MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Rogando pragas: alguma dúvida sobre a cobertura internacional?


Mais do que divergência ideológica, espírito crítico ou papel de fiscalização do poder, imprensa ignora 57 milhões de votos e cobre a posse de Bolsonaro como tragédia, aponta Vilma Gryzinski:

Deve existir alguma tecla nos computadores de jornalistas estrangeiros pela qual a palavra “Brasil” automaticamente é seguida de “Trump tropical”.

Se o uso de clichês fizesse mal à saúde, haveria uma epidemia de overdose na categoria. Além da repetição interminável, a cobertura dos grandes órgãos de imprensa agora se concentra em destacar tudo que pode – e vai – dar errado no novo governo brasileiro.

Alguns capricham no tom dramático. “Brasil: Jair Bolsonaro, posse sombria”, foi a manchete do Libération.

Brasileiro é tão bobinho, não? Apesar de todos os horrores descritos pelo jornal francês, para “75% deles, Jair Bolsonaro está no bom caminho”. Ao contrário, obviamente, dos ilustres professores consultados pelo jornal.

Um deles diz que Sérgio Moro, em lugar de provocar um continental suspiro de alívio e de segurança no combate à corrupção, servirá “para dar uma aparência legal a medidas incompatíveis com os direitos humanos”.

No Le Monde, a historiadora Armelle Anders diz que o “Mito” pode se dar mal diante de “realidades como o tamanho do déficit público” e bater de frente com um Congresso muito fragmentado.

São argumentos que até quem nem é historiador consegue captar. A correspondente do Le Monde considera que Bolsonaro “macaqueia a política externa de Trump”.

A posse, diz ela, não é uma “celebração da democracia”, outro clichê imbatível, mas “a vitória da extrema-direita, dos militares, do ceticismo climático e do liberalismo econômico”.

Apesar de todos esses horrores, o novo presidente “é esperado como um messias”. De novo, os brasileiros bobinhos.

Um detalhe: o Le Monde pediu desculpas duas vezes por uma repulsiva capa de sua revista semanal na qual Emmanuel Macron é retratado com tipologia, cores e estilo evocando à Alemanha hitlerista.

O jornal fez muito bem em se desculpar pelo absurdo, embora a certa altura tenha tentado empurrar a culpa para o construtivismo russo.

Mais ou menos da mesma linha de esquerda, o El País também está desolado: “Nem as ameaças de reduzir ao mínimo os direitos trabalhistas, ignorar a mudança climática, limitar os investimentos em cultura e deixar o país nas mãos do conservadorismo religioso frearam a vitória de Bolsonaro”.

Será que alguns brasileiros votaram nele exatamente por isso? O jornal espanhol não entra nesse campo. Mas chama Bolsonaro, entre outras coisas, de “encantador de serpentes”.

O jornal também acredita que o presidente encena gestos populistas, como comer pão com leite condensado. Será que, secretamente, Bolsonaro degusta trufas da Toscana, usa robe de chambre de seda e lê Joyce (James, não a deputada)?

O correspondente do El País, Tom Avendaño, voltou a Madri, depois de dois anos de uma cobertura crescentemente chocada (“As mulheres também votaram em Bolsonaro, apesar da rejeição feminista” e “Casamentos homossexuais como forma de resistência”).

Deixou uma mensagem encantadora para o colega Juan Arias. “Este país marciano, Juan, vai ficar nas minhas veias por muito tempo, porque aqui desconstruíram tudo o que eu dava por certo e voltaram a me construir, talvez melhor”.

Que bom seria se a vontade de entender e a capacidade de se espantar com as contradições brasileiras se estendessem à cobertura internacional, arrancando correspondentes dos nichos onde se trancam.

Ou, pelo menos, que aparecesse mais o senso de humor usado pela revista The Economist ao comentar que sua capa sobre a “ameaça Bolsonaro” ficou em primeiro lugar na lista das dez mais lidas do ano.

Nela, a revista instava os eleitores a resistir a Bolsonaro, “mas os brasileiros não deram ouvidos”.

E isso tudo antes de Michelle Bolsonaro usar na posse um vestido de ombros metade de fora, muito parecido com o Carolina Herrera que Meghan Markle usou ao estrear como duquesa de Sussex na sacada do palácio de Buckingham.

Ambas estavam lindas, mas adivinhem quem não vai gostar?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:

Postar um comentário