Não será fácil reverter um movimento tão forte de expansão do gasto
público e dos poderes governamentais como o que está ocorrendo agora.
Editorial da Gazeta:
Uma boa notícia no pior momento possível – esta é praticamente a
única forma de encarar o resultado do Brasil na mais recente edição do
Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, publicado no país
em uma parceria da Gazeta do Povo com o Instituto Monte Castelo. Depois
de 15 anos de declínio ininterrupto, o Brasil voltou a ganhar posições
em 2019, de acordo com os dados divulgados na quarta-feira, passando do
153.º para o 144.º lugar – um desempenho ainda muito longe do ideal, mas
que dava ideia de onde o Brasil poderia chegar se mantivesse o ritmo
das reformas. A pandemia do coronavírus, no entanto, pode atrasar ou até
reverter essa evolução.
O avanço de 1,8 ponto em uma escala que vai de zero (economias
totalmente reprimidas) a 100 (economias totalmente livres) foi o 36.º
maior entre os 180 países avaliados, mas os 53,7 pontos ainda colocam o
país na condição de “majoritariamente não livre”. A Heritage Foundation,
em seu relatório, destaca a aprovação da reforma da Previdência como o
grande acontecimento de 2019 para o país, mas também seria preciso
incluir a aprovação da Lei da Liberdade Econômica, que afrouxou a
burocracia, especialmente para o pequeno e médio empreendedor. Dos 12
indicadores avaliados pela fundação, o Brasil avançou em apenas quatro,
mas com força suficiente para puxar o indicador global para cima:
integridade do governo (alta de 17,5 pontos), liberdade de negócios (2,6
pontos), liberdade monetária (1,7 ponto) e liberdade de investimento
(10 pontos).
O grande nó para o avanço da liberdade econômica no país continua a
ser a questão fiscal e o gasto governamental, dois critérios nos quais o
Brasil regrediu em 2019, com deprimentes 4,6 pontos (novamente, em
escala de zero a 100) no item “saúde fiscal”. Afinal, o país continua a
colecionar déficits primários ano após ano, e mesmo antes do coronavírus
já se estimava que 2020 não seria diferente, com um rombo ainda maior
que o do ano passado, amenizado apenas pela entrada de receitas
extraordinárias, como as do leilão do pré-sal.
E a pandemia tem tudo para terminar de destruir o que restava da
saúde fiscal do país. Quando conseguiu do Congresso o reconhecimento do
estado de calamidade pública, o governo ainda trabalhava com um cenário
no qual o gasto adicional seria pouco e destinado apenas à saúde, com a
maior parte das medidas econômicas consistindo em adiamento de impostos,
antecipação de benefícios e novas linhas de crédito. À medida que o
caos foi se instalando e ficou claro que a atividade econômica seria
paralisada por tempo considerável, ficou clara a necessidade de colocar
mais dinheiro público para garantir que empresas não quebrem e
trabalhadores tenham como sustentar a si mesmos e suas famílias. Em 30
de março, relatório do Tesouro Nacional já projetava um déficit primário
de R$ 400 bilhões neste ano.
Os gastos são necessários em circunstâncias extraordinárias, mas
deixarão consequências duradouras. Como explicou à Gazeta do Povo o
coordenador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie,
Vladimir Maciel, ainda sofremos as consequências do aumento do gasto
público e do tamanho do Estado no pós-crise de 2008, quando a liberdade
econômica no Brasil começou a regredir de forma mais drástica. E não nos
esqueçamos de que nem naquela época se observou um ataque frontal à
liberdade econômica da magnitude verificada agora, com a suspensão por
decreto de diversas atividades. Só o que serve de consolo neste momento é
o fato de que as medidas restritivas de agora são o resultado de uma
situação excepcional, e não de uma ideologia intervencionista do poder
público – especialmente quando falamos do governo federal, o mais
comprometido com a liberdade econômica a ocupar o Palácio do Planalto
nos últimos anos.
Por fim, a pandemia ainda impacta a própria agenda de reformas, que
passou para o segundo plano: é altamente improvável que uma reforma
tributária seja aprovada ainda no primeiro semestre, como se estimava no
início do ano; quanto à reforma administrativa, nem chegou a ser
enviada ao Congresso pelo governo, e talvez nem o seja enquanto durar o
surto do coronavírus.
Não é simples reverter um movimento tão forte de expansão do gasto
público e dos poderes governamentais como o que está ocorrendo agora. A
economia global jamais será a mesma depois da pandemia em muitos
aspectos, mas, do ponto de vista fiscal e legal, poderemos dar-nos por
satisfeitos se o país for capaz de retornar ao esforço de ajuste e de
desburocratização que vinha sendo empregado até semanas atrás, para
poder continuar avançando de onde parou. Só essa normalização já
consumirá todo o esforço que poderíamos ter devotado ao prosseguimento
das reformas em 2020, se o mundo não tivesse sido engolido pelo caos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário