De joelhos, Ann Roza Nu Tawng pediu clemência para manifestantes de Mianmar e não teve muito sucesso, exceto por mostrar poder do espírito humano. Vilma Gryzinski:
Num mundo um pouco mais ideal, o gesto da irmã Ann Roza teria conseguido um milagre.
De
joelhos, ela implorou a um grupo que soldados que não atirassem nos
manifestantes que estão desafiando as ordens do general que deu um golpe
em Mianmar e mandou todo mundo calar a boca.
Os
católicos são uma minoria no país, a antiga Birmânia, desde o tempo em
que os portugueses conquistaram Goa, na Índia. Dois dos soldados
responderam ajoelhando-se também, fazendo o gesto budista – e universal –
das mãos unidas.
Como
o mundo está bem longe do ideal, o gesto comovente da freira deu em
nada. Os soldados foram respeitosos, mas continuaram cumprindo as
ordens: dissolver os protestos nem que seja a bala.
Pouco depois de se levantar, a irmã Ann Roza viu um jovem manifestante tombado no chão com um tiro na cabeça.
O
ciclo de protestos e repressão violenta tem sido o mesmo desde o começo
de fevereiro, quando a cúpula militar, que permitia um simulacro de
democracia tutelada, deu um golpe clássico em resposta à maciça votação
no partido de Aung San Suu Kyi, a heroína da resistência birmanesa.
Ao contrário das longas décadas em que o país viveu sob um regime militar fechadíssimo, o espírito dos tempos é outros.
A
geração mais jovem cresceu durante a abertura e os manifestantes têm o
ícone de nossa era – o telefone celular – para imitar protestos em Hong
Kong e na Tailândia, além de fazer suas próprias inovações, com
apresentações musicais, dancinhas de TikTok e até a adesão das graciosas
participantes do Miss Universo Mianmar.
Tudo,
infelizmente, em vão. O general Min Aung Hlaing, o chefe do golpe, não é
o tipo de sujeito que se deixa impressionar por protestos e apelos,
sejam das candidatas a miss, sejam de uma freira sem nenhuma importância
na ordem geral das coisas – exceto para os que viram nela um belo ato
de fé e resistência pacífica.
A
história recente tem vários personagens similares, capazes de mostrar o
poder do espírito humano mesmo quando tudo está perdido. Os jovens
húngaros da rebelião de 1956 e os bravos tchecos da Primavera de Praga,
no momentoso ano de 1968, foram, obviamente, vencidos pelos tanques
soviéticos.
O
chinês de camisa branca que peitou uma coluna de tanques durante outro
período de fervura interna, que culminou com o massacre na Praça da Paz
Celestial, também não conseguiu nada.
Pela
doutrina oficial chinesa, a brutal repressão foi necessária para coibir
um levante que ninguém sabia como terminaria e também permitir a
abertura controlada da economia que conseguiu avanços prodigiosos no
país, a caminho de se tornar a maior potência econômica do mundo.
A
China hoje é a força externa mais influente em Mianmar, um país
pequeno, pobre e desimportante. Com uma renda per capita de 1,6 dólares e
níveis colossais de corrupção, está na categoria dos lugares ignorados,
exceto quando aparece uma personalidade poderosa como Aung San Suu Kyi,
recolhida, de novo, à prisão domiciliar.
Ou
alguém como a freira Ann Roza Nu Tawng para nos lembrar, com seu gesto
de humildade, que o mundo tem problemas maiores do que Harry e Meghan
chorando suas mágoas ou mesmo que o sentimento cíclico de que o Brasil
não tem jeito mesmo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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