BLOG ORLANDO TAMBOSI
O presidente afirma que não vai 'melar' as eleições de 2022, garante respeito do governo ao teto de gastos e explica sua opinião sobre vacinas:
Aos
olhos de muita gente, Jair Bolsonaro deveria estar preocupado — aliás,
muito preocupado. As pesquisas mais recentes mostram que o presidente
atingiu um incômodo patamar de impopularidade. Cinquenta e três por
cento dos brasileiros acham que o governo é ruim, 39% não enxergam
qualquer perspectiva positiva no horizonte e apenas 28% creem que a
situação pode melhorar. Muito desse pessimismo certamente é derivado dos
problemas econômicos. A inflação e os juros estão em alta, o emprego e o
crescimento se recuperam lentamente e a prometida agenda de reformas
estruturais emperrou. No terreno político, a CPI da Pandemia finaliza um
relatório que vai acusar o presidente pela morte de quase 600 000
pessoas, a tensão com o Supremo Tribunal Federal diminuiu, mas não
acabou, e a palavra impeachment voltou a ser citada em influentes rodas
de conversa. Nada disso, porém, parece atormentar o presidente.
Prestes
a completar 1 000 dias de governo, Jair Bolsonaro recebeu VEJA na
quinta-feira 23 para uma conversa de duas horas no Palácio da Alvorada,
onde cumpre isolamento sanitário por comparecer à abertura da
Assembleia-Geral da ONU. Em Nova York, Bolsonaro pintou um Brasil que se
livrou da corrupção, superou a pandemia, protegeu o meio ambiente e
está bem estruturado para receber investimentos internacionais. Na
entrevista, a imagem que o presidente constrói do país, de si mesmo e de
seu governo não é muito diferente. A novidade surge quando ele é
indagado sobre um espectro que, há algum tempo, ronda o imaginário de
alguns setores, especialmente depois das manifestações de 7 de setembro:
a possibilidade de o presidente se valer de um golpe para manter o
poder. “A chance é zero”, garantiu Bolsonaro, admitindo, no entanto, que
houve pressão “de algumas pessoas” para que o governo “jogasse fora das
quatro linhas”. Quem são essas pessoas, ele não revela, mas afirma que o
ambiente agora está pacificado.
A
equipe de VEJA tomou todos os cuidados necessários para realizar a
entrevista — uso de máscara, álcool em gel e distanciamento. Sobre a
política de combate à pandemia, aliás, o presidente reafirmou que faria
tudo de novo. Ele continua cético em relação às vacinas, embora seus
assessores ainda tentem convencê-lo a mudar de ideia. Em Nova York, em
tom de brincadeira, o presidente chegou a propor uma aposta ao
primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, para saber quem tinha o
IgG maior. Tomar ou não o imunizante, segundo ele, deve ser uma opção,
não uma obrigação — e cita como exemplo a primeira-dama Michelle
Bolsonaro, que foi vacinada. “Não consigo influir nem na minha própria
casa”, disse. A seguir, os principais trechos da entrevista, na qual o
presidente também fala de eleições, Lula, voto impresso, CPI, crises
políticas, economia e revela qual foi o pior e mais tenso momento de seu
governo nesses quase três anos.
Existe uma leitura bastante difundida de que várias de suas ações e falas são preparação para um golpe de Estado. Daqui pra lá, a chance de um golpe é zero. De lá pra cá, a gente vê que sempre existe essa possibilidade.
O que seria exatamente esse “de lá pra cá”? De
lá pra cá é a oposição, pô. Existem 100 pedidos de impeachment dentro
do Congresso. Não tem golpe sem vice e sem povo. O vice é que renegocia a
divisão dos ministérios. E o povo que dá a tranquilidade para o
político voltar. Agora, eu te pergunto: qual é a acusação contra mim? O
que eu deixei, em que eu me omiti? O que eu deixei de fazer? Então, não
tem cabimento uma questão dessas.

O senhor está dizendo que existe uma conspirata contra o governo? Quando
você passa a ter o povo do teu lado, como eu tenho, bota por terra essa
possibilidade. A não ser que tenha algo de concreto, pegou uma conta
minha na Suíça, aí é diferente. Não tenho nada. Desligo o aquecimento da
piscina, não uso cartão corporativo, não pedi aposentadoria na Câmara,
não dou motivo. Estamos há dois anos e meio sem um caso de corrupção.
A CPI da Pandemia diz que houve corrupção no Ministério da Saúde. Tem
gente que não pensa no seu país, ao invés de mostrar seu valor, ele
quer caluniar o próximo. Vejo na CPI os senadores Omar Aziz e Renan
Calheiros falando: “O governo Bolsonaro é corrupto”. Pois aponte quem
por ventura pegou dinheiro. Com todo o respeito à PM de MG, um cabo da
PM negociando 400 milhões de doses a 1 dólar, se encontrando
fortuitamente num restaurante? É coisa de maluco.
Depois de um ano e meio de pandemia, o senhor faria algo diferente?
Não errei em nada. Fui muito criticado quando falei que ficar trancado
em casa não era a solução. Eu falava que haveria desemprego — e foi o
que aconteceu. Outra consequência disso é a inflação que está aí. Hoje
há estudos que mostram que quem mais caminha para o óbito por
coronavírus é o obeso e quem está apavorado. Falei isso no início do ano
passado. Todo mundo aumentou de peso ficando em casa. Também criamos o
auxílio emergencial. Sem ele, com certeza teríamos saques em
supermercados, balbúrdia, violência.
Mas teve a sugestão de tratamento precoce, a hidroxicloroquina.
Continuo defendendo a cloroquina. Eu mesmo tomei quando fui infectado e
fiquei bom. A hidroxicloroquina nunca matou ninguém. O militar na
Amazônia usa sem recomendação médica. Ele vai para qualquer missão e
coloca a caixinha no bolso. O civil também. Você nunca ouviu falar que
na região Amazônica morre gente combatendo a malária por causa da
hidroxicloroquina. Criou-se um tabu em cima disso.
Mas o senhor está sendo responsabilizado pelas quase 600 000 mortes durante a pandemia.
Responsabilizado por quem? Pela CPI? Essa CPI não tem credibilidade
nenhuma. No auge da pandemia, esses caras ficaram em casa, de férias, em
home office, cuidando da vida deles. E agora vêm acusar? Não engulo
isso aí. A história vai mostrar que as medidas que tomamos, concretas,
econômicas, ajudando estados e municípios com recursos, salvaram as
pessoas.
A demora em comprar e a pregação contra a vacina não são, no mínimo, um mau exemplo? No
ano passado, não tinha vacina para vender. No caso da Pfizer, havia um
dispositivo na proposta que dizia que eles não se responsabilizavam
pelos efeitos colaterais. Como posso comprar um negócio desse aí? Se
começar a ter efeito colateral adverso, de quem é a responsabilidade?
Vocês iriam me perdoar? Não, né? Então tem que ter responsabilidade.
Pergunto: a CoronaVac tem comprovação científica? Não tem. Tomar vacina é
uma decisão pessoal. Minha mulher, por exemplo, decidiu tomar nos
Estados Unidos. Eu não tomei.
Qual foi o momento mais tenso nesses 1 000 dias de governo? Foi
quando avolumou a pressão a apoios mediante concessões. Eu não podia
ceder. Depois de 28 anos de Parlamento, eu conheço como essas coisas
funcionam. Era muito comum acabar uma votação importante e chegar uma
lista da fidelidade. Estava ali no fedor, na muvuca: “Olha nosso partido
deu mais voto que o outro, que tem um ministério a mais que nós”. Era
comum você ver nas manchetes de jornais: PSDB, PFL… era comum você ver
acerto. Isso não tem mais. A gente precisa aprovar as coisas e alguns do
Parlamento vão com tudo para cima de você. Foram quinze dias de tensão,
mas foi tudo contornado. Considero que estou bem com o Parlamento hoje
em dia. Não vou entrar em detalhes nem de quando e nem quem foi, mas
pretendo destravar a pauta nesta semana.

O preço da gasolina, do gás de cozinha e dos alimentos pressiona o bolso do brasileiro.
Eu não vou tabelar ou segurar preços. Não posso tabelar o preço da
gasolina, por exemplo, mas quero que o consumidor fique sabendo o preço
do combustível da refinaria, o imposto federal, o transporte, a margem
de lucro e o imposto estadual. Hoje toda crítica cai no meu colo. O
dólar está alto, mas o que eu posso falar para o Roberto Campos
(presidente do BC)? Quem decide é ele, que tem independência e um
mandato. Reconheço que o custo de vida cresceu bastante aqui, além do
razoável, mas vejo perspectivas de melhora para o futuro.
O governo ainda patina para encontrar recursos para o Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família.
Acertei com o Paulo Guedes um mínimo de 300 reais para o Auxílio
Brasil, um programa que, ao contrário de governos passados, não vai ser
usado como curral eleitoral. Se eu usasse o programa para ganhar a
eleição, colocava o valor em 600 reais. Em outros governos, com uma
canetada fingia-se que estava extinta a pobreza no Brasil. São as
hipocrisias. Duvido que o PT se reelegeria com o Orçamento que eu tenho.
Com toda a certeza eles iriam furar o teto de gastos. Apesar da nossa
dívida e dos nossos problemas, a nossa meta é ter responsabilidade e
cumprir o teto de gastos, lógico.

O ministro Paulo Guedes continua indemissível?
Não existe nenhuma vontade minha de demiti-lo. Vamos supor que eu mande
embora o Paulo Guedes hoje. Vou colocar quem lá? Teria de colocar
alguém da linha contrária à dele, porque senão seria trocar seis por
meia dúzia. Ele iria começar a gastar, e a inflação já está na casa dos
9%, o dólar em 5,30 reais. Na economia você tem que ter
responsabilidade, o que se pode gastar, respeitando o teto de gastos. Se
não fosse a pandemia, estaríamos voando na economia. A inflação atingiu
todo mundo, mas a melhor maneira de buscarmos a normalidade e baixar a
inflação é o livre mercado.
Mas o senhor vê perspectiva de melhora, presidente?
Sim, sim. Como temos ainda um ano para a eleição, as decisões que devem
ser tomadas ainda não estão contaminadas por interesses eleitorais. O
Paulo Guedes tem dito que a eleição estimula você a gastar para buscar a
reeleição. Estimula você a fazer certas coisas que você não quer, para
buscar a reeleição, isso aí é natural do ser humano. E nós não furamos
teto, não fizemos nada de errado no tocante a isso aí.

Presidente, é 100% de certeza que o senhor vai disputar a reeleição, instrumento que foi contra no passado? Se não for crime eleitoral, eu respondo: pretendo disputar.
Já tem partido e um nome para disputar a chapa como candidato a vice-presidente?
Olha só, seu eu vier candidato, não vai mais se repetir o que aconteceu
em 2018. O vice tem que ter algumas características, tem que ajudar
você. E tem que ajudar no tocante ao voto também. Então, o pessoal diz
pra mim: “Ah, o vice ideal é de Minas ou do Nordeste”. Então, tudo isso a
gente vai botando na mesa. O Mourão, por exemplo, eu acho que não está
fechada a porteira para ele ainda. Agora, o Mourão não tem a vivência
política. Praticamente zero. E depois de velho é mais difícil aprender
as coisas. Mas no meu entender, seria um bom senador. Sobre o partido,
eu não vou fugir de estar no PP, PL ou Republicanos. Não vou fugir de
estar com esses partidos, conversando com eles. O PTB ofereceu pra mim
também.
As pesquisas mostram que, se as eleições fossem hoje, o senhor perderia para o ex-presidente Lula.
Pesquisa é uma coisa, realidade é outra. O que o outro lado faz?: “Oh,
no meu tempo o gás estava tanto, a carne estava tanto”. Eles ficam
jogando isso aí, ele pegou uma economia de certa forma arrumada do
Fernando Henrique Cardoso. Nós estamos arrumando a casa, engordando o
porquinho, espero que o lobo mau não coma o nosso porquinho. A gente
quer o bem do Brasil. O outro gastava horrores, não tinha teto de
gastos, não tinha problemas com o Parlamento, dava menos dor de cabeça
para eles, loteou tudo. Hoje é completamente diferente, estou demorando
um recorde de tempo para sabatinar o André Mendonça, coisa que não
acontecia no passado. Era um relacionamento Executivo-Legislativo bem
diferente do que é hoje. Aqui não tem loteamento.
O ex-presidente Lula é um adversário preferencial?
Não dou bola para isso. Eu, poxa, por Deus que está no céu, é uma
desgraça essa minha cadeira, você não tem paz, cara. A única satisfação
que eu tenho, uma das poucas, é saber que não tem um comunista sentado
naquela cadeira, só essa.
Presidente,
o senhor foi eleito deputado federal cinco vezes com a urna eletrônica e
foi eleito presidente do Brasil com a urna eletrônica. O que faz o
senhor não acreditar nesse sistema? Por que os bancos investem
dezenas de milhões para cada vez mais evitar que hackers entrem e façam
um estrago em seu banco? A tecnologia muda. O que estou pedindo?
Transparência. Muita gente diz: “Eu não vou votar porque o meu voto não
vai ser contado para quem eu votei”. Uma vez conversei com o ministro
Luiz Fux, presidente do STF, sobre esse assunto. Ele ia implementar 5%
do voto impresso no Brasil. 5% do voto impresso, ao lado da urna
eletrônica. E depois o Supremo pulou para trás e disse que é
inconstitucional, não sei por quê. Se o Lula está tão bem, como diz o
Datafolha, por que não garantir a eleição dele com o voto impresso?
A decisão sobre o voto impresso já foi tomada pelo Congresso. O senhor vai aceitar?
Olha só: vai ter eleição, não vou melar, fique tranquilo, vai ter
eleição. O que o Barroso está fazendo? Ele tem uma portaria deles, lá,
do TSE, onde tem vários setores da sociedade, onde tem as Forças
Armadas, que estão participando do processo a partir de agora. As Forças
Armadas têm condições de dar um bom assessoramento. Com as Forças
Armadas participando, você não tem por que duvidar do voto eletrônico.
As Forças Armadas vão empenhar seu nome, não tem por que duvidar. Eu até
elogio o Barroso, no tocante a essa ideia — desde que as instituições
participem de todas as fases do processo.

O senhor apresentou MP para restrição de combate a fake news e depois um outro projeto. Qual a urgência desse assunto?
A urgência é dado o que está acontecendo no Brasil, os inquéritos de
fake news, por exemplo. Onde está a linha sobre o que se pode ou não
publicar. O que está ali são dispositivos da Constituição. Você só pode
ter a página da internet retirada depois do contraditório e de uma ação
judicial. Não se pode monocraticamente excluir ninguém com uma canetada…
Estão nos acusando de fake news. O que a esquerda faz? O pessoal faz
jogo de futebol com minha cabeça de borracha. Por que não tomar
providência contra essas pessoas também? Só para cima da gente? O
objetivo das mídias sociais é liberdade. Você vai deixar de frequentar
minha página no Facebook se eu escrever besteira, vai descurtir e tem
que ser assim.

A crise com o Judiciário está superada? Não
sou o Jairzinho paz e amor, mas a idade dá certa maturidade. Depois das
manifestações de 7 de setembro, houve a reação do STF. Teve o
telefonema do Temer, ele falou para mim: “O que a gente pode fazer para
dar uma acalmada?”. Respondi que o que eu mais queria era acalmar tudo.
Acabou o 7 de Setembro, é um movimento, talvez um dos maiores do Brasil,
o povo está demonstrando espontaneamente o que quer, como liberdade.
Então ele (Temer) falou que tinha umas ideias. “Você pode falar para
mim?” “Eu prefiro conversar pessoalmente.” “É um prazer.” Mandei um
avião da Força Aérea trazer ele para cá, ele trouxe uns dez itens,
mexemos em uma besteirinha ou outra, duas ou três com um pouquinho mais
de profundidade, estava bem-feito, casou com o meu pronunciamento e
divulguei.
Parte de seus apoiadores criticou muito o que foi interpretado como um recuo.
Esperavam que eu fosse chutar o pau da barraca. Você imagina o problema
que seria chutar o pau da barraca. Eu não convoquei a manifestação. Eu
vinha falando que estamos lutando por liberdade e comecei a falar uns
quinze dias antes que estaria na Esplanada e em São Paulo. Mas em São
Paulo, quando eu falei em negociar, eu senti um bafo na cara. Extrapolei
em algumas coisas que falei, mas tudo bem.
O que significa “chutar o pau da barraca”?
Queriam que eu fizesse algo fora das quatro linhas. E nós temos
instrumentos dentro das quatro linhas para conduzir o Brasil. Agora todo
mundo tem que estar dentro das quatro linhas. O jogo é de futebol, não é
de basquetebol. Não vou mais entrar em detalhes porque quanto mais
pacificar melhor.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2021, edição nº 2757

Nenhum comentário:
Postar um comentário