O vírus não tem ideologia: na Bahia, no Ceará e no Maranhão, que têm governos de esquerda, a Covid mata tanto quanto em estados governados pela direita. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
A
cada dia que passa, fica mais claro que o apreço da grande mídia pelas
regras da democracia é apenas um recurso de retórica. Nesta semana, um
colunista da “Folha de S.Paulo” escreveu um artigo propondo... um golpe
militar para derrubar o presidente. Foi publicado na sexta-feira, no
site do jornal, com o título “Nata militar poderia, sim, derrubar
Bolsonaro, mas precisaria ter coragem”. No dia seguinte, o artigo saiu
na edição impressa, com outro título, mas o mesmo conteúdo.
E
adivinhem a quem o articulista comparou Bolsonaro, classificado como “o
Capetão” e “o assassino em massa do Planalto”? Isso mesmo, Adolf
Hitler. Porque, como se sabe, o presidente brasileiro é um genocida que
criou campos de concentração, prega o extermínio dos judeus em câmaras
de gás e planeja fazer um acordo com a Rússia para invadir e escravizar a
Europa. Ora, no momento em que a comparação com Hitler é o melhor
argumento que se tem nas mãos, parece recomendável refletir um pouco
antes de escrever.
Ressalte-se
que o texto não propõe um processo constitucional de afastamento do
presidente, via impeachment, dentro das regras do Estado de Direito –
como, aliás, aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff. Não, isso
demora muito. Propôs um golpe mesmo, daqueles à moda antiga, que a
esquerda gosta de associar à direita: derrubar pela força das armas, na
base da grosseria, o presidente eleito com quase 58 milhões de votos.
Tudo em defesa da democracia (como todos os golpes, né?).
Curiosamente,
o texto sugere que, consumado o golpe militar, seja oferecida ao
presidente a oportunidade de embarcar em um avião da FAB para... Israel;
caso contrário, ele será preso, processado e julgado por genocídio.
Além da democrática prisão antes do julgamento, o destino escolhido me
deixou confuso: na cabeça do articulista, Hitler e Israel estariam do
mesmo lado? (No último parágrafo, o articulista faz uma ressalva,
defendendo que o golpe militar deve ser uma resposta a uma hipotética
ordem do presidente para fechar o Congresso. Oi? Quer dizer que o artigo
inteiro, defendendo o golpe, parte da premissa de uma ordem que não
existe?)
Fazer
apologia a golpe militar, vejam vocês, agora é não apenas permitido,
mas considerado algo democrático e até bonitinho. Coisa de gente “do
bem”. Não chega a surpreender. Vale lembrar que o mesmo jornal publicou,
em julho do ano passado, um artigo com o título “Por que desejo que
Bolsonaro morra”. Frustrado o desejo fúnebre de que aquele que se odeia
morra – de facada ou de Covid-19, tanto faz – passa-se a desejar que um
general bem truculento e “corajoso”, com valores de “pátria” e
“civismo”, realize a fantasia, o sonho molhado de eliminar sumariamente o
presidente eleito, para que o Brasil volte a ser a maravilha que era na
época do Petrolão. Freud explica.
A
isso se reduziu a capacidade de análise dos intelectuais que escrevem
na grande imprensa? Porque comparar o presidente a Hitler, desejar
abertamente a sua morte ou fazer, sem qualquer constrangimento, apologia
a golpe militar são exemplos extremos e caricatos, mas de forma alguma
isolados, do ambiente de permanente sabotagem que a mídia cultiva,
trabalhando diuturnamente para impedir o governo de governar. Nada de
bom pode vir daí.
Artigos
assim, evidentemente, só servem para ilustrar o abismo crescente cavado
entre aqueles que detêm o monopólio da fala na grande mídia e o Brasil
real. O inconformismo com a derrota nas urnas e a teimosia em esquecer
que o presidente foi eleito por quase 58 milhões de brasileiros, em sua
imensa maioria pobres e trabalhadores (ou Bolsonaro foi eleito pelas
elites?) faz com que as máscaras caiam: respeitar a vontade do eleitor
só vale quando o eleitor tem a mesma vontade que eu. No exato momento em
que ele vota em um candidato de quem não gosto, passa a ser um imbecil e
fascista. Onde está a intolerância?
É
certo que, sobretudo na gestão da pandemia, o governo acumula falhas e
deve ser submetido a críticas e questionamentos – como, aliás, também
devem ser submetidos a críticas os governadores e prefeitos, que detêm,
em última instância, o poder de decisão sobre como combater a Covid.
Críticas também devem ser feitas, aliás, à parcela da sociedade que se
aglomera em festas clandestinas e depois joga no colo do governo a
responsabilidade pelo aumento de casos e mortes.
Ora,
é preciso elevar um pouco o nível do debate. Nem o presidente, nem os
governadores, nem os prefeitos, sejam de que partido forem, desejam que
ninguém morra de Covid, até porque todos perdem com o agravamento da
situação. A verdade é que, desde o início da pandemia, governos de
esquerda e direita estão agindo na base da tentativa e erro, fazendo o
que podem para enfrentar uma tragédia imprevisível e de proporções
inimagináveis.
O
vírus não tem ideologia: na Bahia, no Ceará e no Maranhão, que têm
governos de esquerda, a Covid mata tanto quanto em estados governados
pela direita. Tem alguém defendendo golpe contra esses governadores? Tem
alguém chamando esses governadores de genocidas? Tem alguém desejando a
sua morte? Acho que não.
Insistir
na politização da pandemia é torcer pelo caos e pregar para
convertidos; não contribui em nada para melhorar a situação do país,
além de comprometer ainda mais a credibilidade da imprensa. Já temos
problemas demais para enfrentar, golpismo midiático é tudo aquilo de que
o Brasil não precisa – mesmo que os golpistas se considerem “do bem”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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