O problema do arrogante
ministro Gilmar Mendes (faz beição, faz!) é que ele é casado com dona
Guiomar Mendes. Resume J. R. Guzzo, via Augusto Nunes: "'Gil" mandou soltar um cliente de 'Guio'. Pode? Claro que não":
O ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é uma fotografia ambulante do
subdesenvolvimento brasileiro. Não há nada de especial com ele — é
apenas mais um, na multidão de altas autoridades que constroem todos os
dias o fracasso do país. Mas o ministro habita o galho mais elevado do
Poder Judiciário, e é ali, no fim das contas, que se resolve se o Brasil
é governado sob o império da lei, como acontece obrigatoriamente nas
nações bem-sucedidas, ou se, ao contrário, é governado segundo os
desejos pessoais dos que mandam na vida pública, como acontece
obrigatoriamente do Terceiro Mundo para baixo. Com as decisões que tem
tomado, tirando da cadeia milionários envolvidos no maior processo de
corrupção da história nacional, Mendes optou por adotar a figura do
clássico grão-magistrado de uma república bananeira — ele e mais outros
tantos, entre os seus dez colegas do STF. Um requisito essencial para
bloquear o desenvolvimento de um país é utilizar a lei para anular a
eficácia da própria lei e eliminar as noções de “justo” e “injusto”. É
como funciona, precisamente, a nossa mais alta corte de Justiça.
Todos sabem o que o
ministro Gilmar Mendes acaba de fazer. Soltou o campeão nacional Eike
Batista, empresário-modelo dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff,
preso no Rio de Janeiro por corrupção e outros crimes; em seguida, foi o
voto determinante na decisão de soltar o ex-ministro José Dirceu, cuja
folha corrida não cabe no espaço desta e das demais páginas da corrente
edição. Não se vão discutir aqui, em nenhum dos dois casos, a
hermenêutica, a teleologia, a holística e outras charadas da suprema
doutrina jurídica, que nossos altos magistrados costumam utilizar para
dar uma cara científica às suas sentenças — o autor deste artigo não
entende nada de direito e, além do mais, seria inútil tratar de coisas
incompreensíveis para qualquer mente humana em regime normal de
operação. O Brasil tem hoje 800 000 advogados, ou algo assim; já é gente
demais para falar do assunto. O problema do ministro Gilmar Mendes é
muitíssimo mais simples; ele é casado com dona Guiomar Mendes, e dona
Guiomar Mendes trabalha no escritório de advocacia Sergio Bermudes, do
Rio de Janeiro, muito procurado por magnatas em busca de socorro penal.
Um deles é Eike Batista. Ou seja: “Gil” mandou soltar um cliente do
escritório de “Guio”. Pode? É claro que não.
O ministro, pela
interpretação normal da palavra integridade, teria de ter passado o
julgamento de Eike para um de seus colegas; não pode estar no STF e, ao
mesmo tempo, decidir causas em que sua mulher tem interesses. Ele e seus
admiradores alegam que o ato não foi flagrantemente ilegal. Bom, só
faltava que fosse — até as ditaduras mais soturnas tentam evitar
decisões 100% ilegais. Mas foi, com certeza, flagrantemente esquisito. O
argumento é que a sra. Mendes trabalha na área cível do escritório
Bermudes, e Eike é um cliente da área criminal. Uma coisa é uma coisa,
outra coisa é outra coisa, não é mesmo? O fato de Eike sair ganhando foi
apenas mais uma dessas extraordinárias coincidências da vida. Qual é o
problema? O problema é o Código de Processo Penal. Ali se diz que um
juiz não poderá julgar nenhuma causa em que seu cônjuge ou parente até o
terceiro grau — vejam só, até o terceiro grau — for diretamente
interessado. Tudo bem, o réu não é um cliente pessoal de dona Guiomar; o
interesse dela na causa é apenas indireto. Mas esse “apenas” já não
seria mais do que suficiente para o ministro Mendes se afastar do caso?
Ele resolveu que não. Acha que os advogados de um mesmo escritório não
ganham nada com a vitória de um de seus clientes mais notórios.
Mais ainda, o Código
de Processo Civil, no Artigo 144, diz que um juiz está simplesmente
proibido de julgar causas em que uma das partes é cliente do escritório
do cônjuge — mesmo que essa parte, na questão a ser julgada, seja
defendida por advogados de outro escritório. É evidente, para um cidadão
honrado, que a regra mais rigorosa é também a mais correta. Mas sempre é
possível achar na lei uma pirueta para legalizar aquilo que os
julgadores querem que seja legal; há 500 anos eles estão achando saídas
para tudo. Contrariam o senso mais compreensível de justiça. Transformam
qualquer coisa em fumaça. Têm horror ao que chamam de “pensamento
leigo”. Acham a lógica comum uma ameaça ao estado de direito. Não estão
preocupados em fazer justiça. O que querem é defender os próprios
interesses ou — vá lá – suas ideias e suas vaidades pessoais. É uma
história ruim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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