Empresários preveem danos fatais aos 52 segmentos do turismo; capital tem apenas 40 hotéis abertos
Tailane Muniz
As viagens, o encontro presencial entre pessoas, inspiram o despertar para a arte em suas variadas formas. O descobrimento de novas culturas e expressões, o toque e a relação interpessoal. Ações que moldam o turismo e que estão condenadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde que a pandemia do novo coronavírus se apresentou globalmente e, no Brasil, além de milhares de mortes, coloca setores diversos de frente para uma crise nunca antes administrada.
Nem em 11 de setembro de 2001 – quando o atentado terrorista organizado pelos fundamentalistas islâmicos da al-Qaeda às Torres Gêmeas (EUA) chocou o mundo –, um impacto assim foi sentido pela cadeia turística, comenta a presidente do Conselho Regional de Turismo e da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav-BA), Ângela Carvalho. Na Bahia, até o meio-dia desta quinta-feira (30), o vírus causador da Covid-19 já havia matado 104 pessoas e infectado outras 2.851.
“Nós fomos o primeiro setor atingido”, conta, ao lembrar dezenas de viagens e reservas canceladas já em janeiro, poucos dias depois que o coronavírus fez as primeiras vítimas na cidade de Wuhan, na China. “E certamente seremos a área que mais vai demorar a se recuperar, porque as pessoas primeiro precisam retomar a confiança de viajar. Eu lembro que o atentado [em 2001] foi impactante, mas esta é uma crise nunca antes vivida”, lamenta.
Ao bahia.ba, Ângela pontua que o segmento de viagens – um dos pilares do turismo – conta ainda com outros fatores que dificultam o retorno à normalidade. “Muitas pessoas perderam e vão perder empregos. Existem aqueles que planejaram a viagem para o segundo semestre mas tiveram as férias antecipadas, além da renda familiar que tende a diminuir, tudo isso contribui para um cenário muito preocupante”.
E a preocupação perpassa o turismo emissivo e o receptivo – já que há fronteiras fechadas em nível municipal, estadual, nacional e internacional. “A Bahia tem 13 zonas turísticas. Esses municípios dependem do turismo para ter receita, a atividade é muito importante para o PIB [Produto Interno Bruto] do nosso estado. Por enquanto, começam a surgir alguns planejamentos e protocolos para a reabertura de hotéis e restaurantes”, acrescenta, ao reforçar a incerteza quanto às datas.
Hotéis abertos têm taxa de ocupação menor que 20%
E o cenário da hotelaria, em Salvador, reflete o isolamento. Embora não haja um decreto municipal específico para o fechamento de hotéis na cidade, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia (Abih-BA), Luciano Lopes, conta que dos 404 estabelecimentos do segmento – que inclui ainda hostels, albergues e pousadas – apenas 40 seguem funcionando.
“Juntando os abertos, eles não têm uma taxa de ocupação de 20%. E manter um hotel em funcionamento exige custos elevados”. Luciano afirma, contudo, que os empresários da área têm, junto à Abih-BA, reunido esforços para repensar o cenário e, sobretudo, não tomar atitudes precipitadas. “É difícil lutar porque sequer sabemos as armas que o inimigo tem. Não dá tomar qualquer decisão visando o futuro do turismo. É uma economia de guerra e, por enquanto, estamos seguindo as orientações”, comenta, ao citar o distanciamento social orientado pela OMS.
Ainda de acordo com a Abih-BA, as zonas turísticas têm danos maiores ou menores em meio à pandemia. “Salvador, por exemplo, não tem a maior parte de sua economia ligada à hotelaria. Morro de São Paulo, Itacaré, Porto Seguro [sul baiano], sim, são cidades que vivem de turismo, o que significa muito desemprego, também”.
A recuperação no segmento, avalia, vai vir primeiro àqueles hotéis que estão mais voltados a receber reuniões empresariais – mas isso, no futuro. “É um momento inseguro para todos. As pessoas não estão pensando em viajar. Então, os hotéis que têm ainda alguma ocupação são aqueles ligados a negócios. Para esses, imaginamos um início, talvez, em junho, julho, em curva crescente até chegar ao turismo de lazer, mas é difícil delinear”.
‘Ano perdido’
O Monte Pascoal Praia Hotel, localizado na Barra, passou bem a primeira quinzena de março, com a ocupação à beira de 80%. Mas em questão de poucos dias os casos da Covid-19 saltaram na Bahia, dia a dia, e o estabelecimento fechou as portas. Temporariamente, enfatiza o empresário Glicério Lemos, proprietário do hotel há 32 anos. “Esse é um ano perdido, não tem para onde reagir”.
Glicério pontua que decidiu interromper as atividades porque, já na segunda metade do terceiro mês do ano, havia apenas três apartamentos ocupados. Ou seja: prejuízo. Nas palavras dele, para um hotel que, no final do ano passado, chegou a investir R$ 3,5 milhões em um processo de modernização, ter a taxa de ocupação menor que 60% é inviável.
“A terceira semana foi uma coisa horrível. Um cancelamento abrupto de reservas. As pessoas que estavam hospedadas, famílias alemães e argentinas, estavam porque não podiam viajar imediatamente. Eu nunca vi coisa igual nesses anos todos”. O empresário explica que, assim como os demais setores do turismo, não há expectativa para tão logo. Por ora, precisou rescindir contratos apenas com os funcionários extras contratados para a alta estação. “Novembro ou dezembro para voltar a operar, talvez. Estamos ainda analisando, porque tudo isso é uma aberração”.
A pandemia que motivou prefeitura e estado a determinarem o fechamento de bares, restaurantes, shoppings, escolas e até fronteiras entre os municípios, é vista de perto por olhos incrédulos. “Nossa geração de empresários foi a que pegou mais planos econômicos, etapas difíceis de recessões políticas, saídas de presidentes, mas essa crise acabou com 2020, tínhamos ótimas expectativas”, diz, ao citar que a capital receberia, este ano, o Conselho Nacional de Hotelaria (Conotel) – onde dez mil pessoas eram esperadas.
‘Cinco anos liquidados em dez dias’
O setor de turismo, em Salvador, já esteve em maus lençóis, diz o trade. O que, segundo os empresários, envolvia de questões políticas às de infraestrutura. Faz cinco anos que o segmento iniciou o processo de retomada da capital como um dos grandes destinos do Brasil. Em novembro de 2019, foi eleita a cidade mais procurada do país pelos turistas – título concedido pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa).
Era o momento em que se preparava para viver o maior pico de visitantes dos últimos 12 anos. E viveu, assegura o presidente da Salvador Destination, Roberto Duran. À reportagem, Duran afirma que o turismo é o segmento que mais sofre com a crise sanitária causada pelo vírus – que já matou 231 mil pessoas em todos os continentes do mundo.
“Turismo é o encontro de pessoas. E isso vai de encontro ao que orienta a OMS. São 52 segmentos e todos estão praticamente em exaustão, salvo os poucos hotéis que estão abertos e os restaurantes que operam no esquema do delivery. São cinco anos liquidados em dez dias”, afirma, em referência ao período inicial do isolamento social, em março.
Roberto acredita que, dos hotéis que já anunciaram fechamento, muitos sequer vão retomar as atividades. “Reabrir não é fácil, exige um capital de giro. É um segmento que retorna gradativamente. E todo reinício é difícil. Pode ser que demore mais seis meses, um ano, dois, não sabemos”.
A quarentena adotada em Salvador segue o mesmo ritmo de muitas outras capitais, comenta o empresário, e dá a sensação de que o mundo parou. “É uma coisa louca, porque as pessoas precisam sobreviver, se alimentar, comer. Não é uma coisa simples, os governantes precisam estudar e colocar na balança para conduzir pelo melhor caminho”, reflete.
A crise sem precedentes, reafirma Duran, deixa a todos sem perspectiva de melhora – já que não existe memória de como gerir algo nunca antes visto pelo mercado. O empresário diz ainda que a única certeza, agora, é que os danos são dolorosos e serão sentidos a médio e longo prazo.
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