O esnobismo e horror a pobre do personagem de Miguel Falabella explicam a popularidade do PT antes de 2014. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Às
vezes imagino como seria entrar numa máquina do tempo, sair em 2016, me
encontrar e tentar explicar para mim mesma (ou para a Bruna de 2016) o
Brasil de 2021.
–
Ah, minha filha, você nem imagina. Já lhe disse que teve uma ópera bufa
no ABC Paulista para prender Lula, depois uma outra ópera bufa de
petistas gritando “Bom dia, presidente Lula!” na porta da
cadeia-que-não-era-cadeia, que Jair Bolsonaro se elegeu, que no começo
do governo foi barraco todo dia porque ninguém aguentava mais Carluxo no
Twitter, mas depois acalmou. Até aí, tudo bem. O que eu não lhe contei
ainda é que agora o povo diz que é Lula versus Bolsonaro, mas na verdade
é STF contra Bolsonaro, sendo que Bolsonaro, agora, é a obsessão
nacional, em vez de Lula. Antigamente, lá por 2008, não tinha aqueles
jornalistas mala sem alça que só pensavam em Lula? Podiam até ter razão,
mas que eram chatos, eram.
–
Chatos como? – perguntaria o meu eu de 2016. – Sei que o tio Fulano é
chato porque ligo pra saber da minha avó ele fala do Lula. Mas
jornalista chato eu não sei mais o que é. Quem está insuportável é povo
da Universidade, já não vejo mais diferença entre…
–
Eu sei, eu sei. Você não vê mais diferença entre um professor
respeitável e um moleque do DCE, todo mundo surtou. Eu me lembro bem de
2016. Pois lhe digo: o surto não vai passar, acostume-se. Aliás, não
preciso lhe dizer isso, porque sei que você vai defender sua tese num
pulo, pegar seu diploma de doutorado e correr da UFBa feito o diabo foge
da cruz. Sobre os jornalistas, lhe digo agora que, em primeiro de abril
de 2021, Lula Livre foi entrevistado por Reinaldo Azevedo. E foi
entrevista chapa branca.
– Ué, mas foi Primeiro de Abril!
–
Foi o que pensei quando vi a propaganda da entrevista. Só se foi
pegadinha lá deles dois, mas não foi recebido assim pela imprensa nem
pela militância. Os petistas agora adoram Reinaldo Azevedo. Mas, enfim,
deixe-me continuar. Depois de primeiro de abril, teve o quê? Primeiro de
Maio. Primeiro de Maio é quando as centrais sindicais fazem aquela
micareta mal-humorada, cheia de dinossauro da CUT e cosplayer de Lula
versão sapo barbudo, né? Pois bem: em Primeiro de Maio a CUT, agora
cheia de bons-moços, organizou uma porção de live de Primeiro de Maio,
inclusive uma live com Dilma. Enquanto isso, a direita tomava as ruas
com um refrão “Eu autorizo”.
– Como é? Autoriza quem a quê?
–
Autoriza o chefe do Executivo a dar um golpe ou contragolpe de Estado,
pois entendem que a cúpula do Judiciário já dá golpe atrás de golpe.
Também tem um rolo com a urna. Eles querem a tal da urna auditável, que
imprime um papelzinho na hora do voto, e na dúvida dá pra contar
papelzinho. O papelzinho fica na urna.
Caco Antibes de esquerda
Vejam
vocês que eu nem me aventurei a explicar para mim mesma que apareceria
uma doença na China e que todo mundo estaria andando de máscara na rua
(igual a japonês, só que com o escudo do Mengão), porque senão eu iria
achar que era uma loroteira.
Mas
está esboçado, acima, como eu explicaria as coisas ao meu eu de meia
década atrás: há tipos que permaneceram os mesmos, muito embora mudem de
coloração partidária. Não era incomum, logo quando Bolsonaro se elegeu,
aparecer uma matéria ou outra apontando que lulistas desiludidos se
tornaram bolsonaristas. O fetiche pela ideia de líder forte e
carismático continuaria o mesmo, sendo substituído somente o homem a
encarná-lo. Assim, uma vez que Lula tenha se revelado um ladrãozinho
venal, capaz de vender o país por um sitiozinho e um triplex mequetrefe,
o desbocado e espontâneo capitão reformado herda o apoio.
Herda
o apoio e, ao mesmo tempo, a oposição. Porque se havia aqueles tipos –
dentro e fora do jornalismo – para o qual Lula era o único assunto
possível, não pode passar despercebido que o antibolsonarismo é
integrado por muitos antipetistas. Polzonoff já escreveu aqui sobre o
antagonista, um tipo humano que migrou do antipetismo para o
antibolsonarismo. Ele é definido por uma visão de mundo algo
conspiratória e arrogante.
Creio
que haja um outro tipo humano que fez a mesma migração, e quero
batizá-lo com o nome de "caco-antibes". Tal como a personagem de Miguel
Falabella em "Sai de Baixo", ele é definido pelo esnobismo e pelo horror
a pobre. A meu ver, os cacos-antibes ajudam a explicar a popularidade
do PT antes da crise de 2014. Quem estava furioso com o esnobismo da
imprensa em 2018 apertou 17 na urna e quem esteve furioso com o mesmo
esnobismo até 2014 apertava 13.
Hoje,
quando um progressista acusa outrem de odiar ver pobre andando de
avião, abrimos um bocejo, porque é um baita clichê petista. Pouca gente
se lembra da origem da frase, que é uma coluna de 2012 da Folha de S.
Paulo: “As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era
só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do
passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem – e se for o
vídeo, pior ainda – de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver
os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o
porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”.
Não
conheço nenhum porteiro que tenha ido para Nova York ver os musicais da
Broadway. Viagem internacional de porteiro é comprar muamba no
Paraguai. Eu mesma acho que não conheço ninguém que tenha ido ao Egito.
Devo ser mais pobre que porteiro de colunista da Folha.
Recuando
mais no tempo, vamos nos lembrar da chuvarada de críticas recebidas
pelo Bolsa Família. Há críticas pertinentes, como o uso político e a
falta de saída. Mas havia também críticas furibundas de quem parecia
achar que todo miserável merecia morrer de fome ou que o voto no PT
fazia alguém merecer pena de morte por inanição.
Podemos,
sem nenhuma extravagância, dizer que há um grupo de cacos-antibes no
antibolsonarismo. O caco-antibes irá se gabar de ter se posicionado
contra o PT, mas na verdade seu ímpeto era apenas o de ir contra o
sentimento popular porque odeia pobre. Ele prefere ficar no Leblon
apoiando políticos altamente chiques, como Boulos.
A imprensa
Gostaria
de comentar as manifestações ocorridas no sábado, mas só me resta
buscar os nada parciais materiais produzidos pelos próprios
manifestantes. Pelas fotos que vi, as passeatas foram bem grandes pelo
menos em São Paulo e Porto Alegre. Em Salvador, parece ter sido
grandinha. O que espanta é eu ter encontrado com mais facilidade notícia
de evento da CUT, que é feijão com arroz, do que notícia dessas
passeatas que podem, no futuro, ser consideradas eventos históricos.
Qualquer
comunista reconhece a importância histórica das Marchas da Família com
Deus pela Liberdade; qualquer petista reconhece a importância histórica
dos protestos de junho de 2013, bem como dos atos pró impeachment. De
admirar é que o nosso jornalismo não nos permita dimensionar essas
marchas descentralizadas. Vi que aconteceu em Serrinha, uma cidade de 80
mil habitantes ao norte de Feira de Santana, famosa pela vaquejada.
Certamente os manifestantes de lá têm um perfil bastante diferente dos
paulistanos e portalegrenses, mas ninguém vai tentar descobrir o que
aconteceu.
Ao
que parece, a imprensa está cheia de cacos-antibes que se creem capazes
de tutelar a plebe. Basta não noticiar, que o povo deixa para lá. Assim
como bastava incitar o povo a votar no PSDB contra o PT, que uma hora
ele iria acabar votando.
O
jornalista que se crê capaz de tutelar as massas é tão suscetível ao
aprendizado quanto o comunista do século XXI. Se jornalista iluminado
tivesse metade do poder que acha que tem, não tinha um evangélico no
Brasil e o país seria governado pelos tucanos desde a descoberta do
Mensalão, no mínimo. Mas são iguais aos comunistas. Não aprendem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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