
Por Francisco Gomes Jr.
Vivemos
tempos de polarização e a análise política é habitada de subjetivismos.
Redes sociais trouxeram a possibilidade da formação de nichos de
opinião, onde se fala para uma plateia determinada, com possibilidade de
seleção através de bloqueios e cancelamentos. O discurso para um
público específico se estendeu às grandes mídias, onde já se sabe de
antemão o que será dito por aquele jornalista ou emissora, nunca houve
tanto descaramento quanto à imparcialidade analítica.
O formador
de opinião que falava para todos está com os dias contados, substituído
por influencers de mídias digitais. A assistência hoje só vê e lê aquilo
que quer. Houve a supressão do diálogo político e da linguagem comum
que permitia uma intersecção de entendimentos e argumentos. A audiência
não quer mais ouvir comentário de quem discorda, o feed das redes
sociais implantou o hábito de cada um só ler e visualizar o que espera, a
sua “verdade”. Sim, a verdade não é mais única, indiscutível. Ela é
múltipla mesmo para um único fato.
A “pós verdade” não é mais só
um neologismo, possibilita interpretar fatos e a própria História da
maneira que melhor lhe convenha. Uma mudança incompreensível para o
pensamento tradicional, cartesiano e aristotélico.
Negar tais
mudanças interpretativas, linguísticas e comportamentais é manter-se em
uma zona de conforto de onde não se quer sair. Jornalistas, juristas e
cientistas políticos atribuem a quem não segue a verdade, a lógica e a
ciência a pecha de negacionistas, mas não percebem que são também
negacionistas aqueles que não aceitam a nova realidade que as mídias
sociais trouxeram.
Muitas pessoas só leem notícias e se atualizam
pelas redes sociais. E mesmo assim boa parte dos analistas não se
esforça para conhecer as mídias digitais, usa lugares comuns em
comentários sobre a disseminação de notícias, falando em robôs, sem
saber como funcionam algoritmos ou dados anonimizados, estão na
pré-história. E tais mídias são cada vez mais decisivas em qualquer
movimento político, eleitoral ou de ruptura, dando vantagem a quem
melhor utilizá-las para disseminar sua “verdade”.
A tradicional
análise, metódica e mesmo matemática desatualizou-se. Dados objetivos
como por exemplo renda per capita, índice inflacionário, nível de
desemprego, resultado do PIB, não mobilizam a maioria dos cidadãos.
Pode-se brigar com esses e qualquer índice, que serão taxados de
fraudulentos, falsos ou manipulados, sem a necessidade de se provar
nada.
A pós verdade permite agredir instituições em nome da
liberdade de expressão, permite armar a população em nome de uma suposta
segurança, e assim por diante. Contribui para a disseminação desse modo
de ver as coisas o atoleiro político em que o país se enfiou.
A
esquerda ainda fala de 64, com discurso revanchista, louva Lula por
tirar milhões da pobreza e choram com o golpe institucional que vitimou
Dilma Roussef e não fazem auto crítica sobre a corrupção em seus
governos. Cada partido de esquerda tem seu próprio mundo que não se
conecta com os demais, dividem-se cada vez mais e falam em “frente
ampla”. O centro é ocupado por um superlativo, um “centrão”, essa sim
uma frente ampla que muitos acreditam servir apenas aos próprios
interesses.
A direita, inclusive a extrema, adaptou-se às mídias
sociais. Não perde tempo argumentando com o adversário, chama-o de
ladrão, vagabundo e discussão encerrada. Analistas continuam condenando a
postura deseducada e primária, mas a direita vem lacrando nas redes.
Steve
Bannon, estrategista da campanha de Trump, diz que o “personagem” deve
dar declarações diárias, polêmicas, mesmo que absurdas e contraditórias,
com um único objetivo, o de disputar espaço no noticiário. Com isso
sobra menos espaço para críticas. Quanto mais absurda a declaração, mais
chamará a atenção e mobilizará as audiências. O “personagem” será visto
todos os dias, pautará o noticiário com seus assuntos e confundirá
sobre todos os assuntos, desconstruindo a verdade aos poucos.
Não
é uma novidade, é uma digitalização da dialética erística, uma versão
4.0 do pensamento de Schopenhauer na obra “Como vencer um debate sem
precisar ter razão”, onde apresentam-se esquemas argumentativos
enganosos para persuadir o público.
Com o suporte das mídias
digitais esses argumentos ganham proporções inimagináveis, ganham
eleições. Inegável que a direita se prepara cada vez mais para essas
batalhas digitais, com um verdadeiro exército (não de robôs, mas de
células multiplicadoras), enquanto outros campos políticos perdem seu
tempo discutindo a pauta colocada pelo “personagem”. Sem a desconstrução
desse arcabouço, a tendência aponta para a perpetuação no poder
daqueles que melhor lidam com o meio digital, que pode servir a muitos
fins.
Sobre Francisco Gomes Júnior:
Advogado sócio da OGF Advogados, formado pela PUC-SP, pós-graduado em Direito de Telecomunicações pela UNB e Processo Civil pela GV Law – Fundação Getúlio Vargas. Foi Presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB.
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Tiago Cazeri
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