MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Boris Johnson merece o benefício da dúvida


Boris Johnson apresentou uma ideia para o seu país. Um projeto, uma visão. E a democracia é isso: a apresentação, discussão e escolha de diferentes opções. Não é escondendo o jogo que os políticos a enaltecem, mas quando dizem antecipadamente ao que vão. Artigo de André Abrantes Amaral para o Observador:

Antes de mais nada, e da precipitação acalorada de um leitor que não queira ler esta crónica até ao fim, que fique claro que a defesa de Boris Johnson não significa uma adesão sem limites e condições à estratégia que o novo primeiro-ministro do Reino Unido apresentou no seu primeiro discurso no Parlamento britânico. Primeiro, não sou cidadão daquele país e, dessa forma, não me encontro naquele barco. Segundo, a visão que Boris Johnson tem para o Reino Unido, além de brilhante e aliciante pode também ser apenas romântica. Por fim, e mais importante que tudo o resto, Boris Johnson não precisa de minha defesa para nada. Se há qualidade que o caracteriza é o não se ir abaixo com o mal que dizem dele. Para a política (como, aliás, para tudo na vida) é preciso ter estofo. E isso o PM britânico tem para dar e vender.
Mas Boris Johnson tem outras qualidades. Uma, a sua excelente forma de comunicar. O que não é despiciendo, nunca foi desde os tempos imemoriais do início da demoracia. Os discursos estão bem escritos e ele discursa ainda melhor. Um misto de oratória com displicência de quem despacha aquilo porque assim tem de ser, como se só não é melhor porque não está para isso. Saber comunicar é muito importante e Boris vai utilizar esta sua mais-valia para empolgar o eleitorado do Partido Conservador para vencer as eleições caso estas se venham a proporcionar. Ou, pelo menos, para intimidar qualquer adversário político que prefira não arriscar um jogo no qual pode perder o pouco que tem.

Outra qualidade de Boris Johnson é o pragmatismo de quem leu a situação política no Reino Unido. Em 2016, a maioria do povo Britânico votou pela saída da União Europeia. Não está agora em causa se aquele tipo de referendos se devem ou não fazer (pessoalmente, considero que não), mas que o que está feito, feito está. E se três anos após o referendo o Reino Unido não sair da UE tal significa que a democracia perdeu a capacidade de concretizar o que o povo, na sua maioria, escolheu. Sair da UE torna-se, pois, crucial. Indispensável, não só porque Boris Johnson considere melhor para o RU no seu todo, mas porque o prestígio, a confiança da democracia depende disso mesmo.

A terceira qualidade de Boris Johnson (que aqui é mesmo uma lufada de ar fresco, concorde-se ou não com ela) é a visão que o primeiro-ministro tem para o seu país. Não é só o querer torná-lo no melhor lugar na Terra. Tal é apenas a consequência daquilo em que o Reino Unido se pode transformar caso saia da UE, celebre acordos comerciais com o mundo inteiro e, à semelhança do Japão, se torne numa economia vibrante e competitiva. Dir-me-ão que o Japão tem uma população de mais de 126 milhões de habitantes e que o Reino Unido, de apenas 67 milhões. Mas, ao contrário do Japão, o Reino Unido tem a Commonwealth, uma língua falada no mundo inteiro, a que se soma uma política de imigração diferente da japonesa. Por alguma razão e por muito que Tóquio seja a maior metrópole do mundo esta não tem o cosmopolitismo de Londres.

Há muitas nuvens no horizonte. Mas como referi no início deste artigo não é uma defesa acalorada de Boris Johnson, apenas uma oportunidade para que se analisem os prós e os contras, se pense um pouco antes de julgarmos sem mais nada e qualquer consideração a política de um homem como Boris Johnson. A humildade também passa por isto: por pensarmos antes de julgarmos. Abrir os horizontes e não dispararmos o que outros dizem aos gritos apenas porque o dizem aos gritos. Num tempo de escolhas como o que vivemos não nos podemos deixar intimidar e para decidirmos em consciência é necessário que se ponderarem todos os cenários.

Há muitas nuvens no horizonte. E a maior não é o Brexit. Não é o acordo ou não acordo para o Brexit pois, o RU sai da UE se e quando o desejar. Além do mais, o não acordo dificilmente será definitivo. O maior desafio que o governo britânico tem pela frente é a Escócia. Sem a Escócia não haverá Irlanda do Norte. Sem a Escócia não há Reino Unido. Não esqueçamos que o Reino Unido se formou em 1707 porque, entre outras razões, a Escócia queria ter acesso às colónias que não conseguiu adquirir sozinha. Se foi para ter acesso aos mercados internacionais que a Escócia se juntou à Inglaterra, a saída da UE terá como consequência que os Escoseses equacionem a sua permanência no RU. Mas isto são outros quinhentos. Conseguirá Boris Johnson convencer a Escócia a ficar com os acordos comerciais que vai negociar? Não sabemos. Ninguém sabe, nem o próprio primeiro-ministro britânico. Nem os próprios escoceses.

Uma coisa é certa: perante o marasmo da classe política britânica e europeia (portuguesa, incluída), do navegar à vista e sem rumo assistimos todos os dias, Boris Johnson apresentou uma ideia para o seu país. Um projecto, uma visão. E a democracia é isso: a apresentação, discussão e escolha de diferentes opções. Não é escondendo o jogo que os políticos a enaltecem, mas quando dizem antecipadamente ao que vão. Quando arriscam porque acreditam, porque consideram que o seu programa é melhor que o dos adversários. E neste ponto, o sucesso de Boris Johnson não se trata apenas de conseguir ou não levar o Brexit por diante; conseguir ou não fazer do Reino Unido o melhor lugar na Terra mas mostrar que a política quando exercida como luta democrática por causas vale a pena.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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