A independência brasileira mais parece com a dos Estados Unidos: o filho
que se torna maior que o pai e que tem horror a revoluções. Artigo de
Carlos Jr. para o Instituto Liberal:
Dentre tantos acontecimentos históricos que marcaram a trajetória
brasileira, a independência em 1822 é sem sombra de dúvidas o mais
emblemático. Ao mesmo tempo, é também o mais mal contado, com uma
omissão de detalhes e fatos importantíssimos para uma compreensão
verdadeira do acontecimento. Faço aqui algumas breves considerações em
uma espécie de ajuda a fim de lançar luz em uma escuridão permanente.
A primeira coisa a ter em mente é o contexto histórico do momento em
questão. Era a época da Revolução Francesa, da efervescência do
iluminismo, dos direitos do homem e dos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade. Os revolucionários franceses queriam jogar na lata de
lixo da história tudo o que definia o homem e a sua natureza. A
guilhotina não passou apenas no pescoço de suas vítimas; passou também
nas tradições, no Cristianismo, nos costumes e nas grandes biografias
heroicas. A ideia era descartar a natureza humana e a ordem das coisas
de então, derrubar intelectualmente e politicamente a classe política
nobre e o clero católico.
O fenômeno revolucionário despertou o temor das monarquias europeias,
uma vez que as ideias iluministas poderiam tomar toda a Europa e fazer
os regimes de então irem abaixo. Com isso, começa uma guerra entre a
união militar dessas monarquias, a Santa Aliança e o exército
revolucionário francês. O último consegue vitórias excepcionais e faz
surgir a figura de Napoleão Bonaparte. Com seu ideal expansionista, toma
toda a Europa, exceto dois países: Inglaterra e Portugal. Para derrotar
o primeiro, pressionou o segundo. Dom João, o príncipe regente, teria
que escolher de qual lado ia ficar com a difícil missão de proteger um
reino pobre e em profunda decadência. Preferiu o lado inglês, que lhe
garantiu proteção para sua escolha: ir para o Brasil e levar a corte do
Império para a cidade do Rio de Janeiro.
Dom João VI chega no Brasil e promove uma série de transformações:
fábricas, bancos, jornais, moeda, escolas, tribunais… Uma série de
coisas não existentes passariam agora a ter vida no país. Não por acaso,
ele é considerado o pai da nacionalidade brasileira, pois ele trouxe
novos e reforçou antigos fundamentos do legado português em solo
americano. Tanto que, em 1815, Dom João VI estabelece o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves – em uma manobra também orquestrada pelo
chanceler francês Talleyrand.
Passada a guerra napoleônica, os portugueses esperavam a volta de Dom
João VI e da família real. Porém, o rei via seu futuro no Brasil e não
era de sua vontade o regresso a Portugal. Com a recusa da volta do rei e
a subjugação portuguesa à Inglaterra, completou-se o clima de
insatisfação que fez gerar-se a dita Revolução Liberal do Porto –
liberal em um sentido francês, não no clássico inglês.
A ideia dos revolucionários portugueses era mais ou menos esta:
exigir a volta de Dom João VI com a corte real, fundar uma Assembleia
Nacional Constituinte, fazer uma nova Constituição e obrigar o rei a
assiná-la. Quanto ao Brasil, a intenção era de rebaixá-lo ao status
anterior, quebrar as províncias brasileiras e unificar esse emaranhado
em um centro português, no caso Lisboa.
Vejam: fundação de Assembleia Nacional Constituinte, nova
Constituição, subjugação do rei… Era um roteiro semelhante à Revolução
Francesa – um roteiro muito bem conhecido. Dom João VI não podia
arriscar sua coroa e condenar Portugal a um banho de sangue, uma vez que
sua presença era essencial para a garantia da estabilidade no país. Com
isso em mente, ele voltou em 1821, mas deixou seu filho Pedro de
Alcântara como príncipe regente do Brasil e com isso a manter ambos os
países sob a Casa de Bragança.
Na chegada, as cortes revolucionárias ficaram possessas com o fato de
o príncipe ter ficado no Brasil como regente. Pressionaram então pelo
retorno de Dom Pedro, ao mesmo tempo em que o povo brasileiro
pressionava por sua permanência. De início, a ruptura com Portugal não
era vislumbrada. José Bonifácio, o pai fundador do Brasil e ministro de
Dom Pedro, vislumbrava a permanência do país no Reino Unido com
Portugal.
Porém, a vontade estúpida das cortes portuguesas em subjugar o Brasil
e desconectar seu imenso território era maior. Bonifácio e a imperatriz
Leopoldina, esposa de Dom Pedro, perceberam o óbvio: a materialização
da vontade das cortes significaria na prática a quebra do Brasil em
republiquetas hostis, fato que iria provocar tragédias imensuráveis. Ao
convencerem Dom Pedro a ficar, preparam o caminho para nossa
independência. O Dia do Fico foi a atitude corajosa de um futuro monarca
e soberano de um nascente país.
A independência foi consumada em 7 de setembro de 1822, com a carta
de José Bonifácio a Dom Pedro – esta recomendava a separação definitiva
do Brasil com Portugal. Produto de sábia solução orquestrada por nosso
pai fundador José Bonifácio, nossa imperatriz Leopoldina e nosso
corajoso Dom Pedro I, foi um ato de bravura e perfeito diagnóstico da
presente situação.
Foi também uma obra contrarrevolucionária. Aconteceu com o peso da
Revolução Francesa e da Revolução Liberal do Porto, mas também evitou
futuras revoluções no país – caso o desejo das cortes portuguesas fosse
cumprido. A independência brasileira mais parece com a dos Estados
Unidos: o filho que se torna maior que o pai e que tem horror a
revoluções.
Referências:
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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