Revelações sobre crueldade com idosos durante o ápice da pandemia a acusações de assédio sexual estilhaçam a imagem que o político construiu. Vilma Gryzinski:
Andrew
Cuomo tem um ego do tamanho do Empire State Building. Nesse caso, como
em muitos similares, quanto maior o ego, maior a queda.
Há
poucas semanas, ele era tratado, literalmente, como uma estrela. Chegou
a ganhar um Emmy “em reconhecimento por sua liderança durante a
pandemia de Covid-19 e a maestria no uso da televisão para informar e
acalmar pessoas em todo o mundo”.
Constrangedora
pelo tom bajulatório mesmo antes que o planeta Cuomo começasse a entrar
em rota recessiva, a justificativa para dar a um político um prêmio
destinado a atores e programas de televisão hoje parece ter vindo de um
outro tempo.
Pior,
possivelmente, só o título do livro que ele escreveu para exaltar a si
mesmo – Crise Americana: Lições de Liderança da Pandemia de Covid-19.
Em
nenhum capítulo, obviamente, ele menciona que , no pico da pandemia,
assinou a ordem para obrigar asilos geriátricos a aceitar de volta
idosos internados em hospitais, sem que fossem testados – uma porta
terrível para a disseminação da doença exatamente entre as mais
vulneráveis de todas as suas vítimas.
Pior,
há sérias suspeitas, que estão sendo oficialmente investigadas, de que
manipulou os dados sobre as mortes nos asilos, camuflando cerca de oito
mil das 15 mil mortes ao determinar que fossem computados apenas os
óbitos efetivamente ocorridos nas clínicas, e não dos que tivessem sido
transferidos delas para hospitais.
E
ninguém achará qualquer referência sobre a burrice sem tamanho, nos
Estados Unidos de hoje, de fazer avanços sobre funcionárias
extraordinariamente parecidos com atos de assédio sexual.
É
quase inacreditável que um político escolado como ele, filho de um
legendário figurão do Partido Democrata, Mario Cuomo, e ex-marido de uma
Kennedy, não tenha captado os perigos de abordar mulheres que
trabalhavam com ele com insinuações e, pelo menos uma vez, com um beijo
“roubado”.
As
acusações são feitas por Lindsey Boylan (“Que tal um jogo de strip
pôquer?”) e Charlotte Bennett (“Já fez sexo com homens mais velhos?”).
Como progressista de carteirinha, Cuomo tem que desmentir as acusações sem parecer que está denegrindo as mulheres que as fazem.
Ele
“lamenta verdadeiramente” que comentários feitos em ambiente de
trabalho tenham sido “mal interpretados como flerte indesejado”.
É
um jogo para equilibristas políticos, uma atividade na qual sempre se
revelou um ás, mas no qual entra já em posição de inferioridade:
qualquer coisa que diga soa como um desmerecimento das acusadoras.
Cuomo
realmente teve um comportamento destacado durante as mais de cem
entrevistas que deu diariamente, enquanto o estado sob seu comando
afundava na epidemia que ceifou 47 mil vítimas, um número altíssimo para
uma população de 20 milhões de habitantes.
Fazendo
o gênero mangas arregaçadas e objetividade misturada com arroubos
emocionais, o governador que já foi eleito o homem mais sexy dos Estados
Unidos por causa do estilo ogro, Cuomo foi exaltado tanto por sus
qualidades quanto, e talvez principalmente, por funcionar como um
contraponto ao estilo aleatório de Donald Trump em relação à pandemia.
Exaltar Cuomo era criticar Trump, e isso funcionou extremamente bem para o governador. Agora, o antagonista está fora do jogo.
Além
dos adversários republicanos, o governador enfrenta a hostilidade nada
disfarçada das alas mais à esquerda do Partido Democrata. A deputada
Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, está pedindo uma investigação
independente sobre as acusações “extremamente sérias” de assédio sexual.
Cuomo
nomeou uma juíza aposentada, Barbara Jones, para fazer a investigação,
numa atitude que não parece ter muito futuro pelas dúvidas, justificadas
ou não, sobre sua independência.
As acusações, por enquanto, devem ser vistas como são, não como prova definitiva de comportamento abusivo.
Um
caso recente de político importante acusado de crimes sexuais, Alex
Salmond, ex-primeiro-ministro da Escócia, demonstrou como o julgamento
da opinião pública pode ser precipitado. Acusado por nada menos que nove
mulheres de assédio, agressão e tentativa de estupro, ele foi absolvido
por um júri composto por oito mulheres e cinco homens.
Salmond
agora quer provar que foi vítima de uma manobra interna em seu partido,
o independentista Partido Nacional Escocês, e está numa briga de foice
com sua sucessora, Nicola Sturgeon.
O
político mais destacado já condenado por crime sexual foi o
ex-presidente israelense Moshe Katsav. Ele cumpriu cinco dos sete anos
da pena de prisão a que foi condenado.
O
posto de presidente é apenas cerimonial, mas mesmo assim foi uma
experiência chocante para o país, em especial por causa do histórico de
Katsav, um protótipo das dores do nascimento do Estado como judeu
iraniano que imigrou para Israel com a família quando era criança e foi
criado num campo para refugiados.
Mas
certamente teria sido pior se o caso tivesse sido varrido para baixo do
enorme tapete que tantas vezes esconde abusos dos poderosos.
As acusações feitas contra Cuomo não envolvem violência, mas atos indecorosos quando praticados por alguém em posição de poder.
Andrew
Cuomo pretende ser uma espécie de governador eterno de Nova York. Como
não existem limites para o número de mandatos, ele está no terceiro –
como o pai – e já anunciou que quer disputar o quarto, em 2022.
“Cuomo
centralizou o poder como nenhum outro governador dos tempos modernos e
acabou vendo a si mesmo como intocável”, analisou no New York Post o
colunista Michael Goodwin.
Quando
parecia uma voz clamando no deserto no auge da pandemia, chegou a ser
cogitado, e não pela primeira vez, como um potencial presidenciável. Não
parece ser isso o que quer – e, possivelmente, o que pode.
Por
seu perfil, Cuomo vai lutar o quanto puder. E depois mais um pouco.
Como em política o fator sorte sempre tem uma influência grande, pode
ser que os atropelos atuais sejam neutralizados e eventualmente
esquecidos.
E o Emmy estará sempre na estante para lembrar Andrew Cuomo de seus dias de glória.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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