O período que vem por aí é muito difícil, desses em que você não inveja
os vencedores. A economia patina, o Congresso não se renova, e as
eleições sempre trazem grandes expectativas. Artigo de Fernando Gabeira,
via O Globo:
Outro dia, uma simpática leitora me escreveu, dizendo que eu estava
em cima do muro. Não é exatamente isso o que acontece. Estou na mesma
posição que estarei depois das eleições: independência crítica.
Não gosto de muros, tanto que, quando caiu o de Berlim, mudei-me para
lá com a família, para acompanhar as consequências. Nem todo muro dá
para aceitar. Nas eleições municipais do Rio, recusei a alternativa que a
maioria dos eleitores me apresentou.
Recusá-la agora não significa desrespeito às grandes multidões que
escolhem Lula ou Bolsonaro. Pelo contrário, uma oposição consciente pode
ser uma forma de valorizar essa escolha.
A amiga pede que eu rejeite apenas Bolsonaro. É ameaçador para a
democracia. Ela leu nos jornais que o PT, ao contrario, tem um forte
compromisso com a democracia.
Respeito sua posição e a dos jornalistas. No entanto, era deputado
federal no período do mensalão. Discutir com fantoches comprados pelo
governo era para mim um arremedo de democracia.
Creio que passa por aí nossa divergência. No meu entender, a ameaça à
democracia não se resume hoje ao clássico golpe militar, com tanques na
rua. Ela pode ser subvertida por dentro, envenenada aos poucos.
Talvez a amiga precise de um pouco de paciência não só comigo, que
não aceito esse muro, como também com as pessoas que realmente estão
ainda em cima dele, por indecisão. Se ajudar, recomendo o livro de John
Gray — “A alma da marionete, um breve ensaio sobre a liberdade humana” —
que acaba de ser lançado aqui. Entre outras coisas, ele diz: “não é a
autoconsciência, mas a divisão de si mesmo que nos torna humanos.”
Isso não quer dizer que não fazemos escolhas. Caso contrário, não
estaríamos onde estamos hoje. Lembro que há pouco mais de 20 anos
brincava sobre o tema, com Luís Eduardo Magalhães. Ele, presidente da
Câmara; eu, o único deputado do PV. Ele dizia, para me ironizar: como
vota sua bancada? Eu dizia: a bancada tem apenas uma pessoa, por sinal
bastante dividida.
Compreendo que a pressão é natural. Muitos artistas já estão mergulhados no dilema de declarar voto.
Infelizmente, não sou artista, mas apenas alguém com uma experiência
política de pouco mais de meio século. Minha análise me conduz à
oposição, não importa o que sair desse duelo entre Lula e Bolsonaro.
Só que, nas circunstâncias nacionais, terá de ser uma oposição
construtiva e cuidadosa , exatamente porque me preocupo com a
democracia.
Há algum tempo que procuro conhecer os programas de governo do PT e
de Bolsonaro. São vagos o bastante para não rejeitá-los em bloco, mas
contêm várias armadilhas.
Na verdade, não há ainda programa real de governo. Há intenções,
acenos contraditórios. A necessidade de seduzir o centro ainda pode
trazer novidades.
O choque de personalidades ofuscou o confronto entre programas. Não
só os que estão no muro como os que recusam o dilema eleitoral
representam um estímulo para que os candidatos sejam mais explícitos em
suas propostas, moderados em sua retórica.
Mesmo com um conhecimento precário dos verdadeiros programas,
esquerda e direita terão muitas dificuldades para implementá-los. Como
impor uma agenda liberal a um país dividido, como impor uma agenda como a
dos anos petistas?
Não, se conseguirmos deter a intolerância entre os contrários. Mas
outra busca é possível: deter a intolerância contra quem simplesmente
não toma o partido de um dos lados.
Ao invés, é essencial evitar a potencial tragédia no choque entre eles.
O período que vem por aí é muito difícil, desses em que você não
inveja os vencedores. A economia patina, o Congresso não se renova, e as
eleições sempre trazem grandes expectativas.
Não esperava encarar isso nos primeiros anos de democratização. Mas é
preciso olhar de frente. Para mim, o Galeão não é saída porque leio o
outro nome dele, Antonio Carlos Jobim, e me lembro da beleza e do
talento que o país abriga.
Será apenas uma longa fase de sufoco.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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