Já que dificilmente será reeleito por méritos da sua administração, Bolsonaro joga as fichas na ficção de uma luta entre o bem e o mal, e se dedica a semear instabilidade. Para a economia, esse cenário é o pior possível. Fernando Dantas para o Estadão:
Os
mercados reagiram mal ao sete de setembro, o que era de se esperar.
Instabilidade política alimenta instabilidade econômica. Mas pensar nas
consequências econômicas até a eleição de 2022 da opção de Bolsonaro
pelo radicalismo golpista não é um exercício tão simples.
Para início de conversa, como observou a cientista política Daniela Campello na minha última coluna,
o presidente parece ter desistido do eleitor mediano, que não é nem
bolsonarista doente nem petista de carteirinha, e que precisa ser
conquistado.
É
como se o presidente tivesse desistido de governar, no sentido
administrativo do termo. A sua sobrevivência política já não pode
depender de bons resultados socioeconômicos do seu governo, porque o
acúmulo de erros e circunstâncias desfavoráveis (como a pandemia) tornou
esse caminho inviável.
Dessa
forma, o apoio a Bolsonaro depende da capacidade de o presidente e seus
colaboradores venderem uma fantasia de alto apelo emocional para uma
fração do eleitorado. Segundo essa ficção, joga-se no Brasil de hoje um
capítulo culminante de uma guerra entre o bem e o mal, entre família e
religião, de um lado, e o “comunismo”, do outro.
Evidentemente,
essa lorota delirante nunca irá convencer a maior parte dos eleitores,
mas é suficiente para galvanizar uma minoria de razoável tamanho e muito
energizada.
Esse
grupo é um cacife que dificulta um impeachment de Bolsonaro e pode
talvez colocar o presidente no segundo turno. Chegando lá, os
bolsonaristas podem acalentar uma pequena esperança de vitória, na base
de tentar reacender o antipetismo se o adversário for Lula.
Na
hipótese mais provável de derrota, Bolsonaro não aceita, tenta melar o
jogo e, se nada disso der certo, busca sair do Planalto mantendo
controle sobre sua base de radicais, o que pode inibir ações contra ele
sua família e, quem sabe, preservá-los no jogo político.
Entretanto,
mesmo que o presidente tenha desistido de governar, no sentido acima,
autoridades econômicas do seu governo, como Paulo Guedes, ministro da
Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central,
provavelmente ainda nutrem ambições nas suas áreas.
Esse
é possivelmente o resquício de racionalidade administrativa – uma visão
até generosa, no caso de Guedes – no governo Bolsonaro, mas que pode
sofrer um desgaste crescente.
A
determinação do presidente de insuflar o caos, por exemplo, dificulta
ou pode até ter tornado inviável uma solução acordada entre Executivo e
Judiciário para o imbróglio do orçamento e dos precatórios.
O
barco segue em frente, com um orçamento que formalmente não permite
nenhum gasto eleitoral em 2022, um presidente que parece já não dar a
mínima bola para a sua plataforma econômica ortodoxo-liberal e o Centrão
guloso por benesses que possa arrancar de um governo enfraquecido –
antes, é claro, de pular para o barco do próximo vencedor da política
brasileira.
A
combinação acima aponta na direção de uma economia política que pode
vir a ser nitroglicerina pura. É difícil imaginar Guedes e Campos Neto
mantendo a ordem na casa econômica enquanto Bolsonaro atiça a combustão
político-eleitoral.
Contribui
para os prognósticos pessimistas o fato de que uma conjunção astral
infeliz vai se desenhando com crescente nitidez para a economia em 2022:
inflação ainda elevada (mesmo que caia), economia estagnada, alto
desemprego e nem mesmo o ciclo de commodities parece que vai se manter.
Quanto
mais remota for a chance de que o próximo ano traga boas notícias na
economia, maior a chance de Bolsonaro chutar o pau da barraca de vez.
Nesse
sentido, talvez uma última carta moderadora poderia vir do cenário
internacional. Se todas as projeções de alta de juros estiverem erradas e
a liquidez permanecer abundante, e se as commodities voltarem a subir, é
possível que os bons ventos externos sejam um incentivo para Bolsonaro
se preocupar em manter a economia equilibrada.
Mas
se trata de algo aleatório, não muito provável e, ainda assim, quando
se trata de Bolsonaro não dá para garantir nem doses mínimas de
racionalidade e bom senso.
O mercado está certo em reagir negativamente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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