandeiras
artificiais. Ele produz uma grande excitação em sua base, mas ao mesmo
tempo aprofunda seu isolamento do restante do País. Certamente vão se
iludir com milhares de pessoas nas ruas, sem perceber que milhões os
olham indiferentes, receosos ou mesmo hostis aos seus movimentos.
Bolsonaro
não sabe para onde conduzir o Brasil. É um homem que não transcende o
universo familiar. De nada adiantam tanto som e tanta fúria se continuar
completamente vazio de sentido político, gastando sua cota de
barbaridades cotidianas.
Nada
mais claro sobre sua competência do que a observação que fez aos
emissários do governo americano: Biden, disse ele, tem obsessão com o
meio ambiente e isso nos atrapalha. Um homem que destrói cotidianamente a
potência natural que dirige considera a preocupação do outro um
estorvo, quando, na verdade, deveria encará-la como uma grande
oportunidade.
As
pessoas que chamam Bolsonaro de conservador o superdimensionam. Os
conservadores têm uma filosofia e em alguns pontos ela é muito sólida.
Bolsonaro é apenas um reacionário sonhando com uma volta ao regime
militar. Com uma concepção destrutiva do meio ambiente, obscurantista
diante da ciência e da cultura, ele canaliza as forças mais sombrias do
País. Ainda são poderosas, mas simplesmente olham para trás e não terão
energia para puxar todo o Brasil para as cavernas ideológicas que
habitam.
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