"Liberdade é liberdade, não é igualdade, nem equidade, nem justiça, nem cultura, nem felicidade humana, nem uma consciência tranquila”. Isaiah Berlin, analisado pelo professor João Carlos Espada:
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Na semana passada, teve lugar um muito animado seminário online de dois
dias sobre Isaiah Berlin (1909-1997). Foi promovido pelo Labô
(Laboratório de Política, Comportamento e Mídia) da PUC-SP (Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo), em colaboração com o IEP-UCP
(Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa).
Foi uma muito estimulante conversação académica no âmbito da Teoria
Política e da História das Ideias Políticas (neste âmbito está também a
decorrer com grande adesão pública um outro Seminário conjunto sobre
“Seis Revoluções da Era Moderna”). Além disso, creio ter sido também uma
estimulante conversação pluralista entre diferentes pontos de vista —
em vincado contraste com o ambiente tribal e intolerante que cresce nas
nossas democracias.
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Berlin era em tudo contrário ao tribalismo e ao confronto
fundamentalista entre facções rivais com rivais ambições à imposição da
sua verdade única e exclusiva. Ficou particularmente célebre a sua
palestra de 1958 no All Souls College, Oxford, intitulada “Dois
conceitos de liberdade”. (Isaiah Berlin e os “dois conceitos de
liberdade ficaram para sempre indissociáveis). Aí distinguiu liberdade
negativa de liberdade positiva e sustentou o conceito fundamental de
pluralismo — no qual fundou a prioridade da liberdade negativa (ou
ausência de coerção intencional por terceiros).
Uma
das várias frases célebres daquela palestra merece ser revisitada:
“Liberdade é liberdade, não é igualdade, nem equidade, nem justiça, nem
cultura, nem felicidade humana, nem uma consciência tranquila”. A frase
exprimia a preferência de Berlin pelo conceito de liberdade negativa
associada aos liberais clássicos — entre os quais incluía John Locke,
Montesquieu, Tocqueville e John Stuart Mill, entre muitos outros. Para
esta tradição da liberdade negativa (mais tarde designada pelos seus
críticos, da esquerda radical e da direita radical, como “burguesa” ou/e
“capitalista”), a liberdade deve ser entendida basicamente como
ausência de coerção por terceiros.
Em
termos políticos, o conceito de liberdade negativa supõe a existência
de um estado limitado pela lei, sediado num Parlamento que presta contas
aos eleitores, e que respeita e protege a esfera privada das decisões
pessoais e a pluralidade de associações privadas a que chamamos
sociedade civil.
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Ao defender enfaticamente a prioridade deste entendimento negativo da
liberdade, Berlin sublinhou que esse entendimento não implica que a
liberdade seja o único valor estimável. Existem muitos outros
(designadamente os que ele propositadamente incluiu na famosa citação já
referida: seguramente são estimáveis os valores da igualdade, ou da
equidade, ou da justiça, ou da cultura, ou da felicidade humana, ou de
uma consciência tranquila). Mas Berlin criticou a ideia monista de que é
possível reconciliar todos esses valores num todo harmonioso, sem
conflito nem tensão entre eles. Essa ideia monista de imaginar o paraíso
na terra é infeliz, disse Berlin. Em regra, gera infernos totalitários.
Daí
que Berlin tenha defendido uma abordagem pluralista: existe
objectivamente uma pluralidade de valores, muitos deles estimáveis,
muito deles respeitáveis. Mas a harmonia total entre eles não é
possível. Haverá choques, ou, pelo menos, tensões. E terá de haver
escolhas. Uma sociedade decente tentará evitar escolhas trágicas. Mas
não pode reconciliar todos os valores. O desejável compromisso entre
eles implicará sempre alguma perda em cada um deles. A esta modesta
aceitação da pluralidade de valores e do desejável compromisso entre
eles, Berlin chamou pluralismo.
Creio
que foi por essa razão que Berlin concluiu que “o pluralismo, com a
medida de liberdade negativa que ele implica, parece-me ser um ideal
mais verdadeiro e mais humano do que os objectivos daqueles que procuram
nas grandes, disciplinadas e autoritárias estruturas o ideal do
autogoverno ‘positivo’, por classes, ou povos, ou pelo conjunto da
humanidade. É mais verdadeiro, porque pelo menos reconhece o facto de
que os objectivos humanos são muitos, nem todos eles comensuráveis, e em
perpétua rivalidade uns com os outros.”
4
A conferência de Isaiah Berlin em Oxford sobre os dois conceitos de
liberdade foi justamente interpretada como um eloquente manifesto
anti-comunista. E Isaiah sempre reconheceu e assumiu a sua disposição
anti-comunista. À qual gostava sempre de acrescentar a sua disposição
anti-nazi e anti-fascista. E a ambas gostava sempre de acrescentar a sua
disposição em prol da chamada “democracia burguesa ou capitalista
euro-atlântica”.
Talvez
por motivos pessoais, Berlin associava esta democracia burguesa
euro-atlântica sobretudo à tradição britânica de soberania do pluralismo
parlamentar sob a regência da lei. Nascido em Riga, na Letónia, em
1909, deslocou-se com seus pais para S. Petersburgo, em 1917. A família
festejou a inicial revolução liberal russa (depois designada burguesa)
de Fevereiro de 1917. Em seguida, assistiram com horror à brutalidade
fanática da revolução comunista de Outubro.
Os
pais de Berlin acharam que já tinham a sua dose de brutalidade
comunista e, em 1921, escolheram o exílio em Inglaterra. Isaiah Berlin
estudou então na St. Paul School, Londres, e depois em Christ Church,
Oxford. No início da II Guerra, alistou-se como voluntário nas Forças
Armadas britânicas. Devido a um problema fisiológico, não foi admitido.
Ficou devastado. Conseguiu em seguida ser admitido no corpo diplomático
britânico e foi enviado para a Embaixada britânica em Washington. Daí
começou a enviar notáveis relatórios semanais — que o primeiro-ministro
Winston Churchill exigiu ser o primeiro a ler, logo que chegassem.
5 Michael Ignatieff, biógrafo de Isaiah Berlin, descreve assim a profunda convicção pluralista de Isaiah:
“Durante
toda a sua vida, Berlin atribuiu ao espírito inglês quase todo o
conteúdo do seu liberalismo: ‘Que o respeito decente pelos outros e a
tolerância em relação à discordância são melhores do que o orgulho e o
sentido de missão nacional; que a liberdade pode ser incompatível com, e
melhor do que, demasiada eficiência; que o pluralismo e um certo
desalinho são, para aqueles que valorizam a liberdade, melhores do que a
imposição de sistemas abrangentes, por mais racionais e desinteressados
que estes sejam, e melhores do que a vontade da maioria contra a qual
não haja apelo.’
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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