O primeiro-ministro Stefan Löfven nem sequer aparece e faz discursos,
deixou tudo nas mãos do diretor de vigilância sanitária e muita gente
torce contra. Vilma Gryzinski:
Comportem-se “como adultos” e não espalhem “pânico e boataria”.
Essa foi a base do que o primeiro-ministro sueco disse até agora ao
país sobre a pandemia que já tem, em escala global, mais de um milhão de
casos confirmados e 50 ml mortos.
Stefan Löfven não tem nada de “negacionista do coronavírus”. É um
social-democrata de raiz, com uma longa carreira sindical, iniciada
quando era soldador de uma fábrica de armamentos.
Hoje a social-democracia parece envelhecida e até arcaica, mas foi
ela que atingiu o ápice do estado de bem estar social nos países
escandinavos.
Esse fundamento sólido dá segurança às autoridades da Suécia
para seguir um caminho que já está sendo chamado de “excepcionalista”:
não fechar o país, não decretar o isolamento em massa, não paralisar a
economia.
É claro que tem uma enorme torcida contra, principalmente fora da
Suécia, onde a epidemia virou um pretexto para politizar o vírus e
acusar governantes conservadores de deliberadamente arriscar a vida de
seus próprios cidadãos (atenção, estamos nos mantendo nos limites de
Estados Unidos e Inglaterra).
“Eles estão nos levando para a catástrofe”, disse ao Guardian a
pesquisadora Cecilia Söderberg-Nauclér, do Instituto Karolinska. Mais 2
000 médicos e cientistas fizeram um abaixo-assinado pedindo restrições
mais severas.
A Suécia tinha até ontem cerca de 5 600 casos confirmados e quase trezentos mortos. A mortalidade empatava com o Brasil.
Segundo um matemático da Universidade de Estocolmo, Tom Britton, na
verdade provavelmente já existe um milhão de infectados e metade do país
de 10 milhões de habitantes chegará nesse ponto até o fim do mês.
Sem jamais mencionar a expressão, a Suécia está seguindo o sistema de
buscar a imunidade de grupo, ou de rebanho, contando que tem condições
de hospitalizar e tratar os casos mais graves, enquanto os leves se
disseminam e atenuam o impacto, tanto sanitário quanto econômico, em
especial de uma segunda onda da epidemia.
A Inglaterra começou no mesmo caminho e deu uma guinada no meio.
Como Löfven não se declarou comandante da guerra ao vírus, não faz
pronunciamentos ao país, não usa discursos dramáticos e segue o
protocolo de independência dos órgãos de vigilância sanitária, quem
aparece é o epidemiologista Anders Tegnell.
Mesmo com o ar um tanto cansado de quem ouve as mesmas perguntas sem
parar, principalmente de jornalistas estrangeiros inconformados com a
posição da Suécia, Tegnell explica com palavras diretas e claras.
“Vocês agem como se a epidemia pudesse ser controlada longo de
algumas semanas, ou no máximo meses”, disse ao Corriere della Sera, o
jornal de Milão, no foco da pior mortandade do mundo por Covid-19.
“Nós, ao contrário, estamos tentando diminuir seu ritmo porque
acreditamos que essa doença não vai desaparecer tão cedo e teremos que
conviver com ela a longo prazo. Pelo menos até a introdução de uma
vacina, o que levará anos”.
“Tentar represar uma epidemia pode até ser contraprodutivo porque uma
vez que a cadeia de contágio é retomada, é possível que a situação se
torne ainda pior”.
“Não podemos parar a economia por tempo ilimitado. Mais cedo ou mais
tarde, seríamos obrigados a reabrir tudo e a situação poderia piorar
mais ainda. Não podemos excluir o risco de recidiva, não temos
informação suficiente sobre o vírus”.
Qualquer outro que falasse isso seria linchado, mas Tegnell é feito de material aparentemente inabalável.
Se Löfven, como político, sente mais o risco de ser responsabilizado nas urnas por nadar contra a maré, nada apareceu.
“Não podemos ficar fazendo leis e proibir tudo”, já argumentou. Como
ex-sindicalista e político de centro-esquerda, ele certamente não é
nenhum libertário.
Entregue em adoção pela mãe quando tinha dez meses ao um casal onde o
pai era madeireiro, com filiação sindical desde os treze anos e
carreira feita toda no movimento trabalhista, ele não tem muita
experiência direta na política parlamentar. Foi eleito deputado apenas
em 2014, enfrentou um voto de censura e hoje governa em coalizão com o
Partido Verde.
A social democracia na Suécia e nos outros países escandinavos
conseguiu o alto índice de desenvolvimento pelo sistema de participação
dos “três pilares”: governo, empresas e sindicatos.
Durante décadas, funcionou magnificamente e continua a segurar o
padrão de vida único mesmo com problemas como a bomba demográfica, a
imigração em massa e os gastos sociais que nem os impostos altíssimos
conseguem garantir a longo prazo.
Diante de jornalistas inconformados com bares abertos (mas agora só
com acomodação em mesas, não no balcão), creches e escolas primárias
funcionando, parques movimentados no início de primavera e
trabalhadores convidados a se recolocar em casa, se acharem possível,
está tendo uma corrida às explicações sobre o excepcionalismo sueco.
“Na nossa normalidade, de repente viramos um lugar exótico”, escreveu
Fredrik Erixon na Spectator, com humor que hoje parece impossível em
qualquer lugar do mundo.
“Meus amigos estrangeiros estão estarrecidos. Não conseguem imaginar
como possam existir pessoas que ainda aproveitam os frutos da
civilização”.
Erixon comenta que a Suécia atingiu o ápice da intervenção do
estado-babá, do tipo que aconselha os cidadãos quantas fatias de pão
deve comer, mas também parte do princípio de que “numa democracia
liberal, as pessoas devem agir por convencimento e não por ordens. Se
perdermos este princípio, perdemos a alma”.
“O excepcionalismo sueco é uma questão de princípios, não de epidemiologia”.
Mas é claro que pesam outros fatores sociais. O mais mencionado, com
um risinho irônico, é que os suecos, na maioria, já são adeptos
naturalmente do isolamento social. Não gostam de muita interação com
desconhecidos – e conhecidos também.
Geralmente, férias perfeitas são aquelas em que podem se embrenhar pelo interior, em lugares o mais longe possível dos outros.
Os idosos vivem sozinhos, o que facilita o isolamento aconselhado aos acima de 70 anos.
Seria absurdo comparar a Suécia aos Estados Unidos, por exemplo.
Tamanho, população, densidade, rede social, cultura, tudo é
completamente diferente.
Mas a experiência sueca tem um padrão de comparação bem próximo: a Dinamarca.
O país vizinho tomou medidas mais parecidas com os dos outros
europeus, mas já está na fase de começar a retomar as atividades. Tinha
123 mortes no último balanço.
Muitos dinamarqueses estão transbordando de orgulho pela maneira como
parecem ter controlado a epidemia – e, como sempre, falando mal dos
vizinhos suecos, um dos passatempos nacionais prediletos.
“Depois que tudo isso acabar, vamos ver quem se saiu melhor”, propôs a um site dinamarquês o onipresente Anders Tegnell.
O resto do mundo também quer saber. Se ambos se saírem bem, será um consolo no meio de tanta desgraça.
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