A democracia americana, do povo e para o povo, está em permanente reforma pelo povo. Fernão Lara Mesquita:
Até
10 de fevereiro nas 100 maiores cidades de 34 estados americanos 122
leis ou ajustes de leis já se tinham qualificado para ir a voto,
versando somente sobre o direito de propor, de aprovar e de reprovar
leis neste ano de 2021.
Tem
havido um ressurgimento nas iniciativas de legislação popular no país
inteiro desde 2016. Em 2020 164 leis de inciativa popular
regulamentando o direito de propor leis de iniciativa popular,
referendos e eleições de recall de políticos e funcionários eleitos em
nível local ou estadual foram processadas em 33 estados. Só 17 de
alcance estadual foram aprovadas em nove desses estados, o que mostra
que não é fácil passar leis, mesmo tendo elas partido do povo. Em 2019
foram 229 em 34 estados, com 16 deles aprovando 38 dessas propostas.
A
democracia americana, do povo e para o povo, está em permanente reforma
pelo povo. Leis ou alterações de leis envolvendo impostos ou normas de
financiamento de gastos públicos, já é regra geral ha muito tempo, só
diretamente aprovadas pelo povo. Outros temas entram e saem das listas
vedadas à aprovação direta pelos legisladores. Quóruns e quantidades de
assinaturas requeridas são alterados nos ajustes recorrentes como esses
122 que já estão na fila aberta este ano.
Cada
vez mais é a praxe dos legislativos estaduais e municipais, para evitar
o trabalho de tomar decisões que depois serão desafiadas em referendos,
limitar-se a “propor” alterações ou leis novas legislative iniciated
para serem levadas às cédulas das próximas eleições do calendário junto
com as popular iniciated, que o povo aprovará ou não em voto direto. Em
consonância com as novas facilidades de comunicação, o país caminha na
direção de consolidar cada vez mais o modelo que põe o poder de decisão,
na maior medida possível, diretamente nas mãos do povo.
Um
dos modelos mais recorrentes de decisão no voto (ballot measure) são os
bond issues ou autorizações para contratação de dívida pública.
Enquanto no Brasil entramos na enésima tentativa inútil de conter a
gastança da privilegiatura com expedientes como essa PEC de Emergência,
com o povo relegado a assistir de longe o que as “excelências” decidirão
fazer com o dinheiro dele (e enquanto for só deles é claro que a
decisão será invariavelmente a de enfiá-lo no próprio bolso), lá cada
investimento ou obra pública que não seja federal – e quase nenhuma é
porque obras são coisas construídas sobre o solo e o solo está nos
estados e municípios onde as pessoas moram – é orçada, tem seu custo
dividido apenas por quem vai ser diretamente beneficiado por ela, e é
oferecida a esses eleitores para um “Sim” ou um “Não” na próxima eleição
do calendário.
Uma
estrada, uma avenida, uma nova reserva florestal, um novo prédio
escolar, novos carros de alguma policia local, aumentos de salário para
determinados funcionários, cada inciativa dessas será paga somente pelos
beneficiários dela mediante um aumento temporário de algum imposto
local, um pedágio ou a criação de uma taxa especificamente criada para
essa finalidade que é aprovada ou não em votações diretas somente por
quem vai ser afetado pelo investimento financiado e que se extingue
quando a última prestação é paga.
Tudo
isso é viabilizado pelo sistema de voto distrital puro no qual,
começando por unidades básicas correspondentes aos bairros, cada
município, cada estado e, no final, a nação toda, é dividida em
distritos ou na soma de distritos eleitorais com um numero aproximado de
eleitores igual para cada tipo de eleição e cada candidato só pode
concorrer pelos votos de um distrito. Uma vez definidos os distritos são
inscritos no mapa real de cada cidade, cada estado e finalmente do
país, e só podem ser alterados em função das informações do censo
nacional feito a cada 10 anos. Assim, cada representante eleito, em cada
instância de governo, sabe o nome e o endereço de todos os seus
representados, que podem cassar-lhe o mandato por recall a qualquer
momento. Graças a esse sistema, também, é que se pode definir os
eleitores autorizados a votar em cada lei de iniciativa popular, cada
obra ou cada gasto público.
Espaço
zero para corrupção, portanto, o que explica porque os Estados Unidos
se tornaram “N” vezes mais ricos que qualquer outro país do mundo (agora
mesmo estão dando US$ 1400 por mês de “esmola” aos “miseráveis” que
ganham menos de US$ 75 mil por ano…) desde que adotaram esse sistema que
vêm refinando de eleição em eleição ha aproximadamente 120 anos.
Fazer,
alterar ou revogar leis, na democracia americana, não é mais, ha muito
tempo, uma tarefa exclusiva dos legisladores. Os legislativos por lá não
passam, hoje, de ateliês de acabamento técnico da legislação que é,
toda ela, de lei em lei, aprovada diretamente pelo povo. Tenha a
iniciativa de propor cada uma partido de um cidadão qualquer ou do
próprio legislativo local, tudo vai sempre parar numa cédula eleitoral,
para decisão direta de quem vai ter de cumprir aquela lei ou pagar
aquela conta.
O
primeiro passo para o Brasil tornar-se uma democracia é ter a humildade
de dispor-se a aprender o que é democracia. A identificação dela,
grosso modo, é fácil e ajuda a por um fim na confusão reinante entre
nós: há democracia onde o povo manda no governo; não há democracia onde o
governo manda no povo. As ferramentas que proporcionam o exercício
dessa soberania do povo estão em permanente evolução mas decorrem,
todas, da principal delas, que é a conquista do poder dele, povo, ditar a
lei. Consequentemente, o primeiro dever ético de todo jornalista é
mostrar como ela funciona onde existe aos seus leitores. Do contrário
continuaremos eternamente como as petecas do joguinho sujo travado entre
as diversas instâncias da privilegiatura que usurparam esse poder do
povo brasileiro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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